domingo, 5 de maio de 2013

Mysterium



Lygia Fagundes Telles é umas das maiores escritoras vivas atualmente

“Eu vi ainda 
debaixo do sol 
que a corrida não é 
para os mais ligeiros, 
nem a batalha 
para os mais fortes, 
nem o pão 
para os mais sábios, 
nem as riquezas 
para os mais inteligentes,
mas tudo depende 
do tempo 
e do acaso.” 
(Eclesiastes) 

Ao tempo e ao acaso eu acrescento o grão de imprevisto. E o grão da loucura, a razoável loucura que é infinita na nossa finitude. Vejo minha vida e obra seguindo assim por trilhos paralelos e tão próximos, trilhos que podem se juntar (ou não) lá adiante mas tudo sem explicação, não tem explicação. 

Os leitores pedem explicações, são curiosos e fazem perguntas. Respondo. Mas se me estendo nas respostas, acabo por pular de um trilho para outro e começo a misturar a realidade com o imaginário, faço ficção em cima de ficção, Ah! Tanta vontade (disfarçada) de seduzir o leitor, esse leitor que gosta do devaneio.Do sonho. Queria estimular sua fantasia mas agora ele está pedindo lucidez, quer a luz da razão.

Não gosto de teorizar porque na teoria acabo por me embrulhar feito um caramelo em papel transparente, me dê um tempo! Eu peço. Quero ficar fria, espera. Espera que estou me aventurando na busca das descobertas. “Devagar já é pressa!”, disse Guimarães Rosa. Preciso agora atravessar o cipoal dos detalhes e são tantos! E tamanha a minha perplexidade diante do processo criador, Deus! Os indevassáveis signos e símbolos. Ainda assim, avanço em meio da névoa, quero ser clara em meio desse claro que de repente ficou escuro, estou perdida? 

Mais perguntas, como nasce um conto? E um romance? Recorro a uma certa aula distante (Antonio Candido) onde aprendi que num texto literário há sempre três elementos: a idéia, o enredo e a personagem. A personagem, que pode ser aparente ou inaparente, não importa. Que pode ser única ou se repetir, tive uma personagem que recorreu à máscara para não ser descoberta, quis voltar num outro texto e usou disfarce, assim como faz qualquer ser humano para mudar de identidade. 

Na tentativa de reter o questionador, acabo por inventar uma figuração na qual a idéia é representada por uma aranha. A teia dessa aranha seria o enredo. A trama. E a personagem, o inseto que chega naquele vôo livre e acaba por cair na teia da qual não consegue fugir, enleado pelos fios grudentos. Então desce (ou sobe) a aranha e nhac! Prende e suga o inseto até abandoná-lo vazio. Oco. 

O questionador acha a imagem meio dramática mas divertida,consegui fazê-lo sorrir? Acho que sim. Contudo, há aquele leitor desconfiado, que não se deixou seduzir porque quer ver as personagens em plena liberdade e nessa representação elas estão como que sujeitas a uma destinação. A uma condenação. E cita Jean-Paul Sartre que pregava a liberdade também para as personagens, ah! Odiosa essa fatalidade dos seres humanos (inventados ou não) caminhando para o bem e para o mal. Sem mistura.

Começo a me sentir prisioneira dos próprios fios que fui inventar,melhor voltar às divagações iniciais onde vejo (como eu mesma) o meu próximo também embrulhado. Ou embuçado? Desembrulhando esse próximo, também vou me revelando e na revelação, me deslumbro para me obumbrar novamente nesta viragem-voragem do ofício. 
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(TELLES, Lygia Fagundes. Durante aquele estranho chá: perdidos e achados. Editora Rocco, Rio: 2002)
Fonte: http://luzecalor.blogspot.fr/04/05/2013

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