Manuel Forjaz*
Ao
contrário dos pobres, cujos pilares de vida foram devastados nos
últimos anos pela realidade e que, cada vez mais, fazem um esforço
tremendo para pagar as contas da água e da luz a tempo e horas ou comer
um bife, a classe média superior lusitana vive ancorada em mitos.
Casa grande com garagem para três carros e imensos halls, na Foz ou na Lapa, Lexus ou BMW, miúdos nos colégios privados, neve (Chamonix), férias de água quente no Índico, roupa de marca, relógios daqueles franceses com três nomes, almoços no Bica, uma parafernália de gadgets indizíveis, TV Cabo. O que me surpreende, quando analiso e penso na vida dos meus amigos muito bem-sucedidos lá fora, que trabalham em gabinetes 3x2 m na MTV em Los Angeles, que moram em casas com 60 m2 no Harlem, em Nova Iorque, que trabalham na Goldman Sachs mas deslocam-se de metro ou, no máximo, de bicicleta. Obviamente que as coisas têm importâncias relativas consoante a idade, o que já se conseguiu, os planos de vida, os hábitos locais, etc.
Na minha circunstância actual, pensar o sentido da vida faz um pouco mais de sentido do que para a maioria das pessoas. Olhando para trás, só fica uma pergunta: “Viveste a vida que pensaste, quiseste e escolheste?”
A vida deste segundo grupo de que falei é uma vida consciente? É a vida que eles determinaram que seria, a que os faria mais felizes?
Imaginemos, por um momento, uma família feliz: pai José, engenheiro de sistemas na PT (2.500 a 3.000 euros mês), mãe professora, filhos bons alunos, sem problemas. Conseguem ser felizes encarando um futuro em que os dias se repetem iguais?
Um dia o pai chega a casa, junta a família e diz: “Olhem não gosto do que faço 10 horas por dia, sou infelicíssimo, perdi a líbido, tomo quilos de pastilhas para dormir, não me sinto bem, a minha vida não faz sentido.
Toda a vida quis ser dono do meu tempo, quis usar o tempo para fazer coisas diferentes, para ter uma vida rica, cheia de sentido, estou-me a cagar para os óculos de marca e para as gravatas XPTO. Quero apenas ser dono de mim e estar mais tempo convosco e fazer coisas novas.
Concorri, fui aceite no Liceu da Amadora, fiz contas e, se vendermos a casa e formos viver para um T2 na Rinchoa, conseguimos viver acima da sobrevivência e eu poderei chegar a casa mais cedo e brincar com os miúdos; poderei finalmente aprender a tocar guitarra, velho sonho de 30 anos; poderei correr e pôr-me em forma; poderei colaborar no projecto dos homeless [sem-abrigo] locais nos quais a mãe sempre quis participar, onde participaríamos juntos... Materialmente, para todos, a vida não será tão abundante (acabou-se o Nesquik, a Sport TV, a neve) mas estaremos muito mais tempo juntos, de melhor humor. Claro que haverá menos Urban e ténis Adidas mas por cá continuarão as músicas, os livros, as conversas, mais jogos de futebol. Começaremos todos a pintar, mantêm-se os jantares (BYOB) com amigos. E o Pedro Nunes é um bom liceu…”
Como somos tão facilmente capazes de recusar a felicidade?
Melhor, porque é que ninguém, conhecendo a sua matriz de felicidade é capaz de mudar de vida?
Esta história é uma ilustração incompleta. Teremos de levar em consideração muitos outros factores, e obviamente o que querem a mulher e os filhos, os amigos, o resto da família. Mas digam lá a sério: a alternativa de felicidade apresentada não parece irresistível?
Estatisticamente, porém, quantos mudam? Eu conheci uma ou duas pessoas… e mesmo assim, com risco limitado.
Há três razões para não mudarmos: não somos capazes de desenhar um modelo de vida novo; tendo tudo, não percebemos qual é o incentivo à mudança; tememos cansar-nos do que ainda nem sequer experimentámos: “E se depois me farto da guitarra?” Assim, deixamo-nos contaminar pela resposta dos grupos de referência e pelas nossas circunstâncias, além da desconfiança que geraríamos nos outros, esses que naturalmente se afastariam dos novos freaks do bairro… Aceitamos a frase: DEIXA-TE DE AVENTURAS…
Casa grande com garagem para três carros e imensos halls, na Foz ou na Lapa, Lexus ou BMW, miúdos nos colégios privados, neve (Chamonix), férias de água quente no Índico, roupa de marca, relógios daqueles franceses com três nomes, almoços no Bica, uma parafernália de gadgets indizíveis, TV Cabo. O que me surpreende, quando analiso e penso na vida dos meus amigos muito bem-sucedidos lá fora, que trabalham em gabinetes 3x2 m na MTV em Los Angeles, que moram em casas com 60 m2 no Harlem, em Nova Iorque, que trabalham na Goldman Sachs mas deslocam-se de metro ou, no máximo, de bicicleta. Obviamente que as coisas têm importâncias relativas consoante a idade, o que já se conseguiu, os planos de vida, os hábitos locais, etc.
Na minha circunstância actual, pensar o sentido da vida faz um pouco mais de sentido do que para a maioria das pessoas. Olhando para trás, só fica uma pergunta: “Viveste a vida que pensaste, quiseste e escolheste?”
A vida deste segundo grupo de que falei é uma vida consciente? É a vida que eles determinaram que seria, a que os faria mais felizes?
Imaginemos, por um momento, uma família feliz: pai José, engenheiro de sistemas na PT (2.500 a 3.000 euros mês), mãe professora, filhos bons alunos, sem problemas. Conseguem ser felizes encarando um futuro em que os dias se repetem iguais?
Um dia o pai chega a casa, junta a família e diz: “Olhem não gosto do que faço 10 horas por dia, sou infelicíssimo, perdi a líbido, tomo quilos de pastilhas para dormir, não me sinto bem, a minha vida não faz sentido.
Toda a vida quis ser dono do meu tempo, quis usar o tempo para fazer coisas diferentes, para ter uma vida rica, cheia de sentido, estou-me a cagar para os óculos de marca e para as gravatas XPTO. Quero apenas ser dono de mim e estar mais tempo convosco e fazer coisas novas.
Concorri, fui aceite no Liceu da Amadora, fiz contas e, se vendermos a casa e formos viver para um T2 na Rinchoa, conseguimos viver acima da sobrevivência e eu poderei chegar a casa mais cedo e brincar com os miúdos; poderei finalmente aprender a tocar guitarra, velho sonho de 30 anos; poderei correr e pôr-me em forma; poderei colaborar no projecto dos homeless [sem-abrigo] locais nos quais a mãe sempre quis participar, onde participaríamos juntos... Materialmente, para todos, a vida não será tão abundante (acabou-se o Nesquik, a Sport TV, a neve) mas estaremos muito mais tempo juntos, de melhor humor. Claro que haverá menos Urban e ténis Adidas mas por cá continuarão as músicas, os livros, as conversas, mais jogos de futebol. Começaremos todos a pintar, mantêm-se os jantares (BYOB) com amigos. E o Pedro Nunes é um bom liceu…”
Como somos tão facilmente capazes de recusar a felicidade?
Melhor, porque é que ninguém, conhecendo a sua matriz de felicidade é capaz de mudar de vida?
Esta história é uma ilustração incompleta. Teremos de levar em consideração muitos outros factores, e obviamente o que querem a mulher e os filhos, os amigos, o resto da família. Mas digam lá a sério: a alternativa de felicidade apresentada não parece irresistível?
Estatisticamente, porém, quantos mudam? Eu conheci uma ou duas pessoas… e mesmo assim, com risco limitado.
Há três razões para não mudarmos: não somos capazes de desenhar um modelo de vida novo; tendo tudo, não percebemos qual é o incentivo à mudança; tememos cansar-nos do que ainda nem sequer experimentámos: “E se depois me farto da guitarra?” Assim, deixamo-nos contaminar pela resposta dos grupos de referência e pelas nossas circunstâncias, além da desconfiança que geraríamos nos outros, esses que naturalmente se afastariam dos novos freaks do bairro… Aceitamos a frase: DEIXA-TE DE AVENTURAS…
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* Empresário. Professor.
Fonte: http://www.sabado.pt/ 04/2014
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