Marcelo Gleiser*
Na física moderna, o espaço vazio, o 'Nada', pode abrigar flutuações capazes de dar origem a todo um universo
Recentemente, envolvi-me num debate com o físico Lawrence Krauss, que
publicou um livro no qual afirma que a física hoje explica como o
Universo surgiu do nada. Ou seja, a velha questão da Criação sob
roupagem científica, e mais um exemplo de arrogância intelectual.
É bom começar com Aristóteles, que decidiu que a "natureza detesta o
vácuo", declarando que o "nada" não existe, ao menos como vazio
absoluto. Para ele, o espaço era pleno de éter, a substância dos
planetas e demais objetos celestes.
No século 17, Descartes também propôs que a natureza era plena. Os
planetas eram carregados em torno do Sol por redemoinhos celestes,
criados pela circulação duma substância que enchia o espaço.
Newton mostrou que Descartes estava errado, argumentando que a fricção
causaria a queda da Lua sobre a Terra. Para ele, a gravidade podia ser
explicada por uma força à distância, agindo no vazio.
Esse pingue-pongue continuou até o século 19, quando James Maxwell
mostrou que a luz é uma onda eletromagnética. Como toda onda, precisava
dum meio para se propagar. Maxwell e outros sugeriram o éter, diferente
do dos gregos, mas que preenchia o espaço sem provocar fricção nas
órbitas celestes.
Em 1905, Einstein mostrou que o éter era desnecessário: as ondas de luz
podem se propagar no espaço vazio. Mais uma vez, o éter some.
Em torno da mesma época veio a mecânica quântica, para explicar a física
dos átomos. Foi então que tudo mudou: as regras no mundo dos átomos são
diferentes das do nosso mundo. Mais precisamente, seus efeitos existem
no nosso mundo, mas são imperceptíveis.
No mundo atômico, nada para. A matéria vibra incessantemente, feito
gelatina sacudida. Se você tenta localizar um elétron num ponto do
espaço, ele escapa feito uma gota de mercúrio. Esse é o princípio da
incerteza de Heisenberg, que impõe um limite absoluto na informação que
podemos obter do mundo.
Como movimento tem energia, o princípio também diz que a energia nunca é
zero. Na física moderna, representamos uma partícula como excitação de
um campo. O espaço é permeado por campos que, de vez em quando, criam
partículas.
Os campos vibram incessantemente e, com isso, podem criar partículas com
energias variadas: quanto maior a energia, menos tempo essas partículas
duram, retornando ao "nada" de onde vieram, o campo vazio (ou vácuo).
Se incluirmos a gravidade nesse esquema, e entendendo que é interpretada
como a curvatura do espaço causada pela matéria, flutuações quânticas
no campo gravitacional levam à flutuações na curvatura do espaço.
Temos, então, o espaço vazio, o "Nada", onde uma flutuação pode levar a
uma bolha de espaço, um cosmoide que pode crescer e se transformar num
universo inteiro.
É assim que a cosmologia descreve a criação do Universo a partir do
nada. Esse tipo de explicação pressupõe toda uma estrutura conceitual, e
não faz sentido sem ela. Já não basta celebrar a inventividade humana,
capaz de criar teorias desse tipo, sem ter de elevá-la a um nível
divino? Parece-me óbvio que a mente humana não pode criar num vácuo: o
"nada" absoluto é importante como instrumento metafísico, mas sem
importância no mundo real.
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*MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita". Facebook: goo.gl/93dHIFonte: Folha on line, 10/06/2012
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