Entrevista da 2ª Andreas Weigend
Especialista diz que 'big data' faz pessoas tomarem decisões melhores, mas provoca riscos que não podem ser ignorados
Com um smartphone e seus sistemas de GPS e câmeras, as pessoas vão
deixando rastros sobre seus gostos e desejos: os lugares que frequentam,
os pratos prediletos, os amigos com os quais conversam. O conjunto
desse enorme volume de informações permite que empresas saibam o que um
consumidor realmente quer com mais eficácia do que ele mesmo.
A opinião é do alemão Andreas Weigend, 54, especialista em "big data",
que é o conjunto de tecnologias que permitem coletar e analisar grandes
volumes de dados e tentar tirar conclusões sobre o que eles revelam.
Weigend, que foi cientista-chefe da Amazon e hoje dá aulas na
Universidade Stanford e presta consultoria, concentra-se nos aspectos
sociais e comerciais desse fenômeno: o que informações como a lista de
amigos no Facebook ou localização geográfica indicam sobre o
comportamento do consumidor.
Segundo ele, "os dados sabem mais sobre você do que você mesmo".
Weigend veio ao Brasil no começo deste mês para conferências e falou com a Folha. Leia abaixo trechos da entrevista.
Folha - O que é exatamente "big data"?
Andreas Weigend - "Big data" é uma mentalidade, não é algo
definido pelo volume de informações ou pelas ferramentas que você usa. É
transformar dados em decisões.
E o que é essa mentalidade?
Eu sou alemão e na minha cidade natal nós tínhamos um filósofo chamado
Martin Heidegger, que disse que você só pensa sobre a função do machado
quando ele quebra.
Com o "big data" é o mesmo: é a mentalidade que faz os dados e os pensamentos sobre eles desaparecerem.
Pense que é como o ar: você não pensa sobre ele no dia a dia, a não ser
que ele esteja ruim. O "big data" é não pensar sobre os dados.
O que poderia dar errado para que as pessoas notem os dados?
Eu tenho um amigo que vive em cima de um sex shop em San Francisco e eu o
visito frequentemente. Um dia, o Google começou a me mostrar anúncios
sobre sexo e eu fiquei surpreso. O motivo é que o sistema de
geolocalização do Google não funciona em três dimensões, mas, sim, em
duas. Então ele pensa: "Ah, deixa eu ajudar o Andreas, para que ele não
tenha de ir ao sex shop de vez em quando, para que ele possa comprar
essas coisas pela internet". Isso é um exemplo de algo que geralmente
aparece quando há um problema com a análise de dados.
Algum setor ou companhia de fato entendeu como usar o "big data"?
Temos que distinguir a coleta de dados e o refinamento deles. Eu dei uma
palestra na ONU há dois anos em que eu dizia que o "big data" é o novo
petróleo, porque os dados precisam ser refinados.
Se você só tem dados brutos, em muitos casos eles não o ajudam a tomar
uma decisão. Como no caso do petróleo, ganham dinheiro tanto quem tem
esse recurso natural, como a Arábia Saudita, quanto quem o refina.
Grande parte das maiores empresas do mundo são do setor de petróleo,
como Exxon Mobil e Shell. São as companhias que transformam o petróleo
em algo útil.
Do mesmo modo, no caso do "big data", as grandes companhias, aquelas que
vão ganhar muito dinheiro, serão aquelas que transformarem essas
informações em produtos que permitam que nós tomemos decisões melhores.
Por exemplo, o Google: pega todos os dados do mundo e mostra anúncios
para influenciar a decisão das pessoas. O Google Glass é uma máquina
coletora de dados.
Nem todo mundo compartilha todos os aspectos da vida na internet. Não
há o risco de medir apenas o que as pessoas querem revelar?
Meu telefone sabe melhor como eu durmo do que eu.
Eu tenho um app que analisa o meu sono e outro que me permite tirar
fotografias de comida e de um bom vinho. Então o celular identifica
muito melhor a relação entre eu ter tomado muitas taças no dia anterior e
ter acordado tarde.
De algum modo, a sua operadora de celular, o Google e o Facebook
conhecem você melhor do que você se conhece. Eu já trabalhei com sites
de namoro como Match.com e eles sabem melhor no que as pessoas estão
interessadas do que elas mesmas.
Para ser provocativo, e não tão longe da realidade, os dados sabem mais sobre você do que você mesmo.
Os dados podem saber. Mas as empresas já sabem?
Sim, claro. Veja as recomendações de livros na Amazon. Quantas vezes
você não entrou no site deles e adquiriu um livro do qual eles sabiam
que você gostaria antes que você se desse conta?
O LinkedIn, por exemplo, sabe muito mais sobre as empresas do que elas
mesmas, porque ele identifica a atividade dos profissionais. Essa rede
social sabe mais sobre a economia dos Estados Unidos do que o próprio
governo, porque consegue ver para onde os recrutadores estão indo, onde
estão as oportunidades e o fluxo de empregados entre as empresas.
As pessoas podem não se irritar por ter seus dados rastreados se vão
ter algo em troca, como uma boa indicação de produtos. Mas essa
tecnologia está sendo usada nos processos de seleção para empregos, por
exemplo. Elas podem ser prejudicadas por causa disso.
No passado, decisões sobre quem contratar eram baseadas em informações
muito limitadas. Você ia lá, as pessoas conversavam com você, o
departamento de recursos humanos fazia algumas ligações para checar suas
referências e era isso. Isso era antes do "big data": você controlava o
que colocava no currículo e o que dizia na entrevista.
Mas há dois lados disso: os empresários têm agora poder para descobrir
mais sobre você e possivelmente usar isso contra você. Mas também há
sites como o Glassdoor [em que funcionários e ex-funcionários avaliam as
companhias], nos quais é possível conhecer a personalidade da pessoa
responsável pela seleção. Então se você identifica que 5 das 6 pessoas
que eles contrataram se demitiram após três meses, quais são as chances
de você fazer o mesmo?
A questão não é mais se queremos revelar ou compartilhar algo, já que
informações que a KGB não conseguia arrancar das pessoas sob tortura
estão agora disponíveis na internet. A questão é o que a sociedade vai
fazer com essas informações. Se um empregador descobre pelo Facebook que
eu sou gay, e ele não quer contratar homossexuais, o que a sociedade
vai fazer com isso?
Estamos maduros o suficiente para tomar essas decisões?
Precisamos tomar essas decisões, e cada cidadão tem que pensar nos
pontos positivos e negativos desse cenário. Não podemos deixar para o
pessoal da tecnologia, para o pessoal que cria modelos de negócio, e
esperar que eles façam a coisa certa. Essas são decisões fundamentais
que não podemos delegar.
Governos devem regular isso?
É complicado. As consequências de nascer de um lado ou de outro da
fronteira são enormes. Novas decisões terão de ser tomadas com base em
leis sobre dados? Por exemplo, as pessoas vão querer viver em um país
que garante a retenção dessas informações ou em um que as expanda?
No Brasil, está em discussão no Congresso o Marco Civil da Internet,
que prevê que empresas do setor sejam obrigadas a guardar informações
sobre os usuários. O que o senhor acha disso?
Não tenho conselho. Nosso trabalho é fazer as pessoas pensarem nisso.
Outra metáfora possível para o "big data" é a energia nuclear. Muitas
pessoas creem que ela pode ser mais eficiente, mas alguns governos
decidiram não usá-la porque os riscos envolvidos, mesmo que mínimos, não
sobrepujam os benefícios. É o mesmo com os dados: na média, podemos
usá-los para tornar o mundo melhor, mas eles também envolvem riscos.
Quais riscos?
Se dados caem em mãos erradas, pessoas podem morrer. Pense na Alemanha,
onde as pessoas são muito preocupadas com sigilo. Hitler matou milhões
de judeus sem ter computadores. O que ele poderia fazer agora se
soubesse por geolocalização quem vai à sinagoga?
Raio-X Andreas Weigend
Consultor sobre "big data", especialmente sobre a análise de dados sobre o comportamento humano, e professor das universidades Stanford e da Califórnia em Berkeley (EUA)
FORMAÇÃO
PhD em física pela Universidade Stanford
CARREIRA
Foi cientista-chefe da loja on-line Amazon e tem passagem por start-ups (empresas iniciantes de tecnologia)
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Fonte: Folha online, 21/04/2014
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