Diana Lichtenstein Corso*
O verão é uma época em que nada se resolve, nada se entrega, nada
termina. Não adianta crescer, para sempre ficaremos esperando uma
espécie de volta às aulas. Só que, neste ano, o Carnaval adentrado em
março prorrogou o início do ano para meados do terceiro mês. A
complicação do calendário atrapalha negócios, prazos e tarefas, mas vem a
calhar para nossa mente procrastinadora. Procrastinar é uma palavra
empolada e útil, quer dizer postergar, adiar, evitar a realização de uma
tarefa. Vou tentar explicar nossa familiaridade com esse funcionamento.
Imagine que tenho que visitar uma tia idosa gravemente doente, uma parente dessas a quem deveríamos, mas não conseguimos, nos sentir ligados. Sinto que devo ir ao hospital, mas não vou. Graças a esse comportamento omisso, a cada coisa que faço fico pensando que em vez disso deveria visitar a tia doente. Se tivesse ido, a esqueceria e só voltaria a evocá-la quando alguém me avisasse do fim do sua agonia.
A cena que fabulei acima serve para todas as pendências às quais nos apegamos. Há tantas tarefas marginalizadas que acabam ocupando nosso centro, de tal modo que fica difícil fazer outra coisa. Ruminações e pensamentos obsessivos são uma cachaça: culpamo-nos, ficamos pensando compulsivamente em que estamos em falta, nos distraímos do essencial obcecados por tarefas que só se tornam relevantes se não as fizermos.
Pode parecer estranho, mas há certa conve- niência no sofrimento pelo fracasso antecipado. Não cumprir com a obrigação vem a calhar para cultivar a culpa e fazer-se inúmeras autoacusações. Afinal, isso acaba sendo mais cômodo, pois se já estamos condenados mesmo, nem adianta tentar, deixa assim! A tia nunca será visitada, o trabalho não será escrito, o relatório não ficará pronto, a encomenda nunca chegará ao destino, a arrumação pode esperar e assim por diante.
Para que servem essas situações desagradáveis? No caso da tia doente, por exemplo, provavelmente não passa de covardia, medo de pensar no fim, no próprio envelhecimento, ou dos pais. Se for um trabalho que não se realiza, ou nunca se termina, podemos sempre imaginar que sairá perfeito. Enquanto não o começamos, ele é potencialmente uma obra-prima. Na prática somos falhos, enquanto em hipótese somos geniais.
Há uma personagem de Melville, o escrivão Bartelby, que representa caricaturalmente a recusa a tudo que se pede a alguém. O sujeito empregou-se numa repartição mas esquivava-se a qualquer tarefa. Frente a qualquer mínima solicitação, ele invariavelmente respondia: “Acho melhor não”. Às vezes, nos parecemos a ele.
A procrastinação e a culpa andam juntas. A paralisia que elas nos impõem é uma cilada, achamos melhor não fazer algo na vida real para ficar cultivando alguma preciosa fantasia inconsciente. Azar da titia, e principalmente nosso. Já estamos em abril e pesa sobre as costas tudo o que nos determinamos a resolver no mês passado, um início postergado do qual esperávamos tanto. Falar nisso, acho melhor não terminar nada antes de julho, este ano só vai começar depois da Copa.
Imagine que tenho que visitar uma tia idosa gravemente doente, uma parente dessas a quem deveríamos, mas não conseguimos, nos sentir ligados. Sinto que devo ir ao hospital, mas não vou. Graças a esse comportamento omisso, a cada coisa que faço fico pensando que em vez disso deveria visitar a tia doente. Se tivesse ido, a esqueceria e só voltaria a evocá-la quando alguém me avisasse do fim do sua agonia.
A cena que fabulei acima serve para todas as pendências às quais nos apegamos. Há tantas tarefas marginalizadas que acabam ocupando nosso centro, de tal modo que fica difícil fazer outra coisa. Ruminações e pensamentos obsessivos são uma cachaça: culpamo-nos, ficamos pensando compulsivamente em que estamos em falta, nos distraímos do essencial obcecados por tarefas que só se tornam relevantes se não as fizermos.
Pode parecer estranho, mas há certa conve- niência no sofrimento pelo fracasso antecipado. Não cumprir com a obrigação vem a calhar para cultivar a culpa e fazer-se inúmeras autoacusações. Afinal, isso acaba sendo mais cômodo, pois se já estamos condenados mesmo, nem adianta tentar, deixa assim! A tia nunca será visitada, o trabalho não será escrito, o relatório não ficará pronto, a encomenda nunca chegará ao destino, a arrumação pode esperar e assim por diante.
Para que servem essas situações desagradáveis? No caso da tia doente, por exemplo, provavelmente não passa de covardia, medo de pensar no fim, no próprio envelhecimento, ou dos pais. Se for um trabalho que não se realiza, ou nunca se termina, podemos sempre imaginar que sairá perfeito. Enquanto não o começamos, ele é potencialmente uma obra-prima. Na prática somos falhos, enquanto em hipótese somos geniais.
Há uma personagem de Melville, o escrivão Bartelby, que representa caricaturalmente a recusa a tudo que se pede a alguém. O sujeito empregou-se numa repartição mas esquivava-se a qualquer tarefa. Frente a qualquer mínima solicitação, ele invariavelmente respondia: “Acho melhor não”. Às vezes, nos parecemos a ele.
A procrastinação e a culpa andam juntas. A paralisia que elas nos impõem é uma cilada, achamos melhor não fazer algo na vida real para ficar cultivando alguma preciosa fantasia inconsciente. Azar da titia, e principalmente nosso. Já estamos em abril e pesa sobre as costas tudo o que nos determinamos a resolver no mês passado, um início postergado do qual esperávamos tanto. Falar nisso, acho melhor não terminar nada antes de julho, este ano só vai começar depois da Copa.
------------------------
*PsicanalistaFonte: ZH online, 13/04/2014
Imagem da Internet
Nenhum comentário:
Postar um comentário