Siro Darlan Oliveira*
Chegamos a Cuba cheios de curiosidades para saber como funciona um
pais socialista marcado pela influência dos que aqui vieram e se
decepcionaram com a pobreza de seu povo e dos que vibram com as vitórias
do socialismo sobrevivente.Como descobrir a verdade? Ouvindo o seu
povo, quase doze milhões de cubanos que aqui vivem e trabalham e educam
seus filhos, falando com os taxistas, com os guias, com os garçons. E
assim fizemos, observando tudo e todos, fomos conversando e ouvindo.
Havana
parece uma cidade destruída por uma guerra recente. Não ha prédios
novos, e os velhos estão caindo aos pedaços. Isso dá uma má impressão,
parece uma sociedade abandonada. O povo tem uma alma sofrida, mas
orgulhosa e vibrante. Apesar disso, a cidade é limpa, não há lixo nas
ruas, mesmo sendo mal conservadas, resultado de uma sociedade educada e
civilizada. Não ha analfabetos. Cuba é o primeiro país das Américas a
erradicar o analfabetismo Todas as crianças e jovens estão nas escolas.
Há escolas em todos os níveis e faculdades espalhadas por todos os
cantos da cidade.
Interessante ver que mansões, que outrora
serviam a famílias enriquecidas, hoje estão transformadas em centros
culturais, escolas e centros de saúde. Muito antes da chegada da
Revolução Socialista, Cuba já respirava educação. Jose Marti, seu herói
nacional, dizia que um povo só será liberto através da educação. A
cultura rica de Cuba aparece em todos os lugares. Há música no ar,
teatros espalhados pelas cidades, todo recanto, praças, restaurantes,
etc.
Há bandas de música, a música alegre cubana, por toda parte.
Os cubanos são alegres vibrantes. Ouvimos de uma recepcionista do Hotel
Nacional que os cubanos “são iguais aos golfinhos, estão com a água até
a boca, mas vivem sorrindo”. Até sua religião é de esperança nas santerias, ou candomblé, majoritárias, mesmo com os templos católicos abertos e funcionando após a visita do papa João Paulo II.
A
Igreja Católica cubana perdeu uma grande oportunidade de ficar do lado
do povo e ficou quase sem adeptos. Em 1959 colocou-se do lado da
ditadura vigente, e seus templos foram transformados em museus e centros
culturais. O Santuário de São Francisco de Assis, opulento templo
localizado no centro de Havana Velha, hoje é um museu com as peças
riquíssimas em prata e ouro, antes utilizadas nas missas e na sacristia,
e uma torre muito alta colocada à disposição dos turistas para
visitação. O templo, em belíssimo barroco, abriga alunos das escolas de
música que promovem consertos durante todo dia. Após a vinda do papa
João Paulo II, foi autorizada a realização de missas em determinados
horários. Com isso a santeria, ou candomblé, passou a ter, com os mesmos santos católicos, a preferência da população.
Afinal,
o discurso dos socialistas de Sierra Maestra sempre se assemelhou mais
ao de Cristo do que ao dos ditadores, mais assemelhados aos hipócritas e
fariseus. Vejam o que disse Che, em Ele socialismo y el nobre en Cuba:
"Deixe-me dizer, mesmo com o risco de parecer ridículo, que o
verdadeiro revolucionário é guiado por grandes sentimentos de amor. É
impossível pensar num revolucionário autêntico sem esta qualidade.(...) É
preciso ter uma grande dose de humanismo, de sentimento de justiça e de
verdade para não cair em extremismos dogmáticos, em escolasticismos
frios, em isolamento das massas. É preciso lutar todos os dias para que
esse amor à humanidade viva e se transforme em atos concretos que sirvam
de exemplo e mobilizem". Ora, essas palavras se parecem muito com
passagens do evangelho, tais como o maior de todos os mandamentos e amar
a Deus e ao próximo como a si mesmo, ou de Paulo, que disse que a fé
remove montanhas, ou ainda que prova de amor maior não há que doar a
vida pelo irmão.
Cada família cubana recebe sua cota de
alimentação mensal. É insuficiente, mas ninguém passa fome. Sua moeda
oficial é fraca, o que ameniza é a moeda forte para turista gastar,
pagando caro para conhecer essa ilha paradisíaca, que antes fora tomada
pela máfia americana que ali plantara jogos, prostituição, vícios e
criminalidade. Aliás, Cuba não tem violência. Toda pessoa, natural ou
estrangeira, pode andar pelas ruas 24 horas sem ser incomodada. Uma
lição importante: não é a miséria nem a pobreza os pais da violência.
Cuba não tem drogas. A posse, o uso, a venda são punidos com penas
gravíssimas e perda de todo o patrimônio, inclusive a casa onde vivem os
traficantes. Parece uma contradição, e é, um país cuja economia tem
como pilares o tabaco e o rum combatendo as drogas que o imperialismo de
Nixon e Reagan decretou como objeto da guerra das drogas. Justamente,
as drogas que poderiam ser a base da economia de várias nações
latino-americanas cujos povos vivem na miséria.
A prostituição,
negada por alguns, é uma prática quase tão cultural quanto dançar salsa.
Há sempre pessoas nas ruas oferecendo no câmbio negro runs, tabacos e
"chicas". Dizem que não é prostituição, mas uma forma de ajudar na renda
familiar. Um guia nos disse que são tradicionais três coisas na Ilha:
fumar um charuto, tomar um mojito e comprar rum. E, quanto a sair com as chicas, não é uma tradição, mas uma obrigação.
Com
essa proposta eleitoreira da "pacificação" das favelas fluminenses,
fico pensando se não seria melhor nossos técnicos em segurança irem
fazer um curso em Cuba para aprender como se pacifica uma comunidade com
dignidade e respeito. Que tal, além de importar seus médicos, importar
também a segurança cubana? A propósito, Cuba tem mesmo o mais completo
plano de saúde comunitário. A saúde é gratuita para todos, e os
medicamentos são distribuídos quase de graça para a população. Poucos
são cobrados, a preços baixos e acessíveis. Em razão do bloqueio, os
antibióticos não podem ser importados. O povo tem que comprar no México,
no Peru e na Venezuela, e a preços muito altos. Outra lição: não se
pacifica com armas, basta saúde e educação.
Dirão os
reacionários, mas foi preciso muita morte, muita violência e muitas
prisões para se chegar a esse nível. Mas é preciso lembrar que todo esse
processo ocorre com uma sociedade subjugada e ameaçada pelo boicote
econômico da maior potência do planeta, que não permite que Cuba
desenvolva sua economia. Num mundo globalizado, manter uma sociedade de
12 milhões de habitantes isolada do mundo corresponde a aprisioná-los em
Guantánamo, símbolo do autoritarismo que o mundo aceita e aplaude de
uma nação plantando-se no território de outra e fechando-lhe as portas
do mundo.
Enquanto um peso conversível (só para turistas) vale 25
pesos cubanos, um operário da indústria do tabaco, onde uma caixa com
25 Cohibas é vendido a 500 euros, ganha 40 dólares por mês. O povo
reclama que não ganha o suficiente, uma vez que além dos salários ganha
um carnê para comprar alimentos, um quilo de arroz mensal por pessoa, um
pão diário, 1/4 de litro de azeite por pessoa da família, um quilo de
feijão mensal, um sabonete a cada dois meses. Há uma insatisfação geral
com a economia e a falta de oportunidade para viajar. A sociedade cubana
está envelhecendo, sua média de idade é de 75 anos, os jovens evitam
ter filhos devido às dificuldades econômicas.
As viagens só são
permitidas excepcionalmente para fins de esportes, culturais ou de
representação do país. Diz um operário que para comprar uma televisão
precisa trabalhar por cinco anos fazendo economia. Porém, todos têm
habitação, acesso à educação em todos os níveis, assim como a saúde
gratuitamente. Em todo lugar há escolas, bibliotecas, livrarias,
teatros, cursos de dança, música. A televisão estatal passa programação
educativa com entrevistas de professores e aulas, além do noticiário
normal, e novelas mexicanas e brasileiras.
O comandante Fidel
Castro vive recluso no bairro de Miramar, em razão de seu precário
estado de saúde, com 89 anos, mas é idolatrado e respeitado por todos.
Mudou a história social e democrática da Ilha, e todos o reconhecem como
um líder carismático. Em razão dos desafios históricos que enfrentou e
venceu, foi, assim como seus familiares, caçado durante toda a vida,
sofreu vários atentados, todos frustrados. O número de seus filhos e
filhas, assim como companheiras, é segredo de Estado para protegê-los.
Alguns dizem que tem cinco ou seis filhos, mas não se sabe ao certo. Os
filhos e netos são poupados da vida política.
Enfim, a vida é
difícil, mas os cubanos vivem com dignidade e em paz. Quisera poder
trocar a miséria cubana pela dignidade e altivez de seu povo quando
olhamos para nossos milhões de brasileiros famintos, analfabetos, sem
respeito e sem dignidade. Quisera ter nossos cinquenta milhões de
brasileiros que ainda vivem na linha da miséria todos alfabetizados e
com acesso a saúde integral e de qualidade. Com os recursos naturais que
temos e com o que somos capazes de produzir não precisamos passar pelas
dificuldades por que passou e passa o povo cubano para garantir ao
nosso povo o respeito aos seus direitos fundamentais. Basta que haja
honestidade e princípios cristãos de partilha dos homens que elegem a
política como caminho de serviço à pátria e a seu povo.
Pegamos
um táxi dirigido por um médico aposentado cubano que disse receber,
graças aos médicos cubanos que estão no Brasil, um aumento para 80
dólares mensais. Tem 75 anos e está ativo dirigindo um táxi para
melhorar sua renda. O táxi é herança do pai, que era proprietário de uma
fábrica de tabaco, estatizada pelo governo revolucionário. O pai também
deixou de herança a casa onde vive. Viveu os dois momentos políticos de
Cuba, a ditadura de Batista e a revolução de Castro. Tem uma filha, que
vive nos EUA, a quem já visitou. Ela tem de tudo e lhe manda ajuda em
dinheiro. Reclama que, mesmo tendo educação e saúde, não se vive só
disso, e mostra muita revolta com a situação econômica do país. Voltamos
com outro taxista, que é formado em edificações (construção civil), que
também tem um táxi para compor sua renda.
Almoçamos num
restaurante estatizado chamado La Dominique, onde todos os garçons são
formados na Faculdade de Turismo, condição para trabalhar nos
restaurantes do Estado. À noite pegamos um táxi com um motorista
engraçadíssimo, que canta todas as msicas das novelas brasileiras em
castelhano e de Roberto Carlos. Disse que chega a casa cansado e com
fome, e que tem que esperar que a mulher assista às novelas brasileiras
para jantar. Adora Roque Santeiro, que canta em espanhol.
No Gato
Tuerto, uma cantora cubana excepcional, Juana Bacalá, ou Juana Cubana,
tem 91 anos, e cantou durante quase duas horas dançando e regendo a
orquestra. Um fenômeno a mulher, famosa e viajada.
Fizemos em
2,30 horas de La Havana a Varadero. Foram 130 km de uma estrada bem
cuidada e limpa, passamos por quatro municípios, todos pobres, mas muito
bem cuidados e com universidades. A economia não é mais baseada no
tabaco e cana-de-açúcar, que estão em baixa. Em alta está o turismo e a
exportação de médicos para 40 países latino-americanos e africanos. Na
Venezuela há 30 mil médicos cubanos. Isso tem incrementado a economia e
ajudado a pagar melhor os operários cubanos.
Cuba é
autossuficiente em petróleo e ainda exporta cana. O Porto de Matanzas é
muito importante para o comércio. A energia é produzida por
termoelétricas movidas a diesel.
Conhecemos Maria Helena,
faxineira do Hotel Ibero Star. Ama o Brasil e é formada numa faculdade
sociocultural, onde estudou por cinco anos, tem aproximadamente 45 anos e
um filho. Repetiu que os cubanos são como os golfinhos: vivem com água
pela boa e sorrindo. Disse que há muitos idosos na universidade
estudando gratuitamente. Conhece todos os cantores brasileiros pelo nome
e pelas músicas, assim como adora as novelas brasileiras. Discute a
origem da miscigenação cubana e brasileira e mostra amplo conhecimento.
Estuda italiano, alemão, francês e inglês custos pagos pelo hotel.
Outro garçom, Carlitos, formado em turismo e hotelaria, quatro anos,
adora o Brasil. Ganharam camisas de escolas de samba que eu havia levado
e usado, Mangueira e Grande Rio. Pediram bandeiras do Brasil, mas não
as tinha levado. Uma pena!
Varadero é uma cidade turística linda e
limpa, tem mais de 60 hotéis e alta qualidade, além de praias
lindíssimas e limpas. Cuba é um fenômeno de resistência e tenacidade. Um
povo educado e preparado, amoroso e alegre, que tem seus direitos
fundamentais respeitados, educação e saúde, mas sofre com uma economia
enfraquecida pelo bloqueio e pelo sistema fechado que agora começa a se
abrir.
Conhecemos Jeniffer, uma recreadora do hotel que tem 24
anos e fala italiano, francês e inglês, fez faculdade de turismo e
hotelaria. E Joselin, recreadora de 26 anos, fez licenciatura em cultura
física durante quatro anos e mais um ano de especialização em
recreação.
Por fim, conhecemos Ana Laura e Isabela, crianças de
10 e 11 anos, que vivem em La Havana, estudam no 4 e 5 ano e sabem muita
coisa do Brasil. Disse-lhes que são muito estudiosas, mas contestaram
afirmando que apenas leem alguma coisa e veem documentários. Disse Ana
Clara, a mais nova, que o "o Rio de Janeiro fica no meio do Brasil e que
o Rio Amazonas é muito grande e perigoso porque tem piranhas que comem
uma pessoa em menos de um minuto, e que Brasília é a capital do Brasil".
Disse também que passam muitas novelas brasileiras em Cuba. Perguntei
qual mais lhe agradava. Respondeu que nenhuma, pois crianças não podem
ver novelas em Cuba, só documentários.
Nas praias de Varadero,
belíssimas e limpíssimas, fomos abordados por pessoas a todo o momento
que ofereciam tabacos e runs a preços econômicos, e pediam roupas,
sabonetes e xampus dos hotéis. Um jovem ao saber que somos do Brasil
afirmou que queria comida, porque no Brasil temos muita e em Cuba tem
fome.
Esperava uma comida mais temperada e apimentada, mas não encontrei. Nos hotéis, a comida é farta e variada, mas não é saborosa.
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*Siro Darlan Oliveira, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, é membro da Associação Juízes para a democracia. - sdarlan@tjrj.jus.br
Fonte:http://www.jb.com.br/sociedade-aberta/noticias/2014/04/03/uma-viagem-a-cuba/
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