André Lara Resende*
A política econômica - e por extensão todo o governo - continua a ser
avaliada pelo crescimento da economia. O crescimento pauta os jornais e
domina o debate. Enquanto o "pibinho" é usado como arma retórica da
oposição, o governo tenta toda sorte de estímulos e artifícios para
reverter o quadro de estagnação. Em um ano de eleições, o crescimento
deverá, mais uma vez, tomar lugar no centro do palco.
Em trabalho ainda a ser publicado, "Asiaphoria Meets Regression to
the Mean" (2014), Larry Summers e Lant Pritchett, da Universidade de
Harvard, fazem um sofisticado estudo estatístico sobre o crescimento, em
toda parte do mundo, desde a metade do século XX. Summers, com longa
experiência de vida pública, é tido como intelectualmente brilhante, mas
seu temperamento polêmico levou-o de favorito a preterido na sucessão
de Ben Bernanke como presidente do Banco Central americano. O objetivo
específico do trabalho é avaliar o crescimento da China nos próximos
anos, mas permite conclusões importantes sobre crescimento, muito além
dos prognósticos para a economia chinesa.
Os autores reconhecem a dificuldade de fazer previsões. O equívoco
mais frequente é a extrapolação do passado recente, é acreditar na
continuidade do status quo e subestimar a probabilidade das
descontinuidades. Tomam, então, um caminho alternativo. Em vez de tentar
prever especificamente o crescimento da China, analisam todos os casos
de altas taxas de crescimento ocorridos desde 1950. Uma conclusão se
sobressai: o crescimento dos países em desenvolvimento não se enquadra
no que estipula a teoria dos ciclos macroeconômicos. A taxa de
crescimento não oscila em torno de uma média - chamada de taxa de
crescimento potencial do país -, como postula a teoria. Ao contrário, o
crescimento é essencialmente episódico. Há surtos de crescimento
acelerado, seguidos de ainda mais destacados períodos de estagnação. Os
períodos de rápido crescimento tendem a ser curtos e terminam sempre em
períodos de desaceleração ou de estagnação.
Após análise extensiva dos dados, os autores concluem que a evidência
mais robusta sobre as taxas de crescimento é da chamada "reversão para a
média". Para os não familiarizados com o conceito, reversão para a
média é a tendência, numa série estatística, a toda vez que ocorre uma
observação muito distante da média haja uma alta probabilidade de que a
observação seguinte esteja mais próxima da média. A história, contada
por Daniel Kahneman, é ilustrativa. Diante do psicólogo que recomendava
não humilhar os cadetes quando cometiam erros, mas, ao contrário,
estimulá-los para reforçar a autoestima, o instrutor de voo militar
protestou: "Discordo, na prática não funciona assim; toda vez que um
aluno faz uma manobra malfeita, passo-lhe uma descompostura e a seguinte
é melhor; já toda vez que um aluno executa uma excelente manobra e o
elogio, a próxima já não é tão bem executada".
Embora se imagine que os países tenham personalidades próprias, sejam
capazes de crescer a taxas muito diferentes por longos períodos, a
verdade é que são muito menos individualizados - em termos de
crescimento - do que se pretende. Todos têm períodos de crescimento
acelerados, cada qual a seu tempo, mas são apenas surtos, que acabam
quase sempre numa estagnação. Revertem então à média mundial. O fato de
um país, hoje, crescer rapidamente não quer dizer muita coisa sobre o
seu crescimento futuro. A melhor estimativa da taxa de crescimento a
mais longo prazo, para qualquer país, a despeito do seu crescimento no
atual, é sempre a do crescimento médio da economia mundial.
A boa política econômica é muito menos eficiente para acelerar a taxa
de crescimento do que se imagina. Em trabalho de 2005, Hausmann,
Pritchett e Rodrik concluem que, apesar dos episódios de aceleração
significativa do crescimento, isto é de mais de 2,5 pontos de
percentagem ao ano, serem frequentes, não há correlação entre esses
surtos de crescimento e a boa política econômica. Já a má política
econômica, esta sim, é muito mais eficiente para levar a períodos de
estagnação.
Os trabalhos de Rodrik (2000) e de McDermott e Breuer (2013) concluem
que as recessões e os períodos de estagnação estão empiricamente muito
mais correlacionados com a má política econômica do que os períodos de
aceleração do crescimento estão associados à boa política. Não há
evidências de que a boa política econômica possa acelerar o crescimento,
mas há bem mais evidência de que a má política econômica leve à
desaceleração do crescimento. McDermott e Breuer (2013) argumentam que
as recessões são muito mais bem explicadas pela ocorrência de erros de
política econômica do que os períodos de rápido crescimento pelos
acertos. Infelizmente, parece que os acertos não ajudam tanto quanto
pretendemos, mas os erros atrapalham, e muito.
O discurso político trata o crescimento como se fosse uma variável
sob controle completo dos governantes, capazes de garantir períodos de
crescimento acelerado. Gostamos de nos atribuir mais poder do que
realmente temos. A política econômica tem bem menos influência do que se
pretende para acelerar o crescimento. A mais longo prazo, a taxa de
crescimento de todas as economias convergem para a taxa de crescimento
da economia mundial. Apesar de alguns períodos de crescimento
diferenciado, a mais longo prazo, o crescimento sempre converge para a
taxa média mundial. Estamos todos no mesmo barco.
Os períodos de crescimento acelerado, muito acima da média mundial,
tendem a terminar em crise, com forte desaceleração, seguida de um
período de estagnação. É possível crescer rapidamente, quando as
circunstâncias são favoráveis, mas o crescimento acelerado cria
distorções. Um dia a conta chega. É possível sim, crescer acima da
média, mas só por períodos curtos, seguidos de crise e de estagnação. Há
evidência de que a recessão e a estagnação estão associadas tanto ao
fim de períodos de crescimento acelerado quanto aos erros de política
econômica. É, portanto, possível inferir que o crescimento acelerado
aumenta a probabilidade de más políticas. Na ânsia de continuar a colher
os louros políticos e de prolongar o surto de crescimento, acaba-se por
fazer má política econômica. O resultado é a crise, a recessão seguida
da estagnação.
A história recente está repleta de milagres de crescimento acelerado.
A China e a Índia, esta em menor escala, são apenas os mais recentes.
Já tivemos o milagre japonês, depois o dos tigres asiáticos, todos
celebrados por analistas como o novo "modelo" a ser perseguido, até que o
surto de crescimento chegasse ao fim. As análises apologéticas são
então arquivadas e esquecidas. Quem poderia prever, em pleno milagre
japonês, que tudo terminaria na explosão de uma bolha imobiliária,
seguida de mais de duas décadas de estagnação? Quem diria que o produto
per capita do Japão cresceria apenas 0,6% ao ano desde 1991, que hoje
seria apenas 12% superior ao de 23 anos atrás?
O Brasil não se destaca pela memória, mas não podemos nos esquecer do
nosso milagre, durante o período do regime militar. De meados da década
de 1960 ao início da década de 70, a economia brasileira cresceu mais
de 10% ao ano. Com a crise do petróleo em 1973, a economia ameaçou
desacelerar. Mário Henrique Simonsen, então ministro da Fazenda,
sustentou que crescer acima de 5% ao ano criaria desequilíbrios
perigosos. Foi substituído por Delfim Netto, que, para júbilo do
empresariado, prometeu manter o crescimento acelerado e dobrou a aposta.
Postergou o ajuste, a economia ainda cresceu mais alguns anos, mas à
custa de uma dívida externa que se tornou infinanciável e da perda de
controle do processo inflacionário. O resultado é conhecido: entre 1980 e
2002, às voltas com as crises da dívida externa e da inflação, o país
estagnou e a renda per capita permaneceu praticamente inalterada por 22
anos.
Há exceções - a Coreia, por exemplo, onde os surtos de crescimento
não foram seguidos de crise, apenas de desaceleração -, mas a regra é
clara: períodos de crescimento acelerado terminam em crise e estagnação.
Os motivos do fim do crescimento rápido, assim como as razões do surto,
são variados e não necessariamente claros, mas a tentativa de prolongar
artificialmente o crescimento sempre termina em crise, recessão e
estagnação.
Mas se o crescimento acelerado está fora do controle direto da
política econômica, como então escapar do subdesenvolvimento e alcançar
os países do Primeiro Mundo? O exame da história do crescimento dos
países desenvolvidos pode ajudar. É fato conhecido que os países mais
avançados têm taxas de crescimento muito estáveis. O alto nível da renda
de países desenvolvidos não é resultado de surtos de crescimento
acelerado, mas sim da persistência do crescimento moderado. Não são os
surtos milagrosos, mas a força da estabilidade, associada ao poder das
taxas compostas, que leva à alta renda e ao desenvolvimento. Como chamam
a atenção North, Weingast e Wallis (2009), a razão pela qual os países
em desenvolvimento têm taxas de crescimento médias inferiores às dos
desenvolvidos não está na falta de crescimento acelerado, mas sim na
falta de consistência do crescimento. Os países avançados não são ricos
porque cresceram rapidamente, mas porque cresceram a taxas modestas
durante longos períodos. Não tiveram grandes crises nem interrupções
prolongadas do crescimento.
Não é por falta de surtos de crescimento que os países em
desenvolvimento não alcançam os desenvolvidos, já que quase todos têm
períodos de rápido crescimento. O problema é que, apesar de crescer
muito mais rapidamente, quando crescem, passam grande parte do tempo -
quase um terço, em média - estagnados ou com crescimento negativo.
As estatístiticas apresentadas por Summers e Prichett confirmam as
evidências das útimas décadas, analisadas a partir dos trabalhos
pioneiros de Douglas North, de que o alto nível de renda e de produto
per capita está associado à alta qualidade das instituições - veja-se,
por exemplo, Hall e Jones (1999), Acemoglu, Jonhson e Robinson (2002) e
North, Wallis e Weingast (2009). Boas instituições, legislação
inteligente, facilitadora ao invés de complicadora, e o respeito às leis
não garantem o crescimento acelerado, nada garante, pois ele depende de
fatores circunstanciais, mas reduzem a probabilidade de crise e de
estagnação prolongada. É mais importante trabalhar com persistência para
solucionar nossos problemas, ter como objetivo a qualidade das
instituições, um Estado a serviço da sociedade e não a sociedade a
serviço do Estado, do que buscar obsessivamente o crescimento. Qualidade
de vida, qualidade das instituições devem ser nossos objetivos. O
crescimento acima da média é consequência, quando as circunstâncias
ajudam.
Na última década, fomos ajudados pelo crescimento extraordinário da
China. Importadora dos produtos primários que exportamos, tivemos um
ganho nos termos de troca que é o equivalente a uma transferência de
recursos do exterior para o país. Como tínhamos feito o dever de casa na
última década do século XX, crescemos. Poderíamos ter crescido mais.
Deveríamos ter consolidado as bases para um crescimento contínuo, em
busca da melhora da qualidade de vida. Não o fizemos. Ao contrário,
jogamos a carta do consumo material, não investimos em infraestrutura,
não melhoramos a qualidade do Estado e dos serviços por ele prestados.
Dada a força da regressão para a média, o crescimento acelerado da China
deve acabar. Nosso período de vacas gordas chegará ao fim. Sem mudança
de rumo, infelizmente, voltaremos ao triste ciclo dos surtos de
crescimento seguidos de longa estagnação.
Temos, sim, que contar com a sorte para crescer acima da média
mundial. A sorte - em tese - é igual para todos, um dia vem. Na clássica
história judaica, diante das insistentes lamúrias do pobre homem que
não teve suas preces atendidas, não foi premiado na loteria, Deus
finalmente aparece e lhe diz: "Jacob, compre o bilhete!" Construir
instituições de alta qualidade, não achincalhá-las em nome do
crescimento a qualquer custo, é comprar o bilhete da loteria.
É preciso não ser arrogante, reconhecer quando somos ajudados pela
sorte, não nos tomar por donos do crescimento acelerado e, inconformados
quando os ventos mudam, destruirmos instituições, dilapidarmos empresas
públicas e criarmos todo tipo de distorções, em busca de prolongar o
milagre que não é nosso.
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*André Lara Resende é economista
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