Marcelo Caetano*
Campanha publicitária da marca Dolce & Gabanna em 2007.
Nos
últimos dias, uma pesquisa realizada pelo IPEA tornou-se tema das
conversas (e dos jornais, novelas, etc.) em todos os lugares. Segundo a
pesquisa, 26% dos entrevistados concordam que “mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”.
O resultado chocou. Mas era previsível. Nosso Estado é machista, assim
como nossas instituições e mesmo nossas práticas cotidianas. Na verdade,
creio que o espanto maior foi deparar-se com esse fato assim, de uma
forma tão crua e escancarada.
Talvez, contudo, o pior tenham sido as reações que se seguiram. Várias pessoas, especialmente homens,
postando fotos e vídeos sobre como, sim, mulheres mereciam ser
estupradas se não se “respeitassem” (entre aspas, entre muitas aspas).
Foi ainda mais chocante. Aqui, porém, quero falar sobre aqueles que não
concordam com a tal frase, especialmente com os homens que não
concordam, pois, concordando ou não, ser homem tem certos sentidos e
significados que, considerando como as coisas são hoje, não podem ser
ignorados.
Eu
escolhi me tornar um homem. Ainda que essa escolha seja contingenciada
por uma série de fatores que, de alguma forma, fizeram com que tal
escolha não fosse assim tão livre, passar por um processo físico e
social de “transição” foi, em última instância, uma decisão minha,
tomada de forma deliberada e consciente. Tornei-me um homem, mas não
quero ser confundido com esse modelo de macho, símbolo de violência, que
é prescrito pela nossa sociedade patriarcal.
Não
posso negar que o almejado reconhecimento social da minha masculinidade
traz consigo os desconfortos de ser lido por muitas mulheres como uma
ameaça. É uma equação simples: homens são um vetor de violência; eu sou
um homem; logo, eu sou um vetor dessa violência. É uma leitura simplista
e automática, por certo, mas é a que é possível em diversas situações -
no meio da rua, ás 2h da manhã, as mulheres já se acostumaram a fugir
dos homens, sempre potenciais estupradores.
Eu
não sou um estuprador. Mas o gênero que hoje performo é a representação
da ameaça desse ato de violência. Muitos homens se sentiram ofendidos
por serem tomados como violentos, assim, a priori mesmo. A
esses homens, eu queria dizer que ficar reclamando com as mulheres não
vai ajudar em nada, não vai mudar nada. Não são elas que estão erradas;
somos nós!
De
novo, eu não sou um estuprador, mas o meu gênero é, e isso eu não posso
negar. O que posso fazer é colaborar para construir uma nova cultura da
masculinidade. Uma masculinidade sensível, não-violenta, capaz de
dialogar, em vez de ameaçar. Vamos ressignificar o que é ser homem, em
vez de ficar proclamando quão injusta é essa generalização. Sentir-se
pessoalmente ofendido pela maneira com que as mulheres reagem, e
atacá-las, ofendê-las por isso é justamente continuar reproduzindo o
problema, uma vez após a outra.
A
minha masculinidade, uma série de vezes, entrou em contradição. Tenho
muitas experiências similares às relatadas pelas mulheres, afinal eu fui
mesmo uma adolescente. Como tal, sofri assédio no ônibus, tive que
correr pra não sofrer nenhum ataque em uma rua escura. Naquele momento,
eu era o objeto dessa violência. Mas, sendo esta tão generificada,
passei de objeto a potencial autor da violência. E só ficar repetindo
que eu, individualmente, nunca pratiquei esse tipo de violência não
causa nenhum impacto.
Essa
defesa cega dos atos individuais parece, na verdade, uma forma ingênua
(?) de demonstrar o quanto não somos capazes de chegar à raiz do
problema. Debater a masculinidade e procurar formas de ressignificá-la
chega quase a soar como a própria ausência de masculinidade. Como se
negar o modelo violento e opressor de macho fosse o mesmo que negar-se
homem.
A
culpa nunca é da vítima, é sempre do agressor e, quase sempre, a vítima
é uma mulher e o agressor é um homem. É preciso que os homens assumam,
sim, a responsabilidade pela violência que é perpretada pelos seus
pares. Ainda que eu (ou você!), especificamente, não seja um agressor, a
responsabilidade também é minha, uma vez que reivindico-me como homem.
Eu escolhi me tornar um homem. Mas, hoje, tudo que consigo sentir é vergonha por ser um deles.
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*Pretensamente revolucionário; tecnologicamente homem. Feminista por contingência; amigo por questão de sobrevivência. Escritor.
Fonte: http://blogueirasfeministas.com/2014/04/sobre-a-vergonha-de-ser-homem/#comments
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