quarta-feira, 23 de abril de 2014

Elena Poniatowska recebe Prêmio Cervantes de Literatura com discurso contundente

 
A escritora premiada, entre o rei Juan Carlos e a rainha Sofia, depois da cerimônia de entrega do troféu
Foto: ANDREA COMAS / REUTERS
A escritora premiada, entre o rei Juan Carlos e a rainha Sofia, depois da cerimônia de entrega do troféu ANDREA COMAS /REUTERS
 
Escritora e jornalista também fez homenagem 
a Gabriel García Márquez.
 Pronunciamento foi cheio de referências 
aos marginalizados da América Latina, 
tema recorrente em sua obra.
A escritora e jornalista nascida em Paris, mas naturalizada mexicana, Elena Poniatowska, de 82 anos, recebeu na manhã desta quarta-feira, na Espanha, o Prêmio Miguel de Cervantes, maior honraria da literatura em língua espanhola. Elena recebeu o troféu com um discurso contundente, cheio de referências à situação das mulheres e dos marginalizados na América Latina, tema recorrente em sua obra. Ela prestou homenagem ainda a Gabriel García Márquez em seu pronunciamento.

— Antes de Gabo éramos os condenados da terra. Mas, com seus “Cem anos de solidão”, ele deu asas à América Latina. E é esse grande voo que hoje nos envolve e faz com que nos cresçam flores na cabeça — afirmou ela, dizendo estar “nervosíssima” antes de receber o prêmio.

O único livro de Elena Poniatowska publicado no Brasil é a “A pele do céu” (Objetiva), que vendeu mais de 60 mil exemplares quando publicado na Espanha, em 2001. A obra da escritora é fortemente marcada pelas questões sociais e os pobres da América Latina, assunto que já lhe interessava na carreira de jornalista. Em seu contundente discurso, cheio à situação dos desfavorecidos do continente, ela lembrou a situação das mulheres latino-americanas.

— Antes que os Estados Unidos pretendessem engolir todo o continente, a resistência indígena pegou seus escudos de ouro e cocares de pena e os levantou muito alto, quando as mulheres de Chiapas, antes humilhadas, declararam em 1994 que queria escolher elas mesmas seus homens, olhá-los nos olhos, ter os filhos que desejavam e não ser trocadas por uma garrafa de álcool — afirmou a premiada, lembrando ainda que “o silêncio dos pobres é um silêncio de séculos de esquecimento e marginalização”.

Entre as escritoras mexicanas citadas pela ganhadora do Cervantes, ganhou destaque a monja e poetisa mexicana do século XVII Sor Joana Inés de la Cruz, que, entre outros temas, defendia a liberdade das mulheres e se interessava por ciência. Ela é considerada, por alguns intelectuais, como a primeira feminista das Américas. Ela se envolveu em uma polêmica teológica com um bispo, ao discordar de um prefácio escrito pelo homem a um sermão do padre Antônio Vieira. Em sua resposta famosa, Sor Joana defendia o trabalho intelectual da mulher. A escritora tinha instrumentos científicos como astrolábios e telescópios, que usava para estudar astronomia — mas foi obrigada a se desfazer deles.

— Na literatura, não há outra mulher que tenha observado o eclipse lunar de 22 de dezembro de 1684 e tenha tentado dar uma explicação científica para a origem do universo. Ela o fez nos 975 versos do poema "Primeiro sonho". Dante teve a orientação de Virgílio para descer ao Inferno, mas a nossa Sor Juana o fez sozinha e, como Galileu e Giordano Bruno, foi castigada por amar a ciência — destacou Elena.

Elena Poniatowska nasceu em Paris, em 1932, filha de mãe mexicana e pai descendente da família real polonesa. Mudou-se aos 10 anos para o México, onde se naturalizaria mexicana mais tarde. Ela tem uma carreira de 60 anos no jornalismo, ofício o qual continua a exercer — sempre com foco em denunciar os problemas sociais de seu país. Com a vitória, Elena se torna a quarta mulher a já ter ganhado a honraria. Ela também é a quinta escritora do México a ganhar o Cervantes, atrás apenas de Octavio Paz, Carlos Fuentes, Sergio Pitol e José Emilio Pacheco. Esse é o 34º prêmio literário que ela recebe.

Leia os melhores momentos do discurso de Elena Poniatowska

"Minha mãe nunca imaginou que país me havia dado de presente quando chegamos ao México, em 1942, no 'Marqués de Comillas', o barco com o qual Gilberto Bosques salvou a vida de tantos republicanos que se refugiaram no México durante o governo do general Lázaro Cárdenas. Minha família sempre foi feita de passageiros de trem: italianos que acabam na Polônia, mexicanos que vivem na França, americanas que se mudam para a Europa. Minha irmã, Kitzia, e eu fomos meninas francesas com nome polonês. Chegamos 'à imensa vida do México' — como diria José Emilio Pacheco —, ao povo do sol. Desde então, vivemos transfiguradas e envolvidas com outros encantamentos, a ilusão de transformar casas em castelos."

"Lembro-me de meu assombro ao ouvir pela primeira vez a palavras 'gracias', e achei que seu som era mais profundo que o 'merci' do francês. Também me intrigou ver, em um mapa do México, vários espaços pintados de amarelo com as palavras: 'Zona por descobrir'. (...) Esse enorme país terrível e secreto chamado México, no qual a França caberia três vezes, se estendia moreno e descalço frente a mim e a minha irmã e a nós desafiava: 'Descubram-me'. O idioma era a chave para entrar no mundo indígena, o mesmo do qual falou Octavio Paz, (...) quando disse que sem esse mundo não seríamos quem somos."

"Nenhum acontecimento é mais importante em minha vida profissional que este prêmio que o júri do Cervantes outorga a uma Sancho Pança feminina."

"Crianças, mulheres, velhos, presidiários, doentes e estudantes caminham ao lado desta repórter que busca, como pedia María Zambrano, 'ir além da própria vida, estar nas outras vidas'".

Confira os outros ganhadores do Prêmio Cervantes

2012 - José Manuel Caballero Bonald
2011 - Nicanor Parra
2010 - Ana María Matute
2009 - José Emilio Pacheco
2008 - Juan Marsé
2007 - Juan Gelman
2006 - Antonio Gamoneda
2005 - Sergio Pitol
2004 - Rafael Sánchez Ferlosio
2003 - Gonzalo Rojas
2002 - José Jiménez Lozano
2001 - Álvaro Mutis
2000 - Francisco Umbral
1999 - Jorge Edwards
1998 - José Hierro
1997 - Guillermo Cabrera Infante
1996 - José García Nieto
1995 - Camilo José Cela
1994 - Mario Vargas Llosa
1993 - Miguel Delibes
1992 - Dulce María Loynaz
1991 - Francisco Ayala
1990 - Adolfo Bioy Casares
1989 - Augusto Roa Bastos
1988 - María Zambrano
1987 - Carlos Fuentes
1986 - Antonio Buero Vallejo
1985 - Gonzalo Torrente Ballester
1984 - Ernesto Sábato
1983 - Rafael Alberti
1982 - Luis Rosales
1981 - Octavio Paz
1980 - Juan Carlos Onetti
1979 - Jorge Luis Borges
1979 - Gerardo Diego
1978 - Dámaso Alonso
1977 - Alejo Carpentier
1976 - Jorge Guillén
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FONTE: Jornal o Globo online, 23/04/2014

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