LUIS FERNANDO VERÍSSIMO*
Perguntaram ao escritor sulista americano William
Faulkner como ele explicava o florescimento literário havido no Sul dos
Estados Unidos depois da Guerra Civil e sua resposta foi sucinta: "Nós
perdemos". A humilhação da derrota e o fim de um tipo de vida explicavam
a literatura, que misturava nostalgia, decadência, romantismo sombrio e
um certo preciosismo "faisandé". O estilo perdurou até autores modernos
como Truman Capote, Carson McCullers, Flannery O'Connor, Tennessee
Williams e o próprio Faulkner, e ganhou um nome: "gótico sulista". O Sul
perdeu a guerra, mas criou um gênero.
Quando o Homero disse (se é que disse mesmo, nada que se sabe de
Homero é cem por cento certo, nem a sua existência) que as guerras
aconteciam para serem cantadas pelos poetas, não queria dizer que a arte
compensava tudo. Ou queria? Contam que um grupo de oficiais nazistas
foi visitar o atelier do Picasso durante a ocupação de Paris e, vendo
uma reprodução do seu quadro Guernica, a dramática recriação da
destruição daquela pequena cidade pelos alemães na Guerra Civil
espanhola, um deles comentou: "Ah, foi você que fez isso, não foi?". Ao
que Picasso teria respondido: "Não, foram VOCÊS que fizeram isso". Por
um tortuoso raciocínio homérico se poderia concluir que os alemães foram
coautores da pintura. Pelo mesmo raciocínio, louve-se a perseguição
fascista na Europa pelo exílio de tantas mentes superiores e tanto
talento na América, louve-se a escravatura pela nossa rica cultura negra
e louve-se as agruras do nosso agreste pelos bons escritores e artistas
nordestinos.
Tudo isso foi sintetizado naquela célebre fala que deram para o Orson
Welles (há quem diga que a fala foi escrita pelo próprio Welles) no
filme O Terceiro Homem, adaptado de um romance do Graham
Greene. Para justificar seu mau caráter, Welles compara a conturbada
história da Itália antes da unificação com a milenar placidez da Suíça.
Enquanto a Itália, junto com conspiradores, corruptos e canalhas tinha
produzido alguns dos maiores gênios da humanidade, a bem-comportada
Suíça só produzira - o relógio cuco.
Mas a ideia de que a arte compensa qualquer barbaridade é perigosa.
Melhor dizer que os eventuais benefícios de crimes históricos não os
absolvem. São efeitos acidentais, como certos queijos que descendem do
leite estragado. E você, prefere a paz que só produz o relógio cuco ou a
confusão que produz dois, três, muitos leonardos da vinci?
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* Jornalista. Escritor
Fonte: Estadão on line, 01/08/2013
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