terça-feira, 15 de abril de 2014

Um mundo que descarta os não nativos digitais

Jorge Henrique Mújica*

A falta de adaptação à tecnologia, ao consumismo e à comida “fast food” é uma nova justificativa para se pedir a eutanásia na Suíça, um país de “primeiro mundo”. A vítima do último assassinato legalizado tem nome e tem história: inglesa de nacionalidade, queniana de nascimento, Anne era aposentada como professora de arte e fez seu apelo para morrer alegando a inadaptação recém-descrita. O pedido foi aceito e a senhora de 89 anos e sem filhos foi legalmente assassinada.

A professora tinha declarado em várias ocasiões que “as coisas não eram mais como antes”. Em entrevista concedida dias antes de morrer (The Sunday Times, “It’s adapt or die — she couldn’t adapt”, 06/04/2014), Anne manifestou seu horror a uma sociedade em que “tantas pessoas passam a vida sentadas na frente de um computador ou de uma televisão” e acrescentou: “Nunca tive uma televisão. Só tive um rádio. As pessoas estão cada vez mais afastadas. Estamos virando robôs. Isto é falta de humanidade”.

O caso está se transformando em bandeira para todos os grupos que promovem o assassinato “voluntário” de qualquer pessoa e por qualquer pretexto (a professora Anne, por exemplo, não tinha nenhuma doença grave que “justificasse” a aplicação da eutanásia com base nos “argumentos tradicionais”). E foi novamente a célebre “clínica” suíça Dignitas que fez valer o princípio de que “qualquer motivo é válido para matar”.

Mas existe algo mais importante a levarmos em conta: até que ponto as tecnologias estão nos tornando menos humanos?

É verdade que agora a internet nos aproxima dos distantes, mas não é menos verdade que, em muitos casos, ela nos distancia dos próximos. E por próximos não devemos entender apenas o núcleo familiar, mas também as pessoas com quem entramos em contato todos os dias.

Um estudo da Pew Research Forum (“Two Dramas in Slow Motion”, 11/04/2014) mostra o novo rosto da sociedade norte-americana e seus desafios especiais devidos à defasagem de idade na população: em 2060, a pirâmide populacional dos EUA será parecida com um retângulo. A quantidade de maiores de 85 anos no país será igual à de menores de 5: ou seja, natalidade muito baixa e vidas mais longevas. Em consequência, haverá mais tensão política e econômica, já que faltarão adultos em idade de trabalho para financiar tantos aposentados.

Voltando ao campo da tecnologia, o estudo mostra que os jovens de hoje são a primeira geração de nativos digitais: o mundo online é o seu hábitat natural e as tecnologias são indispensáveis para eles, não só para a interação social e para o acesso à informação, mas também para a aceitação social.

Num encontro com jovens belgas no dia 31 de março, o papa Francisco falou sobre a cultura do descarte:

“Entramos na cultura do descarte: o que não serve para a globalização é descartado. Os idosos, as crianças, os jovens. Mas isso descarta o futuro de um povo, porque nas crianças, nos jovens nos idosos está o futuro de um povo. Nas crianças e jovens porque eles levarão em frente a história. Nos idosos porque são eles que transmitem a história de um povo. Se eles são descartados, temos um grupo de gente sem força, por falta de juventude e de memória. E isto é gravíssimo!”.

São chamativas as classificações dos grupos humanos com base no uso ou não das tecnologias: os de 18 a 33 anos são os “millennial”; os de 34 a 49 anos, a “geração X”; os de 50 a 68 anos, os “boomers”. E, surpresa: os de 69 a 86 anos são os “silent” (silenciosos).

Há formas de impor silêncios tecnológicos e descartar as pessoas que, por diversas razões, não conseguem desenvolver habilidades nesse campo.

O desenlace da história de Anne tem a ver com esse tipo de descarte.
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Fonte: Zenit.org 24/04/2014
Imagem da Internet

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