sexta-feira, 18 de abril de 2014

Uma criança de barriga para o ar (*)

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"O corpo repousava pesado mas tranquilamente, sem qualquer mal-estar, como se o mundo tivesse parado de repente e ninguém interrompesse o silêncio; como se todos os pulmões da terra tivessem deixado de respirar para não interromperem a leve quietude do ar. Sentia-se feliz como uma criança de barriga para o ar sobre a erva fresca e espessa, contemplando uma nuvem alta que se afastava no céu da tarde. Era feliz, embora soubesse que estava morto, que repousava para sempre na caixa forrada de seda artificial. Tinha uma grande lucidez." (**)

Gabo está morto. Espero que esteja lúcido e feliz. A mim, que o li de revoada desde que, em 1988, o meu amigo Tiago me embrulhou, pelos anos, cem anos inteiros de literatura, fez-me muitas vezes feliz. Feliz de tanto sonhar. Feliz como uma criança de barriga para o ar sobre a erva fresca e espessa, contemplando a nuvem extraordinária do incrível e triste mundo que era seu, que ficou meu e que é de todos os homens que não tenham desaprendido de sonhar.

(*) Excerto de A Terceira Resignação, conto de 1947 incluído no magnífico Olhos de Cão Azul
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Por  Pedro Norton
Fonte: http://www.escreveretriste.com/2014/04/

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