(Texto de Lígia Fagundes Telles)
Lygia Fagundes Telles é umas das maiores escritoras vivas atualmente |
“Eu vi ainda
debaixo do sol
que a corrida não é
para os mais ligeiros,
nem a batalha
para os mais fortes,
nem o pão
para os mais sábios,
nem as riquezas
para os mais inteligentes,
mas tudo depende
do tempo
e do acaso.”
(Eclesiastes)
Ao
tempo e ao acaso eu acrescento o grão de imprevisto. E o grão da
loucura, a razoável loucura que é infinita na nossa finitude. Vejo
minha vida e obra seguindo assim por trilhos paralelos e tão próximos,
trilhos que podem se juntar (ou não) lá adiante mas tudo sem explicação,
não tem explicação.
Os
leitores pedem explicações, são curiosos e fazem perguntas. Respondo.
Mas se me estendo nas respostas, acabo por pular de um trilho para outro
e começo a misturar a realidade com o imaginário, faço ficção em cima
de ficção, Ah! Tanta vontade (disfarçada) de seduzir o leitor, esse
leitor que gosta do devaneio.Do sonho. Queria estimular sua fantasia mas
agora ele está pedindo lucidez, quer a luz da razão.
Não
gosto de teorizar porque na teoria acabo por me embrulhar feito um
caramelo em papel transparente, me dê um tempo! Eu peço. Quero ficar
fria, espera. Espera que estou me aventurando na busca das descobertas. “Devagar já é pressa!”, disse Guimarães Rosa. Preciso agora atravessar o cipoal dos detalhes e são tantos!
E tamanha a minha perplexidade diante do processo criador, Deus! Os
indevassáveis signos e símbolos. Ainda assim, avanço em meio da névoa,
quero ser clara em meio desse claro que de repente ficou escuro, estou
perdida?
Mais
perguntas, como nasce um conto? E um romance? Recorro a uma certa aula
distante (Antonio Candido) onde aprendi que num texto literário há
sempre três elementos: a idéia, o enredo e a personagem. A personagem,
que pode ser aparente ou inaparente, não importa. Que pode ser única ou
se repetir, tive uma personagem que recorreu à máscara para não ser
descoberta, quis voltar num outro texto e usou disfarce, assim como faz
qualquer ser humano para mudar de identidade.
Na tentativa de reter o questionador, acabo por inventar uma figuração na qual a idéia é representada por uma aranha. A
teia dessa aranha seria o enredo. A trama. E a personagem, o inseto que
chega naquele vôo livre e acaba por cair na teia da qual não consegue
fugir, enleado pelos fios grudentos. Então desce (ou sobe) a aranha e
nhac! Prende e suga o inseto até abandoná-lo vazio. Oco.
O
questionador acha a imagem meio dramática mas divertida,consegui
fazê-lo sorrir? Acho que sim. Contudo, há aquele leitor desconfiado, que
não se deixou seduzir porque quer ver as personagens em plena liberdade
e nessa representação elas estão como que sujeitas a uma destinação. A
uma condenação. E cita Jean-Paul Sartre que pregava a liberdade também para as personagens, ah! Odiosa essa fatalidade dos seres humanos (inventados ou não) caminhando para o bem e para o mal. Sem mistura.
Começo
a me sentir prisioneira dos próprios fios que fui inventar,melhor
voltar às divagações iniciais onde vejo (como eu mesma) o meu próximo
também embrulhado. Ou embuçado? Desembrulhando esse próximo, também vou me revelando e na revelação, me deslumbro para me obumbrar novamente nesta viragem-voragem do ofício.
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(TELLES, Lygia Fagundes. Durante aquele estranho chá: perdidos e achados. Editora Rocco, Rio: 2002)
Fonte: http://luzecalor.blogspot.fr/04/05/2013
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