sexta-feira, 18 de abril de 2014

DEVAGAR E SEMPRE

 André Lara Resende*
A política econômica - e por extensão todo o governo - continua a ser avaliada pelo crescimento da economia. O crescimento pauta os jornais e domina o debate. Enquanto o "pibinho" é usado como arma retórica da oposição, o governo tenta toda sorte de estímulos e artifícios para reverter o quadro de estagnação. Em um ano de eleições, o crescimento deverá, mais uma vez, tomar lugar no centro do palco.

Em trabalho ainda a ser publicado, "Asiaphoria Meets Regression to the Mean" (2014), Larry Summers e Lant Pritchett, da Universidade de Harvard, fazem um sofisticado estudo estatístico sobre o crescimento, em toda parte do mundo, desde a metade do século XX. Summers, com longa experiência de vida pública, é tido como intelectualmente brilhante, mas seu temperamento polêmico levou-o de favorito a preterido na sucessão de Ben Bernanke como presidente do Banco Central americano. O objetivo específico do trabalho é avaliar o crescimento da China nos próximos anos, mas permite conclusões importantes sobre crescimento, muito além dos prognósticos para a economia chinesa.

Os autores reconhecem a dificuldade de fazer previsões. O equívoco mais frequente é a extrapolação do passado recente, é acreditar na continuidade do status quo e subestimar a probabilidade das descontinuidades. Tomam, então, um caminho alternativo. Em vez de tentar prever especificamente o crescimento da China, analisam todos os casos de altas taxas de crescimento ocorridos desde 1950. Uma conclusão se sobressai: o crescimento dos países em desenvolvimento não se enquadra no que estipula a teoria dos ciclos macroeconômicos. A taxa de crescimento não oscila em torno de uma média - chamada de taxa de crescimento potencial do país -, como postula a teoria. Ao contrário, o crescimento é essencialmente episódico. Há surtos de crescimento acelerado, seguidos de ainda mais destacados períodos de estagnação. Os períodos de rápido crescimento tendem a ser curtos e terminam sempre em períodos de desaceleração ou de estagnação.

Após análise extensiva dos dados, os autores concluem que a evidência mais robusta sobre as taxas de crescimento é da chamada "reversão para a média". Para os não familiarizados com o conceito, reversão para a média é a tendência, numa série estatística, a toda vez que ocorre uma observação muito distante da média haja uma alta probabilidade de que a observação seguinte esteja mais próxima da média. A história, contada por Daniel Kahneman, é ilustrativa. Diante do psicólogo que recomendava não humilhar os cadetes quando cometiam erros, mas, ao contrário, estimulá-los para reforçar a autoestima, o instrutor de voo militar protestou: "Discordo, na prática não funciona assim; toda vez que um aluno faz uma manobra malfeita, passo-lhe uma descompostura e a seguinte é melhor; já toda vez que um aluno executa uma excelente manobra e o elogio, a próxima já não é tão bem executada".

Embora se imagine que os países tenham personalidades próprias, sejam capazes de crescer a taxas muito diferentes por longos períodos, a verdade é que são muito menos individualizados - em termos de crescimento - do que se pretende. Todos têm períodos de crescimento acelerados, cada qual a seu tempo, mas são apenas surtos, que acabam quase sempre numa estagnação. Revertem então à média mundial. O fato de um país, hoje, crescer rapidamente não quer dizer muita coisa sobre o seu crescimento futuro. A melhor estimativa da taxa de crescimento a mais longo prazo, para qualquer país, a despeito do seu crescimento no atual, é sempre a do crescimento médio da economia mundial.

A boa política econômica é muito menos eficiente para acelerar a taxa de crescimento do que se imagina. Em trabalho de 2005, Hausmann, Pritchett e Rodrik concluem que, apesar dos episódios de aceleração significativa do crescimento, isto é de mais de 2,5 pontos de percentagem ao ano, serem frequentes, não há correlação entre esses surtos de crescimento e a boa política econômica. Já a má política econômica, esta sim, é muito mais eficiente para levar a períodos de estagnação.

Os trabalhos de Rodrik (2000) e de McDermott e Breuer (2013) concluem que as recessões e os períodos de estagnação estão empiricamente muito mais correlacionados com a má política econômica do que os períodos de aceleração do crescimento estão associados à boa política. Não há evidências de que a boa política econômica possa acelerar o crescimento, mas há bem mais evidência de que a má política econômica leve à desaceleração do crescimento. McDermott e Breuer (2013) argumentam que as recessões são muito mais bem explicadas pela ocorrência de erros de política econômica do que os períodos de rápido crescimento pelos acertos. Infelizmente, parece que os acertos não ajudam tanto quanto pretendemos, mas os erros atrapalham, e muito.


O discurso político trata o crescimento como se fosse uma variável sob controle completo dos governantes, capazes de garantir períodos de crescimento acelerado. Gostamos de nos atribuir mais poder do que realmente temos. A política econômica tem bem menos influência do que se pretende para acelerar o crescimento. A mais longo prazo, a taxa de crescimento de todas as economias convergem para a taxa de crescimento da economia mundial. Apesar de alguns períodos de crescimento diferenciado, a mais longo prazo, o crescimento sempre converge para a taxa média mundial. Estamos todos no mesmo barco.

Os períodos de crescimento acelerado, muito acima da média mundial, tendem a terminar em crise, com forte desaceleração, seguida de um período de estagnação. É possível crescer rapidamente, quando as circunstâncias são favoráveis, mas o crescimento acelerado cria distorções. Um dia a conta chega. É possível sim, crescer acima da média, mas só por períodos curtos, seguidos de crise e de estagnação. Há evidência de que a recessão e a estagnação estão associadas tanto ao fim de períodos de crescimento acelerado quanto aos erros de política econômica. É, portanto, possível inferir que o crescimento acelerado aumenta a probabilidade de más políticas. Na ânsia de continuar a colher os louros políticos e de prolongar o surto de crescimento, acaba-se por fazer má política econômica. O resultado é a crise, a recessão seguida da estagnação.

A história recente está repleta de milagres de crescimento acelerado. A China e a Índia, esta em menor escala, são apenas os mais recentes. Já tivemos o milagre japonês, depois o dos tigres asiáticos, todos celebrados por analistas como o novo "modelo" a ser perseguido, até que o surto de crescimento chegasse ao fim. As análises apologéticas são então arquivadas e esquecidas. Quem poderia prever, em pleno milagre japonês, que tudo terminaria na explosão de uma bolha imobiliária, seguida de mais de duas décadas de estagnação? Quem diria que o produto per capita do Japão cresceria apenas 0,6% ao ano desde 1991, que hoje seria apenas 12% superior ao de 23 anos atrás?

O Brasil não se destaca pela memória, mas não podemos nos esquecer do nosso milagre, durante o período do regime militar. De meados da década de 1960 ao início da década de 70, a economia brasileira cresceu mais de 10% ao ano. Com a crise do petróleo em 1973, a economia ameaçou desacelerar. Mário Henrique Simonsen, então ministro da Fazenda, sustentou que crescer acima de 5% ao ano criaria desequilíbrios perigosos. Foi substituído por Delfim Netto, que, para júbilo do empresariado, prometeu manter o crescimento acelerado e dobrou a aposta. Postergou o ajuste, a economia ainda cresceu mais alguns anos, mas à custa de uma dívida externa que se tornou infinanciável e da perda de controle do processo inflacionário. O resultado é conhecido: entre 1980 e 2002, às voltas com as crises da dívida externa e da inflação, o país estagnou e a renda per capita permaneceu praticamente inalterada por 22 anos.

Há exceções - a Coreia, por exemplo, onde os surtos de crescimento não foram seguidos de crise, apenas de desaceleração -, mas a regra é clara: períodos de crescimento acelerado terminam em crise e estagnação. Os motivos do fim do crescimento rápido, assim como as razões do surto, são variados e não necessariamente claros, mas a tentativa de prolongar artificialmente o crescimento sempre termina em crise, recessão e estagnação.

Mas se o crescimento acelerado está fora do controle direto da política econômica, como então escapar do subdesenvolvimento e alcançar os países do Primeiro Mundo? O exame da história do crescimento dos países desenvolvidos pode ajudar. É fato conhecido que os países mais avançados têm taxas de crescimento muito estáveis. O alto nível da renda de países desenvolvidos não é resultado de surtos de crescimento acelerado, mas sim da persistência do crescimento moderado. Não são os surtos milagrosos, mas a força da estabilidade, associada ao poder das taxas compostas, que leva à alta renda e ao desenvolvimento. Como chamam a atenção North, Weingast e Wallis (2009), a razão pela qual os países em desenvolvimento têm taxas de crescimento médias inferiores às dos desenvolvidos não está na falta de crescimento acelerado, mas sim na falta de consistência do crescimento. Os países avançados não são ricos porque cresceram rapidamente, mas porque cresceram a taxas modestas durante longos períodos. Não tiveram grandes crises nem interrupções prolongadas do crescimento.

Não é por falta de surtos de crescimento que os países em desenvolvimento não alcançam os desenvolvidos, já que quase todos têm períodos de rápido crescimento. O problema é que, apesar de crescer muito mais rapidamente, quando crescem, passam grande parte do tempo - quase um terço, em média - estagnados ou com crescimento negativo.

As estatístiticas apresentadas por Summers e Prichett confirmam as evidências das útimas décadas, analisadas a partir dos trabalhos pioneiros de Douglas North, de que o alto nível de renda e de produto per capita está associado à alta qualidade das instituições - veja-se, por exemplo, Hall e Jones (1999), Acemoglu, Jonhson e Robinson (2002) e North, Wallis e Weingast (2009). Boas instituições, legislação inteligente, facilitadora ao invés de complicadora, e o respeito às leis não garantem o crescimento acelerado, nada garante, pois ele depende de fatores circunstanciais, mas reduzem a probabilidade de crise e de estagnação prolongada. É mais importante trabalhar com persistência para solucionar nossos problemas, ter como objetivo a qualidade das instituições, um Estado a serviço da sociedade e não a sociedade a serviço do Estado, do que buscar obsessivamente o crescimento. Qualidade de vida, qualidade das instituições devem ser nossos objetivos. O crescimento acima da média é consequência, quando as circunstâncias ajudam.

Na última década, fomos ajudados pelo crescimento extraordinário da China. Importadora dos produtos primários que exportamos, tivemos um ganho nos termos de troca que é o equivalente a uma transferência de recursos do exterior para o país. Como tínhamos feito o dever de casa na última década do século XX, crescemos. Poderíamos ter crescido mais. Deveríamos ter consolidado as bases para um crescimento contínuo, em busca da melhora da qualidade de vida. Não o fizemos. Ao contrário, jogamos a carta do consumo material, não investimos em infraestrutura, não melhoramos a qualidade do Estado e dos serviços por ele prestados. Dada a força da regressão para a média, o crescimento acelerado da China deve acabar. Nosso período de vacas gordas chegará ao fim. Sem mudança de rumo, infelizmente, voltaremos ao triste ciclo dos surtos de crescimento seguidos de longa estagnação.

Temos, sim, que contar com a sorte para crescer acima da média mundial. A sorte - em tese - é igual para todos, um dia vem. Na clássica história judaica, diante das insistentes lamúrias do pobre homem que não teve suas preces atendidas, não foi premiado na loteria, Deus finalmente aparece e lhe diz: "Jacob, compre o bilhete!" Construir instituições de alta qualidade, não achincalhá-las em nome do crescimento a qualquer custo, é comprar o bilhete da loteria.

É preciso não ser arrogante, reconhecer quando somos ajudados pela sorte, não nos tomar por donos do crescimento acelerado e, inconformados quando os ventos mudam, destruirmos instituições, dilapidarmos empresas públicas e criarmos todo tipo de distorções, em busca de prolongar o milagre que não é nosso.
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*André Lara Resende é economista

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