Jorge Henrique Mújica*
A falta de adaptação à tecnologia, ao consumismo e à comida “fast
food” é uma nova justificativa para se pedir a eutanásia na Suíça, um
país de “primeiro mundo”. A vítima do último assassinato legalizado tem
nome e tem história: inglesa de nacionalidade, queniana de nascimento,
Anne era aposentada como professora de arte e fez seu apelo para morrer
alegando a inadaptação recém-descrita. O pedido foi aceito e a senhora
de 89 anos e sem filhos foi legalmente assassinada.
A
professora tinha declarado em várias ocasiões que “as coisas não eram
mais como antes”. Em entrevista concedida dias antes de morrer (The
Sunday Times, “It’s adapt or die — she couldn’t adapt”, 06/04/2014),
Anne manifestou seu horror a uma sociedade em que “tantas pessoas passam
a vida sentadas na frente de um computador ou de uma televisão” e
acrescentou: “Nunca tive uma televisão. Só tive um rádio. As pessoas
estão cada vez mais afastadas. Estamos virando robôs. Isto é falta de
humanidade”.
O caso está se transformando em bandeira para todos os grupos que
promovem o assassinato “voluntário” de qualquer pessoa e por qualquer
pretexto (a professora Anne, por exemplo, não tinha nenhuma doença grave
que “justificasse” a aplicação da eutanásia com base nos “argumentos
tradicionais”). E foi novamente a célebre “clínica” suíça Dignitas que
fez valer o princípio de que “qualquer motivo é válido para matar”.
Mas existe algo mais importante a levarmos em conta: até que ponto as tecnologias estão nos tornando menos humanos?
É verdade que agora a internet nos aproxima dos distantes, mas não é
menos verdade que, em muitos casos, ela nos distancia dos próximos. E
por próximos não devemos entender apenas o núcleo familiar, mas também
as pessoas com quem entramos em contato todos os dias.
Um estudo da Pew Research Forum (“Two Dramas in Slow Motion”,
11/04/2014) mostra o novo rosto da sociedade norte-americana e seus
desafios especiais devidos à defasagem de idade na população: em 2060, a
pirâmide populacional dos EUA será parecida com um retângulo. A
quantidade de maiores de 85 anos no país será igual à de menores de 5:
ou seja, natalidade muito baixa e vidas mais longevas. Em consequência,
haverá mais tensão política e econômica, já que faltarão adultos em
idade de trabalho para financiar tantos aposentados.
Voltando ao campo da tecnologia, o estudo mostra que os jovens de
hoje são a primeira geração de nativos digitais: o mundo online é o seu
hábitat natural e as tecnologias são indispensáveis para eles, não só
para a interação social e para o acesso à informação, mas também para a
aceitação social.
Num encontro com jovens belgas no dia 31 de março, o papa Francisco falou sobre a cultura do descarte:
“Entramos na cultura do descarte: o que não serve para a globalização
é descartado. Os idosos, as crianças, os jovens. Mas isso descarta o
futuro de um povo, porque nas crianças, nos jovens nos idosos está o
futuro de um povo. Nas crianças e jovens porque eles levarão em frente a
história. Nos idosos porque são eles que transmitem a história de um
povo. Se eles são descartados, temos um grupo de gente sem força, por
falta de juventude e de memória. E isto é gravíssimo!”.
São chamativas as classificações dos grupos humanos com base no uso
ou não das tecnologias: os de 18 a 33 anos são os “millennial”; os de 34
a 49 anos, a “geração X”; os de 50 a 68 anos, os “boomers”. E,
surpresa: os de 69 a 86 anos são os “silent” (silenciosos).
Há formas de impor silêncios tecnológicos e descartar as pessoas que,
por diversas razões, não conseguem desenvolver habilidades nesse campo.
O desenlace da história de Anne tem a ver com esse tipo de descarte.
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Fonte: Zenit.org 24/04/2014
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