domingo, 6 de abril de 2014

MUSICAIS

 Luís Fernando Veríssimo*
A reprise de Jesus Cristo Superstar em São Paulo faz lembrar que a "ópera-rock" do Lloyd Webber foi importante, quando estreou, porque mostrou que era possível fazer musicais sobre qualquer coisa, por mais improvável que fosse. Depois de Superstar vieram musicais sobre Evita Perón e os gatos do T.S. Eliot, musicais baseados em Os Miseráveis, do Victor Hugo, até um musical, anterior ao filme, sobre o naufrágio do Titanic (aliás, ótimo). Stephen Sondheim chegou a fazer um musical sobre assassinos de presidentes americanos. Hoje, não há nada - salvo, talvez, o Livro Tibetanos dos Mortos - que não possa ser musicado, coreografado e posto sobre um palco. O Ser e o Nada, do Sartre? Dá até para imaginar um sapateado dos dois personagens.

*

Um musical sobre os filósofos? Por que não? A abertura seria com o Descartes cantando "Cogito, ergo... Som!" - e entra a orquestra. Teríamos o plangente Fenomenologia Blues. E interlúdios cômicos como o de Husserl, Hegel e Heidegger dançando e cantando:
"Somos Husserl, Hegel
e Heidegger,
rapazes que ruminam a razão.
Como hobby refletimos
e raramente rimos
- ajuda se você for alemão". 

*

Um musical sobre o Novo Dicionário da Língua Portuguesa já teria um título pronto: "Aurelião!". E uma frase para a publicidade do espetáculo: "Ação, beleza, conflito, sexo... e xifódimo e zurzidela também. Tudo está em Aurelião!".
A Bíblia daria outras "óperas-rock", Noé e a arca, por exemplo. Noé recebendo os pares de bichos que salvará do dilúvio e orientando sua entrada na arca cantando uma adaptação da música de João Bosco e Aldir Blanc, "São dois pra cá, dois pra lá". Um fantástico número de dança com toda a companhia no salão de festas da arca, com os elefantes pisoteando todo o mundo. Um musical sobre Adão e Eva no Paraíso. Adão para Eva, num momento de irritação:
"Me chateias
me agrides
me enches
me esgoelas.
Cuidado, mulher
- eu tenho outras costelas!".

*

Um musical sobre Tarzan e Jane. Jane cantando para Tarzan:
"Fico louca com teus músculos
sobre cada um escreveria
opúsculos.
Tua cabeleira revolta
tua tanga semissolta
e esse seu jeito, Tarzan
de virar a cabeça e dizer 'ahn?'
Acima de tudo, amo o teu grito
esse selvagem bramido.
Mas, por favor: não no meu
ouvido".

*

Desafios não faltam para quem quiser fazer um musical diferente. Os Sertões, A Enciclopédia Britânica (superprodução). O Diário Oficial! 
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* Jornalista. Escritor.
Fonte: Estadão online, 06/04/2014
Imagem da Internet

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