A escritora premiada, entre o rei Juan Carlos e a rainha Sofia, depois da cerimônia de entrega do troféu
ANDREA COMAS /REUTERS
Escritora e jornalista também fez homenagem
a Gabriel García Márquez.
Pronunciamento foi cheio de referências
aos marginalizados da América Latina,
tema recorrente em sua obra.
A escritora e jornalista nascida em Paris, mas naturalizada mexicana,
Elena Poniatowska, de 82 anos, recebeu na manhã desta quarta-feira, na
Espanha, o Prêmio Miguel de Cervantes, maior honraria da literatura em
língua espanhola. Elena recebeu o troféu com um discurso contundente,
cheio de referências à situação das mulheres e dos marginalizados na
América Latina, tema recorrente em sua obra. Ela prestou homenagem ainda
a Gabriel García Márquez em seu pronunciamento.
— Antes de Gabo
éramos os condenados da terra. Mas, com seus “Cem anos de solidão”, ele
deu asas à América Latina. E é esse grande voo que hoje nos envolve e
faz com que nos cresçam flores na cabeça — afirmou ela, dizendo estar
“nervosíssima” antes de receber o prêmio.
O único livro de Elena
Poniatowska publicado no Brasil é a “A pele do céu” (Objetiva), que
vendeu mais de 60 mil exemplares quando publicado na Espanha, em 2001. A
obra da escritora é fortemente marcada pelas questões sociais e os
pobres da América Latina, assunto que já lhe interessava na carreira de
jornalista. Em seu contundente discurso, cheio à situação dos
desfavorecidos do continente, ela lembrou a situação das mulheres
latino-americanas.
— Antes que os Estados Unidos pretendessem
engolir todo o continente, a resistência indígena pegou seus escudos de
ouro e cocares de pena e os levantou muito alto, quando as mulheres de
Chiapas, antes humilhadas, declararam em 1994 que queria escolher elas
mesmas seus homens, olhá-los nos olhos, ter os filhos que desejavam e
não ser trocadas por uma garrafa de álcool — afirmou a premiada,
lembrando ainda que “o silêncio dos pobres é um silêncio de séculos de
esquecimento e marginalização”.
Entre as escritoras mexicanas
citadas pela ganhadora do Cervantes, ganhou destaque a monja e poetisa
mexicana do século XVII Sor Joana Inés de la Cruz, que, entre outros
temas, defendia a liberdade das mulheres e se interessava por ciência.
Ela é considerada, por alguns intelectuais, como a primeira feminista
das Américas. Ela se envolveu em uma polêmica teológica com um bispo, ao
discordar de um prefácio escrito pelo homem a um sermão do padre
Antônio Vieira. Em sua resposta famosa, Sor Joana defendia o trabalho
intelectual da mulher. A escritora tinha instrumentos científicos como
astrolábios e telescópios, que usava para estudar astronomia — mas foi
obrigada a se desfazer deles.
— Na literatura, não há outra mulher
que tenha observado o eclipse lunar de 22 de dezembro de 1684 e tenha
tentado dar uma explicação científica para a origem do universo. Ela o
fez nos 975 versos do poema "Primeiro sonho". Dante teve a orientação de
Virgílio para descer ao Inferno, mas a nossa Sor Juana o fez sozinha e,
como Galileu e Giordano Bruno, foi castigada por amar a ciência —
destacou Elena.
Elena Poniatowska nasceu em Paris, em 1932, filha
de mãe mexicana e pai descendente da família real polonesa. Mudou-se aos
10 anos para o México, onde se naturalizaria mexicana mais tarde. Ela
tem uma carreira de 60 anos no jornalismo, ofício o qual continua a
exercer — sempre com foco em denunciar os problemas sociais de seu país.
Com a vitória, Elena se torna a quarta mulher a já ter ganhado a
honraria. Ela também é a quinta escritora do México a ganhar o
Cervantes, atrás apenas de Octavio Paz, Carlos Fuentes, Sergio Pitol e
José Emilio Pacheco. Esse é o 34º prêmio literário que ela recebe.
Leia os melhores momentos do discurso de Elena Poniatowska
"Minha
mãe nunca imaginou que país me havia dado de presente quando chegamos
ao México, em 1942, no 'Marqués de Comillas', o barco com o qual
Gilberto Bosques salvou a vida de tantos republicanos que se refugiaram
no México durante o governo do general Lázaro Cárdenas. Minha família
sempre foi feita de passageiros de trem: italianos que acabam na
Polônia, mexicanos que vivem na França, americanas que se mudam para a
Europa. Minha irmã, Kitzia, e eu fomos meninas francesas com nome
polonês. Chegamos 'à imensa vida do México' — como diria José Emilio
Pacheco —, ao povo do sol. Desde então, vivemos transfiguradas e
envolvidas com outros encantamentos, a ilusão de transformar casas em
castelos."
"Lembro-me de meu assombro ao ouvir pela primeira vez a
palavras 'gracias', e achei que seu som era mais profundo que o 'merci'
do francês. Também me intrigou ver, em um mapa do México, vários
espaços pintados de amarelo com as palavras: 'Zona por descobrir'. (...)
Esse enorme país terrível e secreto chamado México, no qual a França
caberia três vezes, se estendia moreno e descalço frente a mim e a minha
irmã e a nós desafiava: 'Descubram-me'. O idioma era a chave para
entrar no mundo indígena, o mesmo do qual falou Octavio Paz, (...)
quando disse que sem esse mundo não seríamos quem somos."
"Nenhum
acontecimento é mais importante em minha vida profissional que este
prêmio que o júri do Cervantes outorga a uma Sancho Pança feminina."
"Crianças,
mulheres, velhos, presidiários, doentes e estudantes caminham ao lado
desta repórter que busca, como pedia María Zambrano, 'ir além da própria
vida, estar nas outras vidas'".
2012 - José Manuel Caballero Bonald
2011 - Nicanor Parra
2010 - Ana María Matute
2009 - José Emilio Pacheco
2008 - Juan Marsé
2007 - Juan Gelman
2006 - Antonio Gamoneda
2005 - Sergio Pitol
2004 - Rafael Sánchez Ferlosio
2003 - Gonzalo Rojas
2002 - José Jiménez Lozano
2001 - Álvaro Mutis
2000 - Francisco Umbral
1999 - Jorge Edwards
1998 - José Hierro
1997 - Guillermo Cabrera Infante
1996 - José García Nieto
1995 - Camilo José Cela
1994 - Mario Vargas Llosa
1993 - Miguel Delibes
1992 - Dulce María Loynaz
1991 - Francisco Ayala
1990 - Adolfo Bioy Casares
1989 - Augusto Roa Bastos
1988 - María Zambrano
1987 - Carlos Fuentes
1986 - Antonio Buero Vallejo
1985 - Gonzalo Torrente Ballester
1984 - Ernesto Sábato
1983 - Rafael Alberti
1982 - Luis Rosales
1981 - Octavio Paz
1980 - Juan Carlos Onetti
1979 - Jorge Luis Borges
1979 - Gerardo Diego
1978 - Dámaso Alonso
1977 - Alejo Carpentier
1976 - Jorge Guillén
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FONTE: Jornal o Globo online, 23/04/2014
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