David Coimbra*
“Vós sois o sal da terra”, disse Jesus no Sermão da Montanha. “Vós
sois a luz do mundo”, enfatizou, e era para os seres humanos que falava.
Para nós.
Nós somos o sal da terra.
Mas não vou em frente antes de falar do meu medo. Tenho medo de religiões e ideologias, porque umas e outras são matéria de fé. São dogma. No momento em que você se torna dogmático, você tem um lado e do seu lado está o Bem, enquanto o Mal está do lado de lá. Pessoas mataram e morreram, matam e morrem por causa de religiões e ideologias. Além do mais, aquelas certezas tantas e tão sólidas fazem com que as pessoas deixem de pensar. Não precisa, já está tudo pensado, basta seguir o prescrito e dividir o mundo em dois hemisférios, sem ponderações: aqui estão os certos, lá estão os errados.
Dito isso, que fique claro: não estou falando do Jesus religioso, nesta Sexta-Feira Santa; não estou falando do Jesus cristão. Estou falando de um dos mais revolucionários filósofos morais da História, e da peça central do seu pensamento, que foi aquele Sermão.
A filosofia de Jesus é tão inovadora que nenhuma de suas igrejas compreendeu ou aplicou o seu principal ensinamento. Ninguém entendeu essa passagem:
“Não oponhais resistência ao mau; se alguém te bater na face direita, oferece-lhe também a outra. E se alguém quiser pleitear contigo para te tirar a túnica dá-lhe também a capa. (...) Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem”.
Olhando assim, você pode achar humilhante tamanha resignação. Mas Jesus não está sugerindo submissão. Ele se põe acima disso. Está dizendo, simplesmente, que não vale a pena. Ou, como já disseram os Beatles, a vida é muito curta para perder tempo com brigas e confusões. Life is very short.
O Sermão da Montanha é surpreendente. O trecho do qual Erico Verissimo colheu o título de um de seus livros “olhai os lírios do campo”, é de rara sabedoria e de construção preciosa. Jesus dizia que o homem não deve se preocupar com acumulação de riquezas. Não deve se preocupar nem com seu sustento: “A cada dia basta o seu cuidado”. Que frase! O que ele queria dizer com isso? O mesmo que falou a respeito de brigas e confusões: que se preocupar não vale a pena. Ou, usando outro clássico dos Beatles, deixe estar. Let it be.
Mas não, não vou fazer uma exegese do Sermão da Montanha a partir dos Beatles. Não seria tão superficial. O Sermão da Montanha é profundo. Algumas nesgas dele você pode levar como regra. Como quando Jesus diz que cada um julga os outros com sua própria medida. Com essa sentença, ele diz o mais importante sobre a alma humana. Diz que o Mal é o que sai da boca do homem. E é.
Não são palavras santas. São palavras sábias. Mas, de todas elas, as que mais me intrigam foram as que citei lá em cima, na abertura do texto. Como o homem pode ser a luz do mundo, se há tanta crueldade, se pais que matam filhos, como se suspeita acerca daquele pai de Três Passos?
Vinha pensando nisso, vinha intrigado com isso toda a semana, até que, na quinta-feira, minha mulher me contou um caso prosaico. Ela é arquiteta. Naquele dia, havia ligado para o eletricista com quem trabalha, um homem muito sério, muito compenetrado. Assim que atendeu, ele se desculpou: não poderia falar, porque seu filho tinha caído na escola, machucara a boca e precisava ser levado ao hospital. E então, antes que ela conseguisse perguntar como estava o menino, aquele homem sisudo começou a chorar.
Ela me relatou essa história por telefone. Eu estava na redação. Desliguei com o coração apertado, pensando naquele pai, no quanto ele deve amar seu filho e em como devia estar sofrendo com o sofrimento do menino. E, ainda na redação, fechei os olhos e roguei em silêncio para que o pequeno estivesse bem, para que em breve os dois estejam de novo sorrindo, e pensei que é por causa de pais como esse, por causa de amores como esse que, sim, vós sois a luz do mundo. Vós sois o sal da terra.
Nós somos o sal da terra.
Mas não vou em frente antes de falar do meu medo. Tenho medo de religiões e ideologias, porque umas e outras são matéria de fé. São dogma. No momento em que você se torna dogmático, você tem um lado e do seu lado está o Bem, enquanto o Mal está do lado de lá. Pessoas mataram e morreram, matam e morrem por causa de religiões e ideologias. Além do mais, aquelas certezas tantas e tão sólidas fazem com que as pessoas deixem de pensar. Não precisa, já está tudo pensado, basta seguir o prescrito e dividir o mundo em dois hemisférios, sem ponderações: aqui estão os certos, lá estão os errados.
Dito isso, que fique claro: não estou falando do Jesus religioso, nesta Sexta-Feira Santa; não estou falando do Jesus cristão. Estou falando de um dos mais revolucionários filósofos morais da História, e da peça central do seu pensamento, que foi aquele Sermão.
A filosofia de Jesus é tão inovadora que nenhuma de suas igrejas compreendeu ou aplicou o seu principal ensinamento. Ninguém entendeu essa passagem:
“Não oponhais resistência ao mau; se alguém te bater na face direita, oferece-lhe também a outra. E se alguém quiser pleitear contigo para te tirar a túnica dá-lhe também a capa. (...) Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem”.
Olhando assim, você pode achar humilhante tamanha resignação. Mas Jesus não está sugerindo submissão. Ele se põe acima disso. Está dizendo, simplesmente, que não vale a pena. Ou, como já disseram os Beatles, a vida é muito curta para perder tempo com brigas e confusões. Life is very short.
O Sermão da Montanha é surpreendente. O trecho do qual Erico Verissimo colheu o título de um de seus livros “olhai os lírios do campo”, é de rara sabedoria e de construção preciosa. Jesus dizia que o homem não deve se preocupar com acumulação de riquezas. Não deve se preocupar nem com seu sustento: “A cada dia basta o seu cuidado”. Que frase! O que ele queria dizer com isso? O mesmo que falou a respeito de brigas e confusões: que se preocupar não vale a pena. Ou, usando outro clássico dos Beatles, deixe estar. Let it be.
Mas não, não vou fazer uma exegese do Sermão da Montanha a partir dos Beatles. Não seria tão superficial. O Sermão da Montanha é profundo. Algumas nesgas dele você pode levar como regra. Como quando Jesus diz que cada um julga os outros com sua própria medida. Com essa sentença, ele diz o mais importante sobre a alma humana. Diz que o Mal é o que sai da boca do homem. E é.
Não são palavras santas. São palavras sábias. Mas, de todas elas, as que mais me intrigam foram as que citei lá em cima, na abertura do texto. Como o homem pode ser a luz do mundo, se há tanta crueldade, se pais que matam filhos, como se suspeita acerca daquele pai de Três Passos?
Vinha pensando nisso, vinha intrigado com isso toda a semana, até que, na quinta-feira, minha mulher me contou um caso prosaico. Ela é arquiteta. Naquele dia, havia ligado para o eletricista com quem trabalha, um homem muito sério, muito compenetrado. Assim que atendeu, ele se desculpou: não poderia falar, porque seu filho tinha caído na escola, machucara a boca e precisava ser levado ao hospital. E então, antes que ela conseguisse perguntar como estava o menino, aquele homem sisudo começou a chorar.
Ela me relatou essa história por telefone. Eu estava na redação. Desliguei com o coração apertado, pensando naquele pai, no quanto ele deve amar seu filho e em como devia estar sofrendo com o sofrimento do menino. E, ainda na redação, fechei os olhos e roguei em silêncio para que o pequeno estivesse bem, para que em breve os dois estejam de novo sorrindo, e pensei que é por causa de pais como esse, por causa de amores como esse que, sim, vós sois a luz do mundo. Vós sois o sal da terra.
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* Cronista da ZH
Fonte: ZH online, 18/04/2014
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