Na semana que passou, o provocador e original sociólogo Michel Maffesoli abriu
um ciclo de conferências na Unisinos
Foto:
Carlos Macedo / Agencia RBS
Pesquisador titular da Sorbonne, na França, Michel Maffesoli se debruça sobre as controversas questões da pós-modernidade
com visível apaixonamento. Seus estudos e livros sobre tribalização,
sociedade e educação fazem dele uma referência nos temas que circundam
os novos tempos – com especial olhar para a juventude. Mas não se
engane: ainda que a gravata borboleta e as meias coloridas deem ao
sociólogo uma aparência amistosa, há muito de provocador e polêmico no
que diz. Ele também é encantado com o Brasil, que diz ser o laboratório
da pós-modernidade, onde se pode observar as nuanças de um mundo em
transformação. Maffesoli recebeu ZH no café da biblioteca da Unisinos, em São Leopoldo, onde falou, na última terça-feira.
Zero Hora – Um ano depois da eclosão das manifestações no
Brasil, assistimos a um esfriamento dos protestos nas ruas. Como o
senhor analisa o fenômeno da participação popular nesses eventos?
Michel Maffesoli – Não acho que as pessoas participam para mudar o
mundo. Me parece que elas estão juntas para estarem juntas. Eu falo
especificamente das manifestações. Não são mais preocupações políticas,
uma busca de uma sociedade perfeita, mas essa ideia de tribo, de estar
junto em busca de algo. Na ação política, há uma motivação racional, mas
o estar junto tem uma motivação emocional. É uma dicotomia entre
racional e emocional.
ZH – O senhor acredita que essas ações perderam a força política?
MM – Há uma diferença fundamental entre a ação política, com uma
finalidade, e a explosão, como vimos, que é momentânea. Por um momento,
há a marcha e seus efeitos. Isso tem uma finalidade, é pontual e tem
consequências. Mas há uma diferença entre as mobilizações que tínhamos
antes e as de hoje. Na pós-modernidade, elas são muito intensas e
diferentes entre si, mas, ao mesmo tempo, são muito efêmeras.
ZH – Aqui no Brasil se comentou muito a questão do vandalismo
nas manifestações. Na sua opinião, qual é o sentido dessas ações
violentas?
MM – Chamar essas ações de vandalismo é uma estigmatização. Toda
manifestação tem essa característica de quebrar, romper algo. Romper as
vitrines, quebrar coisas. Na França também é assim, como no Brasil, na
Espanha também é. Na Europa, as manifestações também têm esse caráter de
violência e há uma ligação entre esses eventos, que é justamente esse
caráter emocional. Há uma grande importância nesse ato que rompe a
sociedade de consumo, porque você quebra os objetos que representam essa
sociedade de consumo. Há uma diferença entre destruir as coisas e
quebrar as coisas. Não enxergamos a vontade de fazer com que essa
sociedade não exista mais. Quando você quebra algo, a coisa ainda está
lá, é uma ruptura, um demantelamento. Em particular, isso é
representativo para as gerações mais jovens, que não se enxergam mais
representadas e têm um sentimento forte de não-pertencimento a essa
sociedade de consumo.
"Chamar essas ações de vandalismo é estigmatização"
Foto: Carlos Macedo/Agência RBS
ZH – Nas ruas, há grupos com visões de mundo muito diferentes. Ainda assim, a agenda é comum. Por quê?
MM – Essa é a diferença essencial entre a modernidade e a
pós-modernidade. Na modernidade, as organizações políticas eram mais
cartesianas, em torno de programas. Hoje, nessas manifestações, não é
importante um programa, mas uma questão de sentimento. O estar junto.
Não é mais a razão, é o sentimento.
ZH – Então a pessoa que está ao lado, defendendo a mesma bandeira, pode pensar completamente diferente?
MM – Sim. Porque não é o que você racionaliza que é importante, mas o que você sente.
ZH – E é por isso que é tão difícil entender esses eventos?
MM – Sim. Esse é o problema da desconexão, da defasagem, entre as
elites e as gerações jovens. Não posso falar pelo Brasil, mas na França,
onde publiquei recentemente um livro que se chama Les Nouveaux
Bien-pensants, em que converso com jornalistas, universitários e
políticos, mostro que as elites não compreendem as gerações mais jovens.
Elas, as elites, têm um pensamento muito programático.
ZH – O que mudou no conceito de opinião pública com o aumento de relevância de fóruns e das redes sociais na internet?
MM – Eu penso que não há mais uma única opinião pública, mas um mosaico de opiniões públicas. E isso pode ser visto por toda a internet, em blogs, em fóruns, nas redes, é um mosaico, uma variedade de opiniões públicas. Então, há uma diferença entre a opinião publicada e a opinião pública. Antes, as opiniões publicadas eram apenas as opiniões das elites, e isso fazia delas “a opinião pública”. Hoje, há uma fragmentação que é contemplada pela internet. Esse mosaico permite que essas opiniões sejam publicadas, ainda que não sejam vistas pela sociedade como a opinião pública.
ZH – O que mudou no conceito de opinião pública com o aumento de relevância de fóruns e das redes sociais na internet?
MM – Eu penso que não há mais uma única opinião pública, mas um mosaico de opiniões públicas. E isso pode ser visto por toda a internet, em blogs, em fóruns, nas redes, é um mosaico, uma variedade de opiniões públicas. Então, há uma diferença entre a opinião publicada e a opinião pública. Antes, as opiniões publicadas eram apenas as opiniões das elites, e isso fazia delas “a opinião pública”. Hoje, há uma fragmentação que é contemplada pela internet. Esse mosaico permite que essas opiniões sejam publicadas, ainda que não sejam vistas pela sociedade como a opinião pública.
"Não se quer mais perder a vida para ganhar a vida"
Foto: Carlos Macedo/Agência RBS
ZH – No Brasil, temos uma discrepância entre o modo de agir e
pensar desses jovens e o sistema educacional. Na sua visão, é preciso
fazer uma grande ruptura nesse sistema?
MM – Eu hesito em responder, prefiro responder de uma maneira
provocadora. Eu penso que o sistema educacional é um sistema totalmente
apodrecido, que não funciona mais. Acontece que a educação está baseada
na pedagogia, e eu entendo que a pedagogia, e por isso eu disse que
responderia de uma maneira provocadora, quando ela não é mais
pertinente, ela se transforma em pedofilia. Por isso é um sistema
apodrecido. Eu não acho que haja uma reforma possível para a educação,
mesmo as progressivas. Eu diria que a educação moderna, que havia antes,
não é baseada em iniciação, e há uma diferença entre educação e
iniciação. A educação, que vemos em universidades e instituições e
funcionou bem durante a modernidade, é verticalizada. Enquanto que a
iniciação é horizontalizada. A iniciação tem uma ideia de acompanhamento
e encontra um ponto de ajuda justamente na internet. É um paradoxo
pós-moderno. A iniciação encontra paralelo antropológico na ideia das
tribos antigas, quando as pessoas eram iniciadas. Na pós-modernidade se
volta para a iniciação, mas com a utilização da internet. As
instituições educacionais estão coladas a uma ideia de verticalização:
eu sei algo que você não sabe e eu estou passando conhecimento para
você. Na iniciação, há uma horizontalização, como na wikipédia. A
internet mostra que é assim que as coisas vão funcionar na
pós-modernidade, com a ideia de compartilhamento.
ZH – No mundo do trabalho há também essa dificuldade de adequar jovens aos sistemas verticais?
MM – A hora-trabalho é uma ideia vertical e moderna, ao passo que
hoje os jovens têm mais apego a questões ligadas à criatividade. É uma
mudança de valores, uma questão da qualidade de existência. Não se quer
mais perder a vida para ganhar a vida. Há uma dicotomia. Não querem mais
perder a vida para ganhar a vida, não querem mais desperdiçar a vida
para ganhar algo. Os jovens têm a ideia de transformar a sua vida em uma
obra de arte. Esse é um dos cernes da diferença entre a modernidade e a
pós-modernidade.
ZH – E como ficam as profissões mais tradicionais, em campos
como Medicina, Direito e Engenharia? Há um risco de os jovens perderem o
interesse nesse tipo de profissão?
MM – Numa perspectiva a longo prazo, passaremos a ver as pessoas
tendo mais vidas dentro de uma mesma vida. A pessoa não terá mais uma
profissão fechada. Dentro dessa ideia, existirá um alongamento da vida
e, por isso, as pessoas poderão ter não só uma profissão, como advogado
ou professor, mas transitarão mais. As pessoas não terão uma função, mas
sim um papel. São questões pré-modernas que eu acredito que vão voltar.
O sujeito não tinha uma função, mas um papel dentro do grupo.
ZH – Isso também pode se refletir na família?
ZH – Isso também pode se refletir na família?
MM – Sim, passa pela família. Não teremos mais famílias
mononucleares, com um pai, uma mãe e as crianças. Isso se espalha também
pela formação da família, pelas possibilidades de sexualidade. Serão
novos modelos de família e, ainda dentro dessas famílias, novas maneiras
de exercitar esses núcleos.
ZH – Como se preparar para lidar com duas visões tão
diferentes de mundo, entre os jovens e os mais velhos? Não são visões de
mundo conflitantes?
MM – Não acredito que vá haver um conflito tão intenso. Eu não penso
que há um choque. Simplesmente, os mais velhos irão desaparecer
progressivamente (risos). Eles vão morrer, e os jovens vão dominar a
sociedade e carregarão esses novos valores. As próximas gerações serão
as constituintes e as mais velhas irão caducar e desaparecer.
ZH – Então, não há caminho de volta?
(risos) Não, não há. Assim é a vida.
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Reportagem por FêCris Vasconcellos
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