Jung Mo Sung*
Neste
quinto artigo da série sobre a novidade do documento Alegria do Evangelho,
quero continuar a reflexão do artigo anterior sobre a tarefa das igrejas cristãs de anunciar o Deus revelado em Jesus, o Deus
que estava na cruz com "o” justo; aquele que foi assassinado em nome de deus do
Templo e do Império Romano.
Segundo
o papa, a adoração do ídolo-dinheiro leva as pessoas e a sociedade a se
tornarem indiferentes, insensíveis, em relação aos sofrimentos dos pobres e à
grave desigualdade social. (Para se ter uma ideia da dimensão da desigualdade
social no mundo: segundo o Fórum Econômico Mundial de Davos, 1% mais rico detém
46% da riqueza mundial; e 85 pessoas, a riqueza equivalente a metade da
população mundial. Você não leu errado, 85 pessoas detém equivalente a quase a
metade.) É preciso entender que as pessoas não se tornaram insensíveis porque
são más. Pelo contrário, podem ser pessoas de "bem”, cumpridoras das regras
morais e religiosas. Essa insensibilidade social não nasce de algum desvio
individual no campo da moral ou religioso, mas é fruto da cultura em que estão
imersas essas pessoas.
E
por que diante dessa situação, que faz conviver pessoas miseráveis ao lado de
poucas ostentando carros de milhões de reais, domina indiferença social? É
claro que se perguntados, todos vão dizer que são contra essa situação e favor
de mudanças. Mas, se perguntado se estão dispostos a reduzir o seu nível de
ganho e consumo (por ex, com mais impostos para programas sociais), vão
levantar várias "desculpas” (por ex, a culpa é da corrupção, mais imposto diminui
o crescimento econômico...) para dificultar medidas que realmente possam
modificar a situação. No fundo, há uma indiferença em relação a esse grave
problema. Diante dessa situação, não bastam mais "pregações morais ou
religiosas” criticando a desigualdade social (sobre a crise ambiental, nos
próximos artigos). É preciso entender o porquê dessa insensibilidade. E o
documento Alegria do Evangelho oferece uma pista.
Ele
diz: "na sua origem, há uma crise antropológica profunda: a negação da primazia
do ser humano. Criamos novos ídolos. A adoração do antigo bezerro de ouro (cf. Ex32, 1-35) encontrou uma nova e cruel versão no fetichismo do dinheiro e na
ditadura duma economia sem rosto e sem um objetivo verdadeiramente humano.”
(n.55) O papa faz um paralelo entre "o bezerro de ouro” e o fetichismo do
dinheiro hoje. Nesse sentido, o tema do dinheiro/economia se tornou uma questão
teológica central, assim como é a "luta” entre Bezerro de Ouro –que foi chamado
de Javé pelos seus adoradores– e o Deus-Javé.
E
o que é o fetichismo? O conceito de "fetiche”, que Marx usa para analisar a
mercadoria (O Capital, vol I, Livro
I, cap. 1), designa a inversão da relação entre o sujeito e objeto. O ser
humano é o sujeito do trabalho e o produto ou a mercadoria é o objeto resultado
da ação do sujeito. Porém, no sistema de mercado capitalista ocorre uma
inversão profunda: as pessoas não se relacionam porque são pessoas-sujeitos,
mas sim porque são portadoras de mercadorias que podem ser trocadas por outras
mercadorias. Por ex, se você não tem dinheiro (um tipo especial de mercadoria),
não pode ir a Shopping fazer compras (isto é, fazer o seu dinheiro estabelecer
relação de troca com outra mercadoria), nem "dar um role”. Como (quase) tudo é
comprado e vendido no mercado, você só estabelece relações com outras pessoas
na medida em que é portadora do dinheiro/mercadoria.
Na
experiência do cotidiano isso é expresso com a ideia de que você vale o quanto
tem. Se você não tem nada, é pobre, não vale nada e, portanto, não é "ninguém”.
Nesse fetichismo do dinheiro, a fonte da dignidade humana está no dinheiro. Por
isso as pessoas querem mais dinheiro do que precisam, desejam sem limite,
porque querem "ser” mais através de "o” único caminho que conhecem: ter mais
dinheiro.
Os
problemas sociais dos pobres são problemas de pessoas que são "ninguém”, por
isso não são importantes e a sociedade se torna indiferente a esses problemas.
Só são tratados quando essa desigualdade cria problemas para as "pessoas de
bem”, as que têm dinheiro.
Diante
desse tipo de mundo, é preciso oferecer um caminho alternativo. "O Caminho” que
Jesus propõe é o reconhecimento de que todos os seres humanos são dignos, não
importando se é rico ou pobre, homem ou mulher, branco ou negro ou indígena,
religioso ou não, ... Isso porque Deus a ama a todos gratuitamente e por causa
dessa graça os problemas de pessoas consideradas "ninguém” são problemas
importantes para Deus e para todos que descobriram a Verdade sobre a condição
humana. Esse Caminho e essa Verdade nos levam à Vida.
A
insensibilidade social frente aos problemas sociais precisar ser desmascarada e
superada pela "teologia da graça”.
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*Teólogo. Prof. Universitário. Escritor. Autor,
com Hugo Assmann, do "Deus em nós”, Paulus. Twitter: @jungmosung
Fonte: Adital
Imagem da Internet
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