sexta-feira, 4 de abril de 2014

Ela: a felicidade que habita a ausência

 Carlos Batalha*
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 Quando a felicidade não é ter tudo, mas justamente 
não ter quase nada e, assim, ser feliz desejando
 o que não se tem.

Bem, não vou me estender no resumo do filme Ela. Nem numa crítica. Há bons textos aqui mesmo na Obvious analisando o filme. Grosso modo, um cara, Theodore (Joaquin Phoenix), se apaixona pelo sistema operacional de suas traquitanas tecnológicas. Na verdade, se apaixona pela voz que interage com ele. Tá certo que não é qualquer voz, é a de Scarlett Johansson, mesmo assim ainda é a um sistema operacional. Vamos lá.

Carente, recém saído de um relacionamento, Theodore se envolve com aquela voz. Faz dela sua companheira, seu amor. Apenas uma voz de alguém que não existe nem nunca vai existir. Mas é justamente nesse absurdo da ausência que a felicidade dele habita.

E o que é felicidade? Sempre que se fala em felicidade, associamos termos como buscar, querer, e condicionais como "seria feliz se tal coisa houvesse". Como disse Woody Allen "como eu seria feliz se eu fosse feliz". A felicidade, então, é alcançar as coisas que nos faltam. E, se não as temos, as desejamos. Então, a busca da felicidade se motiva no desejo de ter o que não temos. A felicidade plena seria, como disse Kant, a "totalidade das satisfações possíveis". Mas, se tivessemos tudo, seríamos plenamente felizes?

Oscar Wilde dizia que há duas tragédias na existência: não conseguir satisfazer todos os desejos e conseguir satisfazer todos os desejos. Afinal, passada a satisfação instantânea dos desejos realizados, o êxtase viraria um tédio sem objetivos, sem novidades. E a felicidade estaria na realização do desejo de sair do tédio causado pela felicidade. Então, é o desejo que nos motiva, como em Sartre, onde "o homem é fundalmentalmente desejo de ser", e "desejo é falta". 

E o amor? Em Platão, "o que não temos, o que não somos, o que nos falta, eis os objetos do desejo e do amor". Ora, a voz do sistema operacional não é uma presença, é uma ausência. A ausência de alguém. E justo aí habita o desejo. Nessa ausência, Theodore pode ter a mulher que lhe completa. Quando o sistema operacional convida uma moça para fingir ser ela, a presença não o satisfaz. A vizinha também carente, com tantas coisas em comum, tão próxima, também não desperta interesse.

E, como já citei Wilde em Oscar, nem a presença da Olivia lhe traz felicidade. Olivia Wilde, ali, presente, não substitui o desejo que ele tinha por aquilo que sabidamente nunca iria ter. O amor dele estava no que não havia.

A voz era a felicidade plena. Não a que satisfaz todos os desejos, mas a felicidade de desejar o que se quer ideal. Nela ele tinha tudo o que queria, justamente por não ter nada.
Na ausência tudo cabe. Na presença só cabe aquilo que se é. 
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*Arquitetura e urbanismo por formação, estratégia digital por profissão, leituras por diversão.
Fonte: © obvious: http://lounge.obviousmag.org/do_zepelim/2014/04

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