segunda-feira, 14 de abril de 2014

O grande truque

 Daniel Clemente*
 
O esplêndido ilusionista Issao Imamura, que faz da dúvida a certeza de um excelente entretenimento, descreveu o sentido e o objetivo da política mundial travestida de democracia, não o fez com a intenção de desmoralizar a classe representativa dos povos, na verdade Issao estava apenas relatando o seu cotidiano, mas deu uma real impressão que falava sobre os políticos: “A mágica é a clássica arte de iludir os sentidos humanos através de recursos simples”.

No longa-metragem “O Grande Truque”, dirigido por Christopher Nolan, dois mágicos competem na cidade de Londres do século XIX pela hegemonia do ilusionismo, praticando as mesmas técnicas, as mesmas mágicas e disputando o mesmo público. Ambos utilizam a sabotagem, a espionagem, a delação ou o sequestro de ideias, com o propósito de restringir e aniquilar o adversário, para a ascensão onipresente diante da plateia, os aplausos da maioria é a consagração do direito de iludir.

Essa disputa bipolarizada do certo contra o errado, do bem contra o mal, repete-se na história com grande frequência entre religiões, nações e ideologias, procurando ambos em disputa o mesmo fim, o exercício do poder e a prática de iludir. Nas Cruzadas eram cristãos e muçulmanos transformando com a espada em punho os caminhos da Terra Santa em trilhas infernais. Na Guerra Fria, as superpotências URSS e EUA produziram em nome da paz uma quantidade tão absurda de bombas atômicas que era possível destruir o planeta Terra mais de vinte vezes. Por falta de diálogo, a etnia hutu silenciou a golpes de facões oitocentos mil tutsis nos cem dias mais sangrentos da história de Ruanda.

Também temos exemplos de selvageria bipolar mais branda, democratas e republicanos disputam á cotoveladas o centro do império capitalista estadunidense. No Brasil a concorrência pelo saque do dinheiro público é disputada entre partidos politicos e políticos rachados. Na Venezuela os bolivarianos chavistas reivindicam o direito de negar direitos á oligarquia petroleira, que negava as riquezas do ouro negro ao restante do país. Na Europa oriental, os russos reivindicam aos ucranianos os territórios que antes pertenciam aos russos, e a Ucrânia reivindica a Rússia o direito de ser Ucrânia.

A política conduzida pelos ilusionistas black-tie transforma-se em palco, onde os políticos são os mágicos e a plateia são os eleitores, e como se fosse a repetição de um roteiro centenário, os atores se dirigem ao público de uma maneira cativante e convincente, após a eleição passam a ser iguais aos demais desacreditados políticos, e como se fosse um passe de mágica são reeleitos, concretizando o espetáculo.

A fórmula da manutenção da política ineficaz, porém persistente, é a mágica assistida por insistentes vezes, porém não compreendida. A narrativa de Christopher Nolan contribui para esse entendimento: “Todo truque de mágica consiste de três partes ou atos, a primeira parte se chama “a promessa”, o segundo ato chama-se “a virada”, e o terceiro ato é o grande truque. Agora, vocês estão procurando o segredo, mas não vão encontrar, porque é claro, vocês não estão realmente olhando, vocês não querem realmente saber, vocês querem ser enganados”.
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Daniel Clemente é Historiador e Coordenador Ambiental
Fonte: Ecodebate, 14/04/2014
Imagem da Internet: Do Longa metragem o Grande Truque.

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