Entrevista: Scott Weems
Para o pesquisador americano Scott Weems, rir é um dos mecanismos essenciais
para nossa evolução e sobrevivência
(Laura Hartline ) - Rita Loiola
Rir nos torna mais inteligentes, criativos e saudáveis, segundo o neurocientista cognitivo Scott Weems. Nesta entrevista, ele conta como isso acontece e explica de que maneira algumas gargalhadas revelam crenças e preconceitos e oferecem soluções inéditas para nossos problemas
Assim que o Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada
(Ipea) admitiu o erro de sua pesquisa que dizia que os brasileiros
apoiavam ataques a mulheres, a reação foi instantânea: um enxurrada de
piadas. Bastaram poucos segundos para que, no último dia 4, as redes sociais fossem invadidas por anedotas zombando da porcentagem
que mostrava que 26% e não 65% concordam com a frase "mulheres que usam
roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas". Para o neurocientista
cognitivo americano Scott Weems, só mesmo sonoras gargalhadas seriam
capazes de resolver o conflito entre o equívoco grosseiro, as reações
exaltadas, o machismo e a realidade do episódio. O humor é única forma
que nosso cérebro encontra para lidar com diversas informações
contraditórias ao mesmo tempo, segundo ele.
Biblioteca
Ha! The science of when
we laugh and why
we laugh and why
Neste livro, o neurocientista cognitivo americano Scott Weems reuniu sua
experiência de doze anos em estudos do cérebro a dezenas de estudos
sobre o humor. O autor mostra que a risada é a forma de nosso organismo
lidar com informações contraditórias e buscar respostas, além de
explicar que o bom-humor é a chave para sermos criativos e alcançarmos
pensamentos sofisticados.
Autor: SCOTT WEEMS Editora: BASIC BOOKS
"As pessoas contam piadas há milhares de anos para lidar com desafios
e conflitos", diz o pesquisador da Universidade de Maryland, nos
Estados Unidos, que estuda o funcionamento do cérebro há doze anos. "O
humor revela muito sobre nossa humanidade, sobre como pensamos, sentimos
e nos relacionamos com o próximo."
Em seu primeiro livro, Ha! – The Science of when we laugh and why (Há! – A ciência de quando rimos e por que,
sem tradução em português), lançado em março nos Estados Unidos, Weems
sustenta que o riso é o resultado da longa batalha cerebral entre
emoções e pensamentos opostos. Ao chegar ao ápice da confusão, sem
nenhuma alternativa de solucioná-la, rimos. E, assim, não só
reconciliamos as ideias contrárias como enxergamos respostas.
Analisando a piada — Em suas pesquisas, Weems
descobriu que o humor é o segredo de pessoas inteligentes e criativas
para suas associações rápidas e inesperadas. No livro, reúne suas
conclusões a outros estudos e traça um mapa que busca compreender o
papel das risadas em nossa vida. Começa mostrando como a dopamina, o
neurotransmissor ligado ao prazer e o responsável pela alegria, nos fez o
que somos: seres em busca de emoção e de novas maneiras de melhorar a
vida. Rindo, se possível.
Ao longo do livro, o pesquisador demonstra como o humor dá novas
perspectivas às experiências vividas e revela aspectos sutis da
realidade que, de outra forma, permaneceriam escondidos. "Suspeito que o
humor nunca tenha sido respeitado. E isso é uma vergonha", afirma o
cientista. Nesta entrevista ao site de VEJA, Weems explica por que não
levamos o humor a sério e conta como piadas e anedotas são a chave para
atingir pensamentos sofisticados e nos tornar mais saudáveis e
criativos.
Por que costumamos explodir em risadas frente a situações constrangedoras? Nossa
mente transforma ambiguidade e confusão em prazer. O cérebro é lugar
cheio de conexões e ideias competindo por atenção. Isso nos leva a
raciocinar, mas também traz conflito, pois às vezes temos duas ou mais
ideias inconsistentes sobre o mesmo assunto. Quando isso acontece, nosso
cérebro só tem uma coisa a fazer: rir.
E isso resolve alguma coisa? Gostamos de trabalhar
em meio a essa confusão e rimos quando chegamos a uma solução. O humor
traz respostas súbitas, que chegam por vias diferentes do pensamento
lógico e analítico. Cada vez que rimos de uma piada é como se tivéssemos
um pequeno insight, pois pensamos algo inédito. E isso só dá certo
porque o processo nos alegra — uma mente entediada é uma mente sem
humor.
Isso quer dizer que pessoas que gostam de respostas prontas são as mais mal-humoradas? Sim.
Há uma forte relação entre ser curioso, gostar de se aventurar
intelectualmente e ser bem-humorado. Se alguém quer explicar um ponto,
conta uma história. Mas, se o objetivo é explicar mais de um ponto ao
mesmo tempo, o ideal é contar uma anedota. Ter humor é olhar as coisas
de uma maneira mais profunda. Pessoas com senso de
humor fazem associações inesperadas muito rapidamente.
Mas rir frente a situações difíceis ou problemas não significa fugir deles? O
humor nos leva a lugares emocionais e cognitivos novos. Mas isso não
quer dizer que ele afaste as dificuldades ou sentimentos como raiva,
revolta ou tristeza — ao contrário, ativa-os, junto a emoções positivas.
Um estudo feito na Universidade da Califórnia mostrou que
experimentamos várias emoções ao mesmo tempo. Rir ou contar piadas nos
ajuda a expressar todos esses sentimentos misturados e a lidar com eles.
Ou seja, anedotas sobre tragédias como o 11 de setembro nos ajudam a superá-las? Logo
após o ataque ao World Trade Center apareceram muitas piadas sobre a
catástrofe. Lembro-me de uma delas com um gorila segurando aviões perto
das torres gêmeas com a mensagem: onde estava o King Kong quando
precisamos dele? Essas piadas mostravam raiva, claro, mas também
frustração e até irreverência. Elas não tiravam sarro dos terroristas,
mas, sim do processo de luto — lembro que o país suspendeu todos os
programas de humor por dezoito dias até que, enfim, o programa Saturday Night Live foi ao ar. Rir nos conecta a outras pessoas para dividir nossas lutas, temores e confusões.
Então piadas como as de humor negro fazem bem para a saúde? Esse
tipo de humor nos torna mais saudáveis porque nos ajuda a lidar com
deficiências, situações violentas ou macabras. Alivia e é divertido ao
mesmo tempo em que é horrível. O humor é capaz de expressar nossas
crenças mais assustadoras de uma maneira muito direta — e não estamos
acostumados a isso.
Homens X Mulheres
Uma pesquisa feita pelo neurocientista Robert Provine, da Universidade
de Maryland, nos Estados Unidos, mostrou que mulheres riem 126% mais que
os homens. Elas riem mais quando conversam entre si, cerca de 40% das
vezes. E as mulheres tendem a rir menos quando ficam mais velhas, ao
contrário dos homens. O sexo feminino é mais atraído por homens que as
façam rir. Já os homens preferem mulheres que apreciam bom-humor.
Em outras palavras, piadas sexistas, sobre negros ou deficientes apenas ampliam preconceitos? Essa
questão é muito importante. Anedotas preconceituosas dão voz a nossas
crenças, sejam elas latentes ou escancaradas. Uma pessoa sexista só terá
seus preconceitos ampliados por essas piadas enquanto alguém que não
adota essas crenças terá mais convicção contra o preconceito. O humor,
porém, sempre veicula mensagens múltiplas. Tudo depende da intenção.
Como assim? Alguém que não é machista pode contar
uma piada machista com a intenção de caçoar dos homens machistas, não
das mulheres. Ou um machista pode contar essa mesma piada com a simples
intenção de ofender as mulheres.
E onde está a diferença? Na intenção e no alvo. Se o
propósito é ofender, não há nada de engraçado nisso. Mas se o esquete é
mais denso — como acontece quando o comediante negro Chris Rock
satiriza o racismo — então devemos olhar essas anedotas em um nível mais
profundo, porque sua intenção não é insultar e, sim, educar.
Você afirma, no entanto, que piadas ofensivas podem ter o propósito social de adiar a violência. Quando
escrevi isso, quis dizer que elas adiam a violência física. Mas elas
podem ser uma violência emocional. Não acredito que bullying ou ofensas
sejam piadas. Apesar de serem atitudes próximas, creio que o humor seja,
essencialmente, a maneira de nosso cérebro lidar com conflito. Atitudes
ofensivas não trazem nenhum conflito interno.
Isso quer dizer que piadas ofensivas dizem mais sobre quem as conta do que sobre seus alvos? Certamente!
Todo país tem seus alvos favoritos. Nos Estados Unidos, temos uma
famosa: ‘por que os homens italianos usam bigodes? Para ficar parecidos
com suas mães’.
O humor deve ser levado a sério? Levado a sério e
respeitado. Surpreendentemente, durante grande parte da nossa história, o
humor foi impopular. Platão [filósofo grego que viveu entre 428 a 348
a. C.] baniu o humor de sua República, dizendo que ele distraía o povo
de assuntos mais sérios. Já Tomas Hobbes [filósofo inglês que viveu no
século XVI] alegava que rir era uma parte necessária da vida, mas
somente para pessoas de inteligência inferior. O problema é que há uma
grande diferença entre algo sério e algo solene. É possível ser
bem-humorado e sério, mas o humor é o oposto da solenidade — e, por
isso, assumimos que ele não pode ser levado a sério. Acredito
que esse é o motivo pelo qual ele demorou tanto a ser respeitado — o
humor só se tornou um tópico científico em 1988, com a formação da
Sociedade Internacional dos Estudos do Humor, nos Estados Unidos.
Foi aí que descobrimos que ele é fundamental? A área
cerebral responsável pelo humor faz parte do sistema límbico, que
regula emoções primordiais como medo ou raiva. São
sentimentos essenciais para a sobrevivência. Rir é tão importante para
nossa vida quanto a inteligência ou a criatividade. O humor evoluiu e se
tornou o que é hoje porque, provavelmente, em algumas situações, se não
pudéssemos rir, teríamos entrado em conflito ou morrido. Dar risada é
parte fundamental do que somos.
Em um dos capítulos de seu livro, você comenta um estudo que
diz que pessoas muito religiosas têm pouco senso de humor, talvez porque
a religião seja um meio de diminuir conflitos. Há algum grupo que seja o
mais sem graça de todos? Sem graça eu não sei, mas o psicólogo
britânico Richard Wiseman tem um estudo fascinante em que mostrou
diversas piadas a pessoas de diferentes nacionalidades, e os alemães
riram de quase todas. Imagino que eles tenham um talento especial para
extrair graça mesmo de coisas que não tenham humor algum.
Estudos demonstram que animais como ratos e chimpanzés podem rir. O propósito do humor animal é o mesmo dos humanos? Animais
riem e têm humor. Seria muito antropocentrismo acreditar que só nós
temos humor, sendo compartilhamos com outros animais as mesmas regiões
cerebrais. Se rir é um processo para lidar com conflitos e confusões,
então ele está em todas as criaturas que possuem cérebro.
O Brasil, assim como os Estados Unidos, viu vários comediantes serem criticados ou processados por suas piadas. Será que o humor como conhecemos vai acabar? Acho
que ele está profundamente ferido, mas não diria que está morto. O
humor é muito ligado às mudanças sociais e se transforma com elas. Nos
anos 1980, quando tudo era exagerado — empresários queriam sempre mais
dinheiro, mais trabalho — o humor também se tornou muito forte.
Comediantes como Eddie Murphy ou Robin Williams não eram nada sutis.
Esse tipo de graça não faz mais sucesso hoje, porque valorizamos mais a
honestidade e a falta de pretensão. Atualmente, os atores pararam de
contar anedotas simples para incluir narrativas e detalhes pessoais em
seus esquetes. O humor dos próximos anos vai depender da evolução da
sociedade.
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Fonte: http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/o-riso-e-tao-importante-para-nossa-vida-quanto-a-inteligencia-ou-a-criatividade
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