quarta-feira, 9 de abril de 2014

Inclusão

 Martha Medeiros*
 
Entre os 45 mil presentes na cerimônia de reabertura do Beira-Rio no último sábado, lá estava eu, emocionada com a sensação coletiva de “volta ao lar”. Vivi intensamente os anos 70 do clube e seus três títulos incendiários. Era uma colorada praticante, de ir ao estádio em todos os jogos. Depois diminuí a frequência, até que deixei de ir. Passei a assistir apenas às finais de campeonato, e ainda assim pela TV. A última vez que eu estive no Beira-Rio havia sido para assistir ao show do Paul McCartney. E o evento de agora não foi muito diferente. Aquele 7 de novembro de 2010 em que revivi minha paixão pelos Beatles teve o mesmo espírito deste 5 de abril de 2014 em que revivi outra forte paixão da adolescência.

Saudosismo não é doença geriátrica, e sim uma confirmação da nossa consistência emocional. Mas não é sobre isso que quero falar, e sim sobre a importância de milhares de pessoas reunirem-se num mesmo local, com a mesma finalidade. Muita gente se assusta com conglomerações, a ponto de evitá-las. Tem até um nome para isso: agorafobia. Pânico de estar num espaço público cercado de gente desconhecida. Mas quem vence esse medo recebe em troca uma energia que elimina qualquer desconfiança. Essa “gente desconhecida” faz parte de uma mesma família. O DNA não é o mesmo, mas a pulsão afetiva é direcionada para um mesmo objeto de culto, que pode ser uma banda, um esporte, uma ideologia. Ter interesses em comum com os outros dá uma arejada no egocentrismo.

Podemos ter algumas neuras particulares (neuras, aqui, funcionando como nome carinhoso para nossas manias, não necessariamente uma patologia séria) e isso nos impelir a uma vida mais reservada, mas sempre que radicalizamos na autoexclusão, acabamos por empobrecer a nossa história: é preciso compartilhar as alegrias para fortalecê-las. Por isso, são tão essenciais os encontros entre amigos, as festas de aniversário, tudo o que interrompe a monotonia do cotidiano a fim de celebrar quem fomos ontem e quem somos hoje, valorizando os sucessos e fracassos adquiridos pelo caminho – tudo o que nos constitui.

Vale para pequenos eventos particulares e grandes eventos públicos. Sair de casa vestindo uma mesma camiseta, de uma mesma cor e com um mesmo propósito é uma forma de deixarmos nosso narcisismo em casa para fazer parte de algo maior, algo que existe além de nós, ainda que nosso também: aquilo que nos representa.

Os que sofrem de agorafobia ou qualquer outra fobia que impossibilite a união com outros do mesmo time (seja esse “time” o do rock, o do surfe, o da moda, o da política, o do futebol, o do ciclismo), tratem-se, curem-se e se abram para o pertencimento. Não existe solidão que resista a uma voltinha para longe do próprio umbigo.
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* Escritora.
Fonte: ZH online, 09/04/2014
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