quinta-feira, 3 de abril de 2014

Uma viagem a Cuba

 Siro Darlan Oliveira*
 
Chegamos a Cuba cheios de curiosidades para saber como funciona um pais socialista marcado pela influência dos que aqui vieram e se decepcionaram com a pobreza de seu povo e dos que vibram com as vitórias do socialismo sobrevivente.Como descobrir a verdade? Ouvindo o seu povo, quase doze milhões de cubanos que aqui vivem e trabalham e educam seus filhos, falando com os taxistas, com os guias, com os garçons. E assim fizemos, observando tudo e todos, fomos conversando e ouvindo. 
Havana parece uma cidade destruída por uma guerra recente. Não ha prédios novos, e os velhos estão caindo aos pedaços. Isso dá uma má impressão, parece uma sociedade abandonada. O povo tem uma alma sofrida, mas orgulhosa e vibrante. Apesar disso, a cidade é limpa, não há lixo nas ruas, mesmo sendo mal conservadas, resultado de uma sociedade educada e civilizada. Não ha analfabetos. Cuba é o primeiro país das Américas a erradicar o analfabetismo Todas as crianças e jovens estão nas escolas.  Há escolas em todos os níveis e faculdades espalhadas por todos os cantos da cidade. 

Interessante ver que mansões, que outrora serviam a famílias enriquecidas, hoje estão transformadas em centros culturais, escolas e centros de saúde. Muito antes da chegada da Revolução Socialista, Cuba já respirava educação. Jose Marti, seu herói nacional, dizia que um povo só será liberto através da educação. A cultura rica de Cuba aparece em todos os lugares. Há música no ar, teatros espalhados pelas cidades, todo recanto, praças, restaurantes, etc. 

Há bandas de música, a música alegre cubana, por toda parte. Os cubanos são alegres vibrantes. Ouvimos de uma recepcionista do Hotel Nacional que os cubanos “são iguais aos golfinhos, estão com a água até a boca, mas vivem sorrindo”.  Até sua religião é de esperança nas santerias, ou candomblé, majoritárias, mesmo com os templos católicos abertos e funcionando após a visita do papa João Paulo II. 

A Igreja Católica cubana perdeu uma grande oportunidade de ficar do lado do povo e ficou quase sem adeptos. Em 1959 colocou-se do lado da ditadura vigente, e seus templos foram transformados em museus e centros culturais. O Santuário de São Francisco de Assis, opulento templo localizado no centro de Havana Velha, hoje é um museu com as peças riquíssimas em prata e ouro, antes utilizadas nas missas e na sacristia, e uma torre muito alta colocada à disposição dos turistas para visitação. O templo, em belíssimo barroco, abriga alunos das escolas de música que promovem consertos durante todo dia. Após a vinda do papa João Paulo II, foi autorizada a realização de missas em determinados horários. Com isso a santeria, ou candomblé, passou a ter, com os mesmos santos católicos, a preferência da população. 

Afinal, o discurso dos socialistas de Sierra Maestra sempre se assemelhou mais ao de Cristo do que ao dos ditadores, mais assemelhados aos hipócritas e fariseus. Vejam o que disse Che, em Ele socialismo y el nobre en Cuba: "Deixe-me dizer, mesmo com o risco de parecer ridículo, que o verdadeiro revolucionário é guiado por grandes sentimentos de amor. É impossível pensar num revolucionário autêntico sem esta qualidade.(...) É preciso ter uma grande dose de humanismo, de sentimento de justiça e de verdade para não cair em extremismos dogmáticos, em escolasticismos frios, em isolamento das massas. É preciso lutar todos os dias para que esse amor à humanidade viva e se transforme em atos concretos que sirvam de exemplo e mobilizem". Ora, essas palavras se parecem muito com passagens do evangelho, tais como o maior de todos os mandamentos e amar a Deus e ao próximo como a si mesmo, ou de Paulo, que disse que a fé remove montanhas, ou ainda que prova de amor maior não há que doar a vida pelo irmão. 

Cada família cubana recebe sua cota de alimentação mensal. É insuficiente, mas ninguém passa fome. Sua moeda oficial é fraca, o que ameniza é a moeda forte para turista gastar, pagando caro para conhecer essa ilha paradisíaca, que antes fora tomada pela máfia americana que ali plantara jogos, prostituição, vícios e criminalidade. Aliás, Cuba não tem violência. Toda pessoa, natural ou estrangeira, pode andar pelas ruas 24 horas sem ser incomodada. Uma lição importante: não é a miséria nem a pobreza os pais da violência. Cuba não tem drogas. A posse, o uso, a venda são punidos com penas gravíssimas e perda de todo o patrimônio, inclusive a casa onde vivem os traficantes. Parece uma contradição, e é, um país cuja economia tem como pilares o tabaco e o rum combatendo as drogas que o imperialismo de Nixon e Reagan decretou como objeto da guerra das drogas. Justamente, as drogas que poderiam ser a base da economia de várias nações latino-americanas cujos povos vivem na miséria. 

A prostituição, negada por alguns, é uma prática quase tão cultural quanto dançar salsa. Há sempre pessoas nas ruas oferecendo no câmbio negro runs, tabacos e "chicas". Dizem que não é prostituição, mas uma forma de ajudar na renda familiar. Um guia nos disse que são tradicionais três coisas na Ilha: fumar um charuto, tomar um mojito e comprar rum. E, quanto a sair com as chicas, não é uma tradição, mas uma obrigação. 

Com essa proposta eleitoreira da "pacificação" das favelas fluminenses, fico pensando se não seria melhor nossos técnicos em segurança irem fazer um curso em Cuba para aprender como se pacifica uma comunidade com dignidade e respeito. Que tal, além de importar seus médicos, importar também a segurança cubana? A propósito, Cuba tem mesmo o mais completo plano de saúde comunitário. A saúde é gratuita para todos, e os medicamentos são distribuídos quase de graça para a população. Poucos são cobrados, a preços baixos e acessíveis. Em razão do bloqueio, os antibióticos não podem ser importados. O povo tem que comprar no México, no Peru e na Venezuela, e a preços muito altos. Outra lição: não se pacifica com armas, basta saúde e educação. 

Dirão os reacionários, mas foi preciso muita morte, muita violência e muitas prisões para se chegar a esse nível. Mas é preciso lembrar que todo esse processo ocorre com uma sociedade subjugada e ameaçada pelo boicote econômico da maior potência do planeta, que não permite que Cuba desenvolva sua economia. Num mundo globalizado, manter uma sociedade de 12 milhões de habitantes isolada do mundo corresponde a aprisioná-los em Guantánamo, símbolo do autoritarismo que o mundo aceita e aplaude de uma nação plantando-se no território de outra e fechando-lhe as portas do mundo. 

Enquanto um peso conversível (só para turistas) vale 25 pesos cubanos, um operário da indústria do tabaco, onde uma caixa com 25 Cohibas é vendido a 500 euros, ganha 40 dólares por mês. O povo reclama que não ganha o suficiente, uma vez que além dos salários ganha um carnê para comprar alimentos, um quilo de arroz mensal por pessoa, um pão diário, 1/4 de litro de azeite por pessoa da família, um quilo de feijão mensal, um sabonete a cada dois meses. Há uma insatisfação geral com a economia e a falta de oportunidade para viajar. A sociedade cubana está envelhecendo, sua média de idade é de 75 anos, os jovens evitam ter filhos devido às dificuldades econômicas. 

As viagens só são permitidas excepcionalmente para fins de esportes, culturais ou de representação do país. Diz um operário que para comprar uma televisão precisa trabalhar por cinco anos fazendo economia. Porém, todos têm habitação, acesso à educação em todos os níveis, assim como a saúde gratuitamente. Em todo lugar há escolas, bibliotecas, livrarias, teatros, cursos de dança, música. A televisão estatal passa programação educativa com entrevistas de professores e aulas, além do noticiário normal, e novelas mexicanas e brasileiras.

O comandante Fidel Castro vive recluso no bairro de Miramar, em razão de seu precário estado de saúde, com 89 anos, mas é idolatrado e respeitado por todos. Mudou a história social e democrática da Ilha, e todos o reconhecem como um líder carismático. Em razão dos desafios históricos que enfrentou e venceu, foi, assim como seus familiares, caçado durante toda a vida, sofreu vários atentados, todos frustrados. O número de seus filhos e filhas, assim como companheiras, é segredo de Estado para protegê-los. Alguns dizem que tem cinco ou seis filhos, mas não se sabe ao certo. Os filhos e netos são poupados da vida política. 

Enfim, a vida é difícil, mas os cubanos vivem com dignidade e em paz. Quisera poder trocar a miséria cubana pela dignidade e altivez de seu povo quando olhamos para nossos milhões de brasileiros famintos, analfabetos, sem respeito e sem dignidade. Quisera ter nossos cinquenta milhões de brasileiros que ainda vivem na linha da miséria todos alfabetizados e com acesso a saúde integral e de qualidade. Com os recursos naturais que temos e com o que somos capazes de produzir não precisamos passar pelas dificuldades por que passou e passa o povo cubano para garantir ao nosso povo o respeito aos seus direitos fundamentais. Basta que haja honestidade e princípios cristãos de partilha dos homens que elegem a política como caminho de serviço à pátria e a seu povo. 

Pegamos um táxi dirigido por um médico aposentado cubano que disse receber, graças aos médicos cubanos que estão no Brasil, um aumento para 80 dólares mensais. Tem 75 anos e está ativo dirigindo um táxi para melhorar sua renda. O táxi é herança do pai, que era proprietário de uma fábrica de tabaco, estatizada pelo governo revolucionário. O pai também deixou de herança a casa onde vive. Viveu os dois momentos políticos de Cuba, a ditadura de Batista e a revolução de Castro. Tem uma filha, que vive nos EUA, a quem já visitou. Ela tem de tudo e lhe manda ajuda em dinheiro. Reclama que, mesmo tendo educação e saúde, não se vive só disso, e mostra muita revolta com a situação econômica do país. Voltamos com outro taxista, que é formado em edificações (construção civil), que também tem um táxi para compor sua renda. 

Almoçamos num restaurante estatizado chamado La Dominique, onde todos os garçons são formados na Faculdade de Turismo, condição para trabalhar nos restaurantes do Estado. À noite pegamos um táxi com um motorista engraçadíssimo, que canta todas as msicas das novelas brasileiras em castelhano e de Roberto Carlos. Disse que chega a casa cansado e com fome, e que tem que esperar que a mulher assista às novelas brasileiras para jantar. Adora Roque Santeiro, que canta em espanhol. 
No Gato Tuerto, uma cantora cubana excepcional, Juana Bacalá, ou Juana Cubana, tem 91 anos, e cantou durante quase duas horas dançando e regendo a orquestra. Um fenômeno a mulher, famosa e viajada. 

Fizemos em 2,30 horas de La Havana a Varadero. Foram 130 km de uma estrada bem cuidada e limpa, passamos por quatro municípios, todos pobres, mas muito bem cuidados e com universidades. A economia não é mais baseada no tabaco e cana-de-açúcar, que estão em baixa. Em alta está o turismo e a exportação de médicos para 40 países latino-americanos e africanos. Na Venezuela há 30 mil médicos cubanos. Isso tem incrementado a economia e ajudado a pagar melhor os operários cubanos. 

Cuba é autossuficiente em petróleo e ainda exporta cana. O Porto de Matanzas é muito importante para o comércio. A energia é produzida por termoelétricas movidas a diesel. 

Conhecemos Maria Helena, faxineira do Hotel Ibero Star. Ama o Brasil e é formada numa faculdade sociocultural, onde estudou por cinco anos, tem aproximadamente 45 anos e um filho. Repetiu que os cubanos são como os golfinhos: vivem com água pela boa e sorrindo. Disse que há muitos idosos na universidade estudando gratuitamente. Conhece todos os cantores brasileiros pelo nome e pelas músicas, assim como adora as novelas brasileiras. Discute a origem da miscigenação cubana e brasileira e mostra amplo conhecimento. Estuda italiano, alemão, francês e inglês custos pagos pelo hotel.  Outro garçom, Carlitos, formado em turismo e hotelaria, quatro anos, adora o Brasil. Ganharam camisas de escolas de samba que eu havia levado e usado, Mangueira e Grande Rio. Pediram bandeiras do Brasil, mas não as tinha levado. Uma pena! 

Varadero é uma cidade turística linda e limpa, tem mais de 60 hotéis e alta qualidade, além de praias lindíssimas e limpas. Cuba é um fenômeno de resistência e tenacidade. Um povo educado e preparado, amoroso e alegre, que tem seus direitos fundamentais respeitados, educação e saúde, mas sofre com uma economia enfraquecida pelo bloqueio e pelo sistema fechado que agora começa a se abrir. 

Conhecemos Jeniffer, uma recreadora do hotel que tem 24 anos e fala italiano, francês e inglês, fez faculdade de turismo e hotelaria. E Joselin, recreadora de 26 anos, fez licenciatura em cultura física durante quatro anos e mais um ano de especialização em recreação. 

Por fim, conhecemos Ana Laura e Isabela, crianças de 10 e 11 anos, que vivem em La Havana, estudam no 4 e 5 ano e sabem muita coisa do Brasil. Disse-lhes que são muito estudiosas, mas contestaram afirmando que apenas leem alguma coisa e veem documentários. Disse Ana Clara, a mais nova, que o "o Rio de Janeiro fica no meio do Brasil e que o Rio Amazonas é muito grande e perigoso porque tem piranhas que comem uma pessoa em menos de um minuto, e que Brasília é a capital do Brasil". Disse também que passam muitas novelas brasileiras em Cuba. Perguntei qual mais lhe agradava. Respondeu que nenhuma, pois crianças não podem ver novelas em Cuba, só documentários. 

Nas praias de Varadero, belíssimas e limpíssimas, fomos abordados por pessoas a todo o momento que ofereciam tabacos e runs a preços econômicos, e pediam roupas, sabonetes e xampus dos hotéis. Um jovem ao saber que somos do Brasil afirmou que queria comida, porque no Brasil temos muita e em Cuba tem fome.

Esperava uma comida mais temperada e apimentada, mas não encontrei. Nos hotéis, a comida é farta e variada, mas não é saborosa.
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*Siro Darlan Oliveira, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, é membro da Associação Juízes para a democracia. - sdarlan@tjrj.jus.br
Fonte:http://www.jb.com.br/sociedade-aberta/noticias/2014/04/03/uma-viagem-a-cuba/
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