Beleza, disse Aristóteles, é o melhor cartão de visitas. Com cabelos
louros, dentes perfeitos e (é difícil não dizer faiscantes) olhos
verde-claros, Marissa Mayer, a CEO do Yahoo!, dá a impressão de
confirmar a máxima do filósofo grego, que via na beleza "ordem, simetria
e definição". Ao assumir o cargo, em 2012, uma maratona de entrevistas e
aparições na TV e na internet teve como efeito imediato a subida das
ações da empresa na Nasdaq, a bolsa eletrônica americana. Mas o que
parecia apenas o otimismo do mercado com a executiva, hoje com 38 anos,
ganhou um novo significado com as conclusões de um inusitado estudo
recém-publicado por Joseph Halford e Hung-Chia Hsu, dois economistas da
Universidade do Wisconsin, nos Estados Unidos.
Executivos atraentes, dizem os dois, fazem subir os preços das ações
das empresas que comandam, pelo menos no primeiro dia. Os dados são
corroborados não só por Marissa, mas por outros 677 executivos
analisados durante a pesquisa. Os resultados reforçam as conclusões de
cientistas sociais, economistas, sociólogos e psicólogos que há anos se
dão conta de um fenômeno: no mundo do trabalho, ser bonito dá dinheiro.
Ainda que, é inegável, uma pessoa bonita chame atenção em qualquer
lugar, economistas não costumavam admitir que entre trabalhadores exista
o "prêmio da beleza". Exceto em ramos como entretenimento ou
prostituição, a visão mais comum era de que empregados são recompensados
pelo desempenho - e apenas por isso. Mas a partir dos anos 1990 novos
estudos revelaram que a aparência conta mais do que a maioria gostaria
de admitir.
"A evidência é bastante clara de que pessoas confiam mais em alguém
bonito", diz Daniel Hamermesh, economista e professor da Universidade do
Texas. "Beauty Pays: Why Attractive People Are More Successful" (A
beleza paga: por que pessoas atraentes são mais bem-sucedidas), livro
que resume os 20 anos de estudos de Hamermesh sobre o tema, afirma que a
sociedade recompensa as pessoas bonitas. Ele tem até um valor para o
quanto uma pessoa bela, na comparação com uma de beleza média, receberá a
mais na vida: US$ 230 mil.
Pessoas bonitas, segundo o trabalho, ganham mais dinheiro do que as
médias e as feias. Outros estudos também apontam que elas são
consideradas mais inteligentes, mais produtivas, têm mais chances de
conseguir um bom emprego, obter empréstimos com juros mais baixos e
ainda renegociá-los, caso algo dê errado. E mais probabilidade de entrar
numa boa faculdade e de receber uma pena menor em um julgamento.
Estatisticamente, estão destinadas a se casar com um parceiro também
bonito e inteligente. Criador do termo "pulcrinomia" para a economia da
beleza, o acadêmico descobriu que um homem sem muitos atrativos recebe
17% menos do que um atraente. Uma mulher na mesma situação receberá 12%
menos.
Outros estudos traduzem em detalhes o fenômeno. Mulheres mais magras
chegam a ganhar US$ 28 mil a mais por ano do que aquelas acima do peso,
diz uma pesquisa com 23 mil trabalhadores alemães e americanos. O
contrário, no entanto, se dá com os homens muito magros, que recebem até
US$ 8,4 mil a menos por ano do que os fortes - para eles, estar acima
do peso é estar na média dos outros. Os musculosos também se dão bem, e
recebem US$ 14 mil a mais por ano do que um homem de forma média. São
percebidos, neste e em outros estudos, como mais felizes, corajosos,
saudáveis, inteligentes e até de bom gosto. "Empregados são mais capazes
de influenciar outros e obter resultados quando se conformam à forma
ideal definida pelos meios de comunicação", afirmam os economistas
Timothy Judge, da Universidade da Flórida, e Daniel Cable, da London
Business School.
O mesmo vale para os mais altos. "Pessoas mais altas são percebidas
como mais inteligentes e poderosas", diz Andrew Leigh, economista da
Australian National University. Cinco centímetros a mais - de 1,78m a
1,83m - chegaram a significar US$ 950 por ano a mais na renda dos 7 mil
trabalhadores analisados. E também para as mulheres louras, as maquiadas
e para os homens de meia-idade, pelo menos os executivos, avaliados
como mais competentes por causa dos cabelos brancos e das rugas no
rosto, dizem três pesquisadores americanos, John R. Graham, Campbell R.
Harvey e Manju Puri. "Mesmo com uma série de métricas de desempenho para
CEOs, as pessoas se deixam enganar", diz Graham, negando qualquer
correlação entre a percepção geral e a verdade.
É consenso nesses estudos que pessoas bonitas são mais confiantes.
Costumam ter a autoestima em alta e ser mais positivas - ainda que sejam
célebres os casos de pessoas lindas, como a atriz Marilyn Monroe
(1926-1962), com problemas de autoestima. Sem contar o ditado de que "a
primeira impressão é a que fica", carisma é importante para vendedores e
qualquer outro que se envolva em negociações. Mesmo assim todos os
estudos falham em descobrir uma relação entre beleza e competência
profissional. Também não significam que pessoas atraentes têm vida fácil
no trabalho, precisando se esforçar menos. "Há muitos fatores que
contribuem para a maneira como uma pessoa é avaliada em seu trabalho.
Beleza é só um deles e duvido que seja mais importante", diz Hamermesh.
Nem sempre foi assim. Pesquisadores localizam nos anos 1970 e 1980 o
ponto de virada para a beleza ter adquirido um valor no mundo do
trabalho. O contexto foi o surgimento das supermodelos, como Naomi
Campbell e Cindy Crawford, e a era das celebridades. Se nos anos 1960 o
movimento dos direitos civis nos Estados Unidos havia levado às empresas
mulheres, negros e outras minorias, nas décadas seguintes a reação à
nova realidade veio com hedonismo, algo que, mesmo não sendo bem
compreendido, hoje parece cristalizado. Numa pesquisa da revista
americana "Newsweek" em 2010, 202 gerentes responsáveis por contratações
e 964 pessoas responderam que a beleza conta em cada aspecto da vida
profissional. Quando convidados a avaliar os nove atributos mais
importantes de um emprego, a beleza ficou em terceiro, à frente de
educação e senso de humor e atrás apenas de experiência e confiança, a
vencedora.
Com a obsessão moderna pela aparência, há 15 anos a indústria da
beleza (que não inclui a moda) é uma das que mais cresce no mundo,
devendo atingir US$ 265 bilhões até 2017, segundo o relatório Global
Beauty Industry Trends in the 21st Century (tendências da indústria
mundial da beleza no século XXI), de dois acadêmicos poloneses,
Aleksandra Lopaciuk e Miroslaw Loboda, da faculdade de economia da
Universidade Marie Curie Sklodowska. No Brasil, foram US$ 29 bilhões em
2012 - os números de 2013 ainda não são conhecidos -, segundo a
Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal. Os gastos, que
nem mesmo a crise internacional foi capaz de afetar, refletem uma
dinâmica que a propaganda, o cinema, a TV e a internet repetem sem
parar: todos precisam ser bonitos.
Se antes os países desenvolvidos eram responsáveis pelo crescimento,
América Latina e Ásia são hoje os mercados mais promissores para
produtos de beleza, dizem Aleksandra e Loboda. Mas em nenhum outro lugar
aparência é poder como na Coreia do Sul. A tradição no país é de
relacionar beleza a sucesso social. Em busca de uma aparência próspera,
os homens abandonaram o culto aos machões com aparência de durões do
passado e começaram a usar maquiagem. O padrão é uma beleza suavizada, e
é comum ver homens retocando a maquiagem em um café ou no metrô. De
guardas de estacionamento a professores e empresários, uma parte
considerável deles hoje em dia se maquia. Os sul-coreanos consomem US$
886 milhões anuais em produtos para beleza masculina.
No caso do estudo sobre como os CEOs bonitos fazem subir o preço das
ações, Halford e Hsu usaram um site chamado Anaface.com, que mede a
geometria facial premiando a simetria e medidas tradicionais para nariz e
boca. O critério é a razão áurea, que, afora ser definida pelo clichê
"a matemática da vida", é uma constante da álgebra com o valor
arredondado a 1,618 e encontrada nas proporções do corpo humano. Está
presente nos girassóis, nas conchas, bromélias e na arte renascentista,
como na "Monalisa", de Leonardo da Vinci (1452-1519). Sem que saibamos, é
com base na razão áurea que nossos olhos nos convencem da beleza de
alguém. Por suas proporções, a atriz Angelina Jolie, a modelo Gisele
Bündchen e o ex-jogador David Beckham têm rostos considerados perfeitos.
As fotos dos executivos-chefes foram avaliadas sob os mesmos
critérios. Então os dois pesquisadores mediram o histórico das ações de
suas empresas no dia seguinte à posse do novo CEO, comparando as
cotações e as aparições na TV com o que havia ocorrido no dia da
indicação deles em um simples comunicado corporativo, sem cobertura em
vídeo.
Eles também analisaram 1.830 fusões e aquisições entre 1985 e 2012
para constatar que os CEOs mais atraentes conseguiram negociar melhores
termos para suas empresas do que aqueles menos belos. "A evidência
sugere que os CEOs mais atraentes recebem mais vantagens para suas
empresas nas fusões e aquisições, um achado consistente com a hipótese
de que os CEOs mais atraentes melhoram o valor dos acionistas por meio
de proezas de negociação superiores", dizem os pesquisadores no estudo.
No Brasil, como não podia deixar de ser, a beleza também é um valor.
"A beleza é importante no contexto profissional brasileiro, sendo
valorizada não apenas pelos recrutadores como também pelos colegas de
trabalho e clientes", diz Juliana Gomes, executiva de marketing e autora
do estudo "Beleza e Carreira no Brasil", um dos poucos trabalhos
nacionais a analisar a relação entre aparência e economia no país, para a
Escola de Administração da Fundação Getúlio Vargas. "Seja por escolha
do cliente ou do gerente, que gostam de lidar com (e de contratar)
pessoas bonitas, a verdade é que a beleza chega a ser quase exigida da
profissional brasileira, pois está relacionada à sua competência e
desempenho."
"A evidência é bastante clara de que pessoas
confiam mais em alguém bonito",
diz o economista Daniel Hamermesh
O trabalho de Juliana, focado nas mulheres, atribui à beleza um valor
mais complexo, juntando à aparência atributos relativos à
personalidade, como simpatia, carisma e bom humor. Para elas, garante a
pesquisadora, uma aparência atraente é quase obrigatória. "A beleza pode
ser usada como uma ferramenta, útil na contratação e no dia a dia da
executiva. Ela abre portas, cria uma imagem positiva (ou negativa), é
uma forma de chamar a atenção e dar acesso a pessoas e ambientes."
"Nas sociedades modernas valoriza-se os (e atribui-se credibilidade
aos) que, exibindo boa aparência, representam as organizações em que
trabalham. Penso que no Brasil se manifesta o mesmo fenômeno", afirma
Renato da Silva Queiroz, antropólogo e professor da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Um dos
organizadores de "O Corpo do Brasileiro - Estudo de Estética e Beleza",
reunião de artigos sobre o papel da beleza na identidade nacional, ele
lembra que os conceitos de beleza mudam conforme o tempo e o lugar.
As conclusões dos estudos, alertam os pesquisadores, não significam
que pessoas bonitas têm vida fácil. Obtida uma vantagem inicial, os
critérios de desempenho são os mesmos para todos. Mesmo assim, a
evidência é de que o fenômeno tem alcances inusitados. Nos Estados
Unidos, "quarterbacks" (os lançadores, no futebol americano) bonitos
ganham 12% a mais do que os colegas com mesmo desempenho em campo. Em um
estudo da Universidade da Carolina do Norte, homens deram pena de 12
meses para mulheres bonitas condenadas por roubar US$ 10 mil, em
julgamentos simulados. Criminosas feias pegaram 18 meses e meio. E na
China os maridos das mulheres feias ganham 10% a menos.
Mas é na política que a influência da beleza tem desdobramentos
perigosos. Candidatos mais altos venceram 70% das eleições americanas
nos últimos cem anos. É clássico o resultado do debate entre um Richard
Nixon (1913-1994) suado e com a barba por fazer e um John F. Kennedy
(1917-1963) fresco e jovial que teria decidido o resultado das eleições
presidenciais nos Estados Unidos em 1960. Para os eleitores que
acompanharam o confronto pelo rádio, Nixon foi melhor.
Ter a aparência jovial ou velha demais, apontam outros estudos, pode
eliminar as chances de ser eleito. Pode parecer uma conclusão
superficial, mas, em um estudo da Universidade de Princeton, voluntários
acertaram 71% dos eleitos para o Senado americano e 67% para a Câmara
dos Deputados apenas apontando, entre dois candidatos - como ocorre nas
eleições distritais no país -, o mais confiável. Mesmo ressaltando que
na política americana laços com o Partido Republicano ou Democrata
costumam ser mais importantes para eleger um candidato, Alexander
Todorov, psicólogo da Universidade de Princeton, aponta que a aparência é
um fator de decisão.
Aplicando o mesmo teste sobre os candidatos das eleições no Brasil em
2010, Chappel Lawson, professor do Massachusetts Institute of
Technology (MIT), descobriu resultados parecidos. A maioria dos
eleitores do país não tem ligação com partidos, nem seus programas, e
vota nos indivíduos. O sistema eleitoral prevê que vários candidatos do
mesmo partido possam disputar cada vaga no Legislativo e a propaganda
eleitoral gratuita dá mais tempo de exposição aos candidatos do que em
outras democracias. O potencial de influência é maior, segundo "Looking
Like a Winner: Candidate Appearance and Electoral Success in New
Democracies" (Parecendo um vencedor: aparência do candidato e o sucesso
eleitoral em novas democracias), o estudo de Lawson sobre as eleições
gerais no Brasil de 2010 e três eleições no México, de 1998 a 2006.
O estudo teve como base as eleições em Sergipe. Lawson coletou as
fotos de 48 candidatos que disputavam oito vagas à Câmara dos Deputados e
ao governo - a eleição reelegeu Marcelo Déda, morto em dezembro passado
-, perguntando a 161 voluntários americanos e 68 indianos, recrutados
via internet e sem nenhum conhecimento dos políticos brasileiros, qual
deles teria o melhor desempenho. O índice de acerto dos eleitos, baseado
apenas na aparência dos candidatos, foi de 75%.
Isso significa que a democracia é só um concurso de beleza? Mais ou
menos, conclui o estudo. Ainda que eleitores aparentemente votem nos
mais belos, poderia ser pior: os votos podiam ter como base a cor da
pele, a etnia ou mentiras e boatos espalhados sobre os candidatos.
"Claramente, o Brasil não é imune à beleza e o sistema de eleição de
deputados, combinado com uma campanha baseada na televisão, tende a
aumentar o efeito da aparência", diz Lawson. "Mas eu penso que a beleza é
menos importante do que a aparência de competência. Julgamentos sobre
quem parece mais competente são feitos rapidamente e são em grande parte
inconscientes em relação a uma constelação de características faciais,
não a uma só."
Diante dessa espécie de "ditadura da beleza", acadêmicos, por
enquanto, discutem como equilibrar o jogo. Dois economistas, Gregory
Mankiw e Matthew Weinzierl, defendem a taxação de pessoas altas nos
Estados Unidos em 9% da renda para compensar as vantagens que obtêm com a
estatura. Os australianos Jeff Borland, da Universidade de Melbourne, e
Andew Leigh, economista, defendem que cada pessoa bonita no país seja
taxada no equivalente a R$ 2,2 mil - o estudo deles é o que atribui mais
vantagens aos belos, cerca de R$ 65 mil anuais de renda. Já Daniel
Hamermesh defende uma espécie de cota para os feios, mas não Juliana
Gomes. "Não podemos obrigar que todos sejam iguais", diz.
E quanto às desvantagens? Existe alguma para quem é bonito? Juliana
acumula casos de mulheres que não foram contratadas porque eram bonitas
demais. "Esse preconceito é, em parte, decorrência do machismo, ainda
presente no mercado profissional brasileiro. Acreditam que a pessoa usou
a beleza para subir e não outras características como competência",
afirma. Quando avaliadas, as pessoas muito bonitas são vistas como
conformistas e autocentradas, diz o estudo de dois psicólogos
americanos, Markus Mobius e Tanya Rosenblat. E, por último, mulheres e
homens atraentes são discriminados em trabalhos considerados masculinos,
como pedreiro, agente carcerário ou segurança. O que não é nada bonito.
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