Carlos Batalha*
Quando a felicidade não é ter tudo, mas justamente
não ter quase nada e, assim, ser feliz desejando
o que não se tem.
Bem, não vou me estender no resumo do filme Ela. Nem numa crítica. Há
bons textos aqui mesmo na Obvious analisando o filme. Grosso modo, um
cara, Theodore (Joaquin Phoenix), se apaixona pelo sistema operacional
de suas traquitanas tecnológicas. Na verdade, se apaixona pela voz que
interage com ele. Tá certo que não é qualquer voz, é a de Scarlett
Johansson, mesmo assim ainda é a um sistema operacional. Vamos lá.
Carente, recém saído de um relacionamento, Theodore se envolve com
aquela voz. Faz dela sua companheira, seu amor. Apenas uma voz de alguém
que não existe nem nunca vai existir. Mas é justamente nesse absurdo da
ausência que a felicidade dele habita.
E o que é felicidade? Sempre que se fala em felicidade, associamos
termos como buscar, querer, e condicionais como "seria feliz se tal
coisa houvesse". Como disse Woody Allen "como eu seria feliz se eu fosse
feliz". A felicidade, então, é alcançar as coisas que nos faltam. E, se
não as temos, as desejamos. Então, a busca da felicidade se motiva no
desejo de ter o que não temos. A felicidade plena seria, como disse
Kant, a "totalidade das satisfações possíveis". Mas, se tivessemos tudo,
seríamos plenamente felizes?
Oscar Wilde dizia que há duas tragédias na existência: não conseguir
satisfazer todos os desejos e conseguir satisfazer todos os desejos.
Afinal, passada a satisfação instantânea dos desejos realizados, o
êxtase viraria um tédio sem objetivos, sem novidades. E a felicidade
estaria na realização do desejo de sair do tédio causado pela
felicidade. Então, é o desejo que nos motiva, como em Sartre, onde "o
homem é fundalmentalmente desejo de ser", e "desejo é falta".
E o amor? Em Platão, "o que não temos, o que não somos, o que nos
falta, eis os objetos do desejo e do amor". Ora, a voz do sistema
operacional não é uma presença, é uma ausência. A ausência de alguém. E
justo aí habita o desejo. Nessa ausência, Theodore pode ter a mulher que
lhe completa. Quando o sistema operacional convida uma moça para fingir
ser ela, a presença não o satisfaz. A vizinha também carente, com
tantas coisas em comum, tão próxima, também não desperta interesse.
E,
como já citei Wilde em Oscar, nem a presença da Olivia lhe traz
felicidade. Olivia Wilde, ali, presente, não substitui o desejo que ele
tinha por aquilo que sabidamente nunca iria ter. O amor dele estava no
que não havia.
A voz era a felicidade plena. Não a que satisfaz todos os desejos,
mas a felicidade de desejar o que se quer ideal. Nela ele tinha tudo o
que queria, justamente por não ter nada.
Na ausência tudo cabe. Na presença só cabe aquilo que se é.
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