Juremir Machado da Silva*
Em março de 1995, morando em Paris, escrevi isto:
Montesquieu acreditava que meia hora de leitura basta para sufocar qualquer drama.
Um personagem de Shadowlands , filme de Richard Attenborough, herdera
do pai um ensinamento precioso: o homem que lê nunca será solitário.
Mágico, o livro sofre, infelizmente, com a passagem do tempo e com as
leis do mercado.
É triste pensar que muitas pessoas de boa cultura jamais provarão a maravilhosa poesia de T. S. Eliot.
A poesia, nesta época de supremacia da imagem, padece ainda mais do que a prosa o desprezo dos apressados.
Mas o maior problema deriva do perverso mecanismo da novidade. Não há mais tempo para gerar clássicos.
Apenas o novo importa. Obras extraordinárias, reconhecidas pela
qualidade, deixam, de fato, de ser lidas. Poucos degustam os Quatro
Quartetos , de Eliot, um dos grandes do século XX, revolucionário e
conservador, voltado para o passado e o futuro, virulento e doce,
permanente e esquecido, célebre e ignorado.
Nos café franceses, por vezes, o passante surpreende-se com diálogos
sobre Proust, Flaubert, Stendhal … Por um momento, fulgurante, pode-se
imaginar que se discute um lançamento. O belo precisa ser visto e
revisto, fonte de todos os prazeres, inesgotável bebida do delírio; o
novo, em seu avanço inexorável, deve carregar as sementes da cultura
espalhadas ao longo dos séculos. Morre-se um pouco a cada esquecimento.
Eliot, mago da Terra Desolada , plantou, com East Coker , alguns dos
mais belos versos da história da literatura: “As casas vivem e morrem:
há um tempo para construir/E um tempo para viver e conceber/ E um tempo
para o vento estilhaçar as trêmulas vidraças/E sacudir o lambril onde
vagueia o rato silvestre …”
Na desmesurada paixão que nutro por Eliot, lago no qual banho sempre
as mãos vazias nas horas de cansaço, sinto-me repetindo um texto que
talvez já tenha escrito. Eliot empurra-me do fundo das páginas com outro
fragmento: “Enxuga tuas mãos, e ri: Os mundos se contorcem como velhas
mulheres/A juntar lenha nos terrenos baldios “.
Seria necessário copiá-lo freneticamente para fazer justiça à beleza de cada poema.
Por que falar de T. S. Eliot neste dia? Pela simples razão de que ele existiu e sua poesia espreita-nos com os olhos da sedução.
É pouco?
*
Passados quase 20 anos, com a morte de Gabriel García Márquez, percebo o óbvio: nasceu um clássico.
Gabo é tão grande quanto Cervante.
E Eliot.
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* Jornalista. Escritor. Sociólogo. Prof. Universitário. Cronista do Correio do Povo
Fonte: Correio do Povo online, 21/04/2014
Imagem da Internet: Gabriel Garcia Marquez
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