sexta-feira, 11 de abril de 2014

MERCADORES DA PERFEIÇÃO

Franco Origlia/Getty ImagesObras do Renascimento, como o “Davi” de Michelangelo, apresentam proporção e simetria que transmitem 
a noção de beleza
Beleza, disse Aristóteles, é o melhor cartão de visitas. Com cabelos louros, dentes perfeitos e (é difícil não dizer faiscantes) olhos verde-claros, Marissa Mayer, a CEO do Yahoo!, dá a impressão de confirmar a máxima do filósofo grego, que via na beleza "ordem, simetria e definição". Ao assumir o cargo, em 2012, uma maratona de entrevistas e aparições na TV e na internet teve como efeito imediato a subida das ações da empresa na Nasdaq, a bolsa eletrônica americana. Mas o que parecia apenas o otimismo do mercado com a executiva, hoje com 38 anos, ganhou um novo significado com as conclusões de um inusitado estudo recém-publicado por Joseph Halford e Hung-Chia Hsu, dois economistas da Universidade do Wisconsin, nos Estados Unidos.

Executivos atraentes, dizem os dois, fazem subir os preços das ações das empresas que comandam, pelo menos no primeiro dia. Os dados são corroborados não só por Marissa, mas por outros 677 executivos analisados durante a pesquisa. Os resultados reforçam as conclusões de cientistas sociais, economistas, sociólogos e psicólogos que há anos se dão conta de um fenômeno: no mundo do trabalho, ser bonito dá dinheiro.

Ainda que, é inegável, uma pessoa bonita chame atenção em qualquer lugar, economistas não costumavam admitir que entre trabalhadores exista o "prêmio da beleza". Exceto em ramos como entretenimento ou prostituição, a visão mais comum era de que empregados são recompensados pelo desempenho - e apenas por isso. Mas a partir dos anos 1990 novos estudos revelaram que a aparência conta mais do que a maioria gostaria de admitir.

"A evidência é bastante clara de que pessoas confiam mais em alguém bonito", diz Daniel Hamermesh, economista e professor da Universidade do Texas. "Beauty Pays: Why Attractive People Are More Successful" (A beleza paga: por que pessoas atraentes são mais bem-sucedidas), livro que resume os 20 anos de estudos de Hamermesh sobre o tema, afirma que a sociedade recompensa as pessoas bonitas. Ele tem até um valor para o quanto uma pessoa bela, na comparação com uma de beleza média, receberá a mais na vida: US$ 230 mil.

Pessoas bonitas, segundo o trabalho, ganham mais dinheiro do que as médias e as feias. Outros estudos também apontam que elas são consideradas mais inteligentes, mais produtivas, têm mais chances de conseguir um bom emprego, obter empréstimos com juros mais baixos e ainda renegociá-los, caso algo dê errado. E mais probabilidade de entrar numa boa faculdade e de receber uma pena menor em um julgamento. Estatisticamente, estão destinadas a se casar com um parceiro também bonito e inteligente. Criador do termo "pulcrinomia" para a economia da beleza, o acadêmico descobriu que um homem sem muitos atrativos recebe 17% menos do que um atraente. Uma mulher na mesma situação receberá 12% menos.
 

Outros estudos traduzem em detalhes o fenômeno. Mulheres mais magras chegam a ganhar US$ 28 mil a mais por ano do que aquelas acima do peso, diz uma pesquisa com 23 mil trabalhadores alemães e americanos. O contrário, no entanto, se dá com os homens muito magros, que recebem até US$ 8,4 mil a menos por ano do que os fortes - para eles, estar acima do peso é estar na média dos outros. Os musculosos também se dão bem, e recebem US$ 14 mil a mais por ano do que um homem de forma média. São percebidos, neste e em outros estudos, como mais felizes, corajosos, saudáveis, inteligentes e até de bom gosto. "Empregados são mais capazes de influenciar outros e obter resultados quando se conformam à forma ideal definida pelos meios de comunicação", afirmam os economistas Timothy Judge, da Universidade da Flórida, e Daniel Cable, da London Business School.

O mesmo vale para os mais altos. "Pessoas mais altas são percebidas como mais inteligentes e poderosas", diz Andrew Leigh, economista da Australian National University. Cinco centímetros a mais - de 1,78m a 1,83m - chegaram a significar US$ 950 por ano a mais na renda dos 7 mil trabalhadores analisados. E também para as mulheres louras, as maquiadas e para os homens de meia-idade, pelo menos os executivos, avaliados como mais competentes por causa dos cabelos brancos e das rugas no rosto, dizem três pesquisadores americanos, John R. Graham, Campbell R. Harvey e Manju Puri. "Mesmo com uma série de métricas de desempenho para CEOs, as pessoas se deixam enganar", diz Graham, negando qualquer correlação entre a percepção geral e a verdade.

É consenso nesses estudos que pessoas bonitas são mais confiantes. Costumam ter a autoestima em alta e ser mais positivas - ainda que sejam célebres os casos de pessoas lindas, como a atriz Marilyn Monroe (1926-1962), com problemas de autoestima. Sem contar o ditado de que "a primeira impressão é a que fica", carisma é importante para vendedores e qualquer outro que se envolva em negociações. Mesmo assim todos os estudos falham em descobrir uma relação entre beleza e competência profissional. Também não significam que pessoas atraentes têm vida fácil no trabalho, precisando se esforçar menos. "Há muitos fatores que contribuem para a maneira como uma pessoa é avaliada em seu trabalho. Beleza é só um deles e duvido que seja mais importante", diz Hamermesh.

Nem sempre foi assim. Pesquisadores localizam nos anos 1970 e 1980 o ponto de virada para a beleza ter adquirido um valor no mundo do trabalho. O contexto foi o surgimento das supermodelos, como Naomi Campbell e Cindy Crawford, e a era das celebridades. Se nos anos 1960 o movimento dos direitos civis nos Estados Unidos havia levado às empresas mulheres, negros e outras minorias, nas décadas seguintes a reação à nova realidade veio com hedonismo, algo que, mesmo não sendo bem compreendido, hoje parece cristalizado. Numa pesquisa da revista americana "Newsweek" em 2010, 202 gerentes responsáveis por contratações e 964 pessoas responderam que a beleza conta em cada aspecto da vida profissional. Quando convidados a avaliar os nove atributos mais importantes de um emprego, a beleza ficou em terceiro, à frente de educação e senso de humor e atrás apenas de experiência e confiança, a vencedora.

Com a obsessão moderna pela aparência, há 15 anos a indústria da beleza (que não inclui a moda) é uma das que mais cresce no mundo, devendo atingir US$ 265 bilhões até 2017, segundo o relatório Global Beauty Industry Trends in the 21st Century (tendências da indústria mundial da beleza no século XXI), de dois acadêmicos poloneses, Aleksandra Lopaciuk e Miroslaw Loboda, da faculdade de economia da Universidade Marie Curie Sklodowska. No Brasil, foram US$ 29 bilhões em 2012 - os números de 2013 ainda não são conhecidos -, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal. Os gastos, que nem mesmo a crise internacional foi capaz de afetar, refletem uma dinâmica que a propaganda, o cinema, a TV e a internet repetem sem parar: todos precisam ser bonitos.
Ethan Miller/Getty Images 
Ao assumir o cargo de CEO do Yahoo!, Marissa Mayer passou por maratona de 
 aparições na TV e na internet que teve como efeito imediato a subida 
das ações da empresa na Nasdaq
 
Se antes os países desenvolvidos eram responsáveis pelo crescimento, América Latina e Ásia são hoje os mercados mais promissores para produtos de beleza, dizem Aleksandra e Loboda. Mas em nenhum outro lugar aparência é poder como na Coreia do Sul. A tradição no país é de relacionar beleza a sucesso social. Em busca de uma aparência próspera, os homens abandonaram o culto aos machões com aparência de durões do passado e começaram a usar maquiagem. O padrão é uma beleza suavizada, e é comum ver homens retocando a maquiagem em um café ou no metrô. De guardas de estacionamento a professores e empresários, uma parte considerável deles hoje em dia se maquia. Os sul-coreanos consomem US$ 886 milhões anuais em produtos para beleza masculina.
No caso do estudo sobre como os CEOs bonitos fazem subir o preço das ações, Halford e Hsu usaram um site chamado Anaface.com, que mede a geometria facial premiando a simetria e medidas tradicionais para nariz e boca. O critério é a razão áurea, que, afora ser definida pelo clichê "a matemática da vida", é uma constante da álgebra com o valor arredondado a 1,618 e encontrada nas proporções do corpo humano. Está presente nos girassóis, nas conchas, bromélias e na arte renascentista, como na "Monalisa", de Leonardo da Vinci (1452-1519). Sem que saibamos, é com base na razão áurea que nossos olhos nos convencem da beleza de alguém. Por suas proporções, a atriz Angelina Jolie, a modelo Gisele Bündchen e o ex-jogador David Beckham têm rostos considerados perfeitos.

As fotos dos executivos-chefes foram avaliadas sob os mesmos critérios. Então os dois pesquisadores mediram o histórico das ações de suas empresas no dia seguinte à posse do novo CEO, comparando as cotações e as aparições na TV com o que havia ocorrido no dia da indicação deles em um simples comunicado corporativo, sem cobertura em vídeo.

Eles também analisaram 1.830 fusões e aquisições entre 1985 e 2012 para constatar que os CEOs mais atraentes conseguiram negociar melhores termos para suas empresas do que aqueles menos belos. "A evidência sugere que os CEOs mais atraentes recebem mais vantagens para suas empresas nas fusões e aquisições, um achado consistente com a hipótese de que os CEOs mais atraentes melhoram o valor dos acionistas por meio de proezas de negociação superiores", dizem os pesquisadores no estudo.

No Brasil, como não podia deixar de ser, a beleza também é um valor. "A beleza é importante no contexto profissional brasileiro, sendo valorizada não apenas pelos recrutadores como também pelos colegas de trabalho e clientes", diz Juliana Gomes, executiva de marketing e autora do estudo "Beleza e Carreira no Brasil", um dos poucos trabalhos nacionais a analisar a relação entre aparência e economia no país, para a Escola de Administração da Fundação Getúlio Vargas. "Seja por escolha do cliente ou do gerente, que gostam de lidar com (e de contratar) pessoas bonitas, a verdade é que a beleza chega a ser quase exigida da profissional brasileira, pois está relacionada à sua competência e desempenho."

"A evidência é bastante clara de que pessoas 
confiam mais em alguém bonito", 
diz o economista Daniel Hamermesh

O trabalho de Juliana, focado nas mulheres, atribui à beleza um valor mais complexo, juntando à aparência atributos relativos à personalidade, como simpatia, carisma e bom humor. Para elas, garante a pesquisadora, uma aparência atraente é quase obrigatória. "A beleza pode ser usada como uma ferramenta, útil na contratação e no dia a dia da executiva. Ela abre portas, cria uma imagem positiva (ou negativa), é uma forma de chamar a atenção e dar acesso a pessoas e ambientes."

"Nas sociedades modernas valoriza-se os (e atribui-se credibilidade aos) que, exibindo boa aparência, representam as organizações em que trabalham. Penso que no Brasil se manifesta o mesmo fenômeno", afirma Renato da Silva Queiroz, antropólogo e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Um dos organizadores de "O Corpo do Brasileiro - Estudo de Estética e Beleza", reunião de artigos sobre o papel da beleza na identidade nacional, ele lembra que os conceitos de beleza mudam conforme o tempo e o lugar.

As conclusões dos estudos, alertam os pesquisadores, não significam que pessoas bonitas têm vida fácil. Obtida uma vantagem inicial, os critérios de desempenho são os mesmos para todos. Mesmo assim, a evidência é de que o fenômeno tem alcances inusitados. Nos Estados Unidos, "quarterbacks" (os lançadores, no futebol americano) bonitos ganham 12% a mais do que os colegas com mesmo desempenho em campo. Em um estudo da Universidade da Carolina do Norte, homens deram pena de 12 meses para mulheres bonitas condenadas por roubar US$ 10 mil, em julgamentos simulados. Criminosas feias pegaram 18 meses e meio. E na China os maridos das mulheres feias ganham 10% a menos.

Mas é na política que a influência da beleza tem desdobramentos perigosos. Candidatos mais altos venceram 70% das eleições americanas nos últimos cem anos. É clássico o resultado do debate entre um Richard Nixon (1913-1994) suado e com a barba por fazer e um John F. Kennedy (1917-1963) fresco e jovial que teria decidido o resultado das eleições presidenciais nos Estados Unidos em 1960. Para os eleitores que acompanharam o confronto pelo rádio, Nixon foi melhor.

Ter a aparência jovial ou velha demais, apontam outros estudos, pode eliminar as chances de ser eleito. Pode parecer uma conclusão superficial, mas, em um estudo da Universidade de Princeton, voluntários acertaram 71% dos eleitos para o Senado americano e 67% para a Câmara dos Deputados apenas apontando, entre dois candidatos - como ocorre nas eleições distritais no país -, o mais confiável. Mesmo ressaltando que na política americana laços com o Partido Republicano ou Democrata costumam ser mais importantes para eleger um candidato, Alexander Todorov, psicólogo da Universidade de Princeton, aponta que a aparência é um fator de decisão.
Dan Steinberg/Invision/AP e Didier Baverel/WireImage 
Para o site americano The Independent Critics, o ator alemão Michael Fassbender (“12 Anos de Escravidão”) 
e a francesa Marion Cotillard (“Piaf”) foram os mais belos de 2013
 
Aplicando o mesmo teste sobre os candidatos das eleições no Brasil em 2010, Chappel Lawson, professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT), descobriu resultados parecidos. A maioria dos eleitores do país não tem ligação com partidos, nem seus programas, e vota nos indivíduos. O sistema eleitoral prevê que vários candidatos do mesmo partido possam disputar cada vaga no Legislativo e a propaganda eleitoral gratuita dá mais tempo de exposição aos candidatos do que em outras democracias. O potencial de influência é maior, segundo "Looking Like a Winner: Candidate Appearance and Electoral Success in New Democracies" (Parecendo um vencedor: aparência do candidato e o sucesso eleitoral em novas democracias), o estudo de Lawson sobre as eleições gerais no Brasil de 2010 e três eleições no México, de 1998 a 2006.

O estudo teve como base as eleições em Sergipe. Lawson coletou as fotos de 48 candidatos que disputavam oito vagas à Câmara dos Deputados e ao governo - a eleição reelegeu Marcelo Déda, morto em dezembro passado -, perguntando a 161 voluntários americanos e 68 indianos, recrutados via internet e sem nenhum conhecimento dos políticos brasileiros, qual deles teria o melhor desempenho. O índice de acerto dos eleitos, baseado apenas na aparência dos candidatos, foi de 75%.
Isso significa que a democracia é só um concurso de beleza? Mais ou menos, conclui o estudo. Ainda que eleitores aparentemente votem nos mais belos, poderia ser pior: os votos podiam ter como base a cor da pele, a etnia ou mentiras e boatos espalhados sobre os candidatos. "Claramente, o Brasil não é imune à beleza e o sistema de eleição de deputados, combinado com uma campanha baseada na televisão, tende a aumentar o efeito da aparência", diz Lawson. "Mas eu penso que a beleza é menos importante do que a aparência de competência. Julgamentos sobre quem parece mais competente são feitos rapidamente e são em grande parte inconscientes em relação a uma constelação de características faciais, não a uma só."

Diante dessa espécie de "ditadura da beleza", acadêmicos, por enquanto, discutem como equilibrar o jogo. Dois economistas, Gregory Mankiw e Matthew Weinzierl, defendem a taxação de pessoas altas nos Estados Unidos em 9% da renda para compensar as vantagens que obtêm com a estatura. Os australianos Jeff Borland, da Universidade de Melbourne, e Andew Leigh, economista, defendem que cada pessoa bonita no país seja taxada no equivalente a R$ 2,2 mil - o estudo deles é o que atribui mais vantagens aos belos, cerca de R$ 65 mil anuais de renda. Já Daniel Hamermesh defende uma espécie de cota para os feios, mas não Juliana Gomes. "Não podemos obrigar que todos sejam iguais", diz.

E quanto às desvantagens? Existe alguma para quem é bonito? Juliana acumula casos de mulheres que não foram contratadas porque eram bonitas demais. "Esse preconceito é, em parte, decorrência do machismo, ainda presente no mercado profissional brasileiro. Acreditam que a pessoa usou a beleza para subir e não outras características como competência", afirma. Quando avaliadas, as pessoas muito bonitas são vistas como conformistas e autocentradas, diz o estudo de dois psicólogos americanos, Markus Mobius e Tanya Rosenblat. E, por último, mulheres e homens atraentes são discriminados em trabalhos considerados masculinos, como pedreiro, agente carcerário ou segurança. O que não é nada bonito.
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REPORTAGEM Por Alexandre Rodrigues | Para o Valor, de São Paulo
Fonte: Valor Econômico online, 11/04/2014

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