domingo, 10 de junho de 2012

A mulher das malas

Juremir Machado da Silva*

<br /><b>Crédito: </b> ARTE JOÃO LUIZ XAVIER
Poderia ser o título de um romance policial de Georges Simenon: "A Mulher das Malas". Ou "O Caso das Malas". Assim como ele escreveu "O Homem do Banco". Nos livros do grande Simenon, há sempre uma pergunta explícita ou implícita: por que o homem mata? O crime de São Paulo, esse em que a mulher matou, esquartejou o marido e transportou o corpo em três malas, todo mundo está se fazendo a mesma pergunta: de onde uma mulher tira coragem e habilidade para esquartejar o marido dentro de casa? Há quem não suporte sequer a visão de um cadáver. Mais complicado ainda é se ver sozinho diante de um morto. Agora, arrastar o presunto e esquartejá-lo como um boi exige técnica, perícia, frieza e, talvez, uma raiva fria.

"Raiva fria" é uma expressão da qual tomei conhecimento pela boca de um velho policial quando estava escrevendo meu romance "Adiós, Baby". Segundo ele, em certos crimes só essa tal raiva fria explica o impossível. A assassina de São Paulo conhecia técnicas cirúrgicas para cortar o corpo. Ela, o marido e a filha viviam num apartamento cheio de armas. O sujeito teria lhe dado um tapa na cara antes de receber o tiro fatal. Ela o teria matado por ciúme. Até aí, de certo modo, só mais um crime passional na interminável história dos crimes passionais. O que chama mais atenção, contudo, é uma mistura de extrema frieza com estupidez. Há, claro, a estupidez do ato criminoso, que destrói a vida da vítima e também, de alguma forma, a do criminoso. Mas há também a estupidez dos procedimentos para encobrir o crime.

A assassina mostrou aparentemente certa burrice estonteante. Saiu com as malas, sob o olhar das câmeras de segurança, e voltou inexplicavelmente sem elas, já com a notícia correndo do desaparecimento do marido. Depois, doou armas para a guarda de São Paulo, chamando atenção para si. Meu inspetor particular, René Manhãs, diria: ela não o esquartejou para esconder o corpo, mas para completar a sua vingança contra o homem que a traía. Diria mais: ela queria ser presa, buscava o reconhecimento público pelo seu ato, desejava inconscientemente que todos soubessem do que fizera. Pode ser. A cena macabra, porém, da mulher esquartejando o cadáver no quarto da empregada cola na retina de qualquer um. Como conseguiu? Como não se esvaiu vomitando? Como não desmaiou? Como não se pôs a gritar como uma louca?

Outro olhar sobre esse tipo de situação dispara logo um diagnóstico: doença. Uma psicopata. Entre perder o marido para a outra e fazê-lo desaparecer, fez a segunda opção. Por um segundo, ao menos, muita gente pensa: que medo! E se um dia isso acontece comigo. Se mato, se morro. Viver é realmente uma grande aventura cotidiana. Não se está seguro em lugar algum. O fim pode chegar logo depois de uma pizza entregue por um motoboy. O assassino pode dormir na mesma cama da gente. Ou ser a gente. Alguns se tranquilizam lembrando que não conseguem destroçar sequer uma asa de galinha. Fica a pergunta: por que uma mulher esquarteja o homem que pensa e diz amar?
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* Sociólogo. Prof. Universitário. Escritor. Colunista do Correio do Pvo
 juremir@correiodopovo.com.br
Fonte: Correio do Povo, 09/06/2012
 Crédito: ARTE JOÃO LUIZ XAVIER

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