domingo, 10 de junho de 2012

Que é melhor: o dia ou a noite?

Rubem Alves*
 
Do meu apartamento no 11º andar, olhando para o Leste, eu via a Lua crescendo a cada noite. Havia mistério no seu macio brilho branco. Fiquei tão fascinado — inexplicavelmente, porque eu já havia visto muitas luas cheias na minha vida... — que resolvi mandar e-mails para os meus amigos sugerindo que deixassem por alguns momentos as notícias efêmeras da TV e olhassem para o assombro astronômico, estético e feiticeiro da Lua.
Ai recebi um e-mail de um amigo, doutor Egberto Turato, que encaminho para vocês mesmo sem ter pedido licença para o autor. Ele me perdoará...

“Neste sábado, 5 de maio, vocês — apaixonados — já têm um compromisso. Olhar para o Céu e contemplar a maior Lua cheia dos últimos 19 anos. Às 23h35.

Confesso. Não sou do Sol. Eu sou da Lua! Raio solar ofusca ideias. Confunde sensações. Luar instiga pensamentos. Atiça percepções. As luzes do dia escancaram pessoas. As sombras da noite desvelam sujeitos. A claridade nos põe a nu ainda que estejamos vestidos. A penumbra nos recobre com seu manto ainda que estejamos despidos.

Sol é para trabalhar (que dureza!). Lua é para vadiar (que delícia!). O dia é do trampo. A noite é da balada.
Um encontro agendado às claras é para obscurecer os fatos. Um encontro desejado às escuras é para clarear as vivências. O dia é para reunião de homens que se pensam sérios. A noite é para partilha de gentes que se desejam risonhas. Na luz do dia, entra-se na fila do banco, na fila do açougue, na fila da farmácia. No brilho da noite, vai-se ao cinema, ao teatro, ao concerto. O que é mais prazeroso?

A Biofísica não explica como pode haver dois ruídos, sem significativas diferenças de propriedades sonoras entre si, ambos captados fisiologicamente do mesmo modo pelo sentido auditivo humano, porém um percebido como perturbador do sono e o outro não.

A resposta está nos significados que têm o Dia e a Noite, embora haja exceções para ambos os lados. À luz solar, os ruídos frequentemente incomodam: veículos buzinando nas esquinas, gentes tagarelando nos locais de trabalho, crianças gritando nos pátios das escolas, furadeiras atritando nas construções, faxineiros aspirando pó, pessoas gargalhando nas ruas, maquinários rangendo nas fábricas, bebuns berrando nos botecos.

Ao luar, no entanto, os ruídos em sua maioria são musicalizados e nos embalam: galos anunciando a madrugada, gatos miando nos muros, grilos cantando nos jardins, namorados cochichando ao ouvido, artistas soando violão em barzinhos.
O Sol incandesce e proíbe de ser visto. A Lua faz-se ver como um queijo... ai que vontade que dá!

O Sol é egoísta. Brilha tão intenso que não conseguimos ver os outros astros que estão lá atrás, de verdade, no espaço sideral durante o dia.

A Lua, não. Não quer roubar a cena de ninguém. Contenta-se em refletir raios de luz que a tangem. Conseguimos, na noite, ver as zilhões de outras estrelas, os planetas e até os esporádicos visitantes como os cometas.
Sol esquenta os briguentos. Lua é dos enamorados (sempre se soube disso...).

O Sol é uma bola sempre, não é pedagógico. A Lua tem fases, leva-nos ao aprendizado sobre a vida.
Quem consegue mirar o Sol ainda que por segundos? Galileu observou a Lua, observou, observou, observou...
Sol, não se aproxime, você ferve miolos! Você é grandão; assusta. Lua, chegue pertinho, você refresca a mente! Você é pedaço; dá leveza.

O Sol reina absoluto; obriga arrogantemente a Terra e seus irmãos-planetas a gravitarem em torno dele. Coitado! Um agregador sociológico, mas um solitário psicológico.

A Lua não quer governar; aceita humildemente girar em torno de nosso Planeta-Pátria. Bem-aventurada! Uma solitária em inter-relações celestes, mas uma agregadora de afetos.

Luis XIV gaba-se de ser o Rei-Sol. O Estado era ele. Pronto. Pobre alma com psicopatologia narcísica. Desconheço que alguma mulher, grande governante, pretendesse se arrogar com o título de Rainha-Lua. Imperatrizes, primeiras ministras, grandes empresárias não se identificam com um satélite. Satélite, rica alma: detém a bela psicologia do estar a serviço.

Ok, tudo isso é terna Poesia. Na frieza do discurso da Sra. Ciência, a verdade é inversa. Se o Sol se apagar, nossas vidas inexoravelmente sumirão. Se a Lua desprender-se para um ponto longínquo do Universo, é provável que pouco se alterará na terrestre biologia.

Acontece que a verdade poética é o avesso da verdade científica. No Sol se fez o Dia e ele regeu nossa Evolução. Porém na Lua se fez a Noite e ela nos deu a primazia dos Sentidos. O Sol permitiu a matéria. Importante e inferior. A Lua saltou-nos para o Símbolo. Relevante e sublime.

Querem me convidar pra jogar papo fora? Pra degustar um vinho tinto encorpado? Pra rir das coisas pequenas? Pra ouvir aquela canção na cítara?

Então esperem o Sol se pôr. Esperem a Lua aparecer. E me chamem...”

PS: Vai demorar para acontecer de novo, a Lua chegar tão perto. Não importa. Mesmo as luas cheias comuns, aquelas que entram pela minha janela, são todas maravilhosas...
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* Teólogo. Educador. Escritor. Cronista do Correio Popular
Fonte: Correio Popular on line, 10/06/2012
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