Sua caneca de escritório quebrou e você não tem um copo descartável
para o café. Por que não imprimir uma nova? Basta escolher um modelo na
internet, baixar o arquivo com o desenho em três dimensões e clicar em
"print". E não precisa mexer o açúcar sacudindo a caneca. Imprimir uma
colherzinha é ainda mais rápido e barato. Pode parecer coisa da família
Jetsons, mas já faz alguns anos que criar objetos com uma impressora em
casa não tem nada de ficção científica. Na verdade, a tecnologia não
apenas já existe como é bastante acessível, a ponto de muita gente estar
fazendo isso por pura diversão. Mas a brincadeira é coisa séria: essas
impressoras têm sido consideradas o início de uma nova revolução
industrial, capaz de mudar para sempre o modo como se criam e se
consomem manufaturas. Antes disso, porém, podemos esperar que sejam
protagonistas de grandes disputas na Justiça.
Provavelmente, você se lembra de uma outra revolução, que começou com
a popularização da música e dos vídeos digitais e do compartilhamento
desse conteúdo em sites. O conteúdo se tornou mais acessível para o
público, que aproveitou a onda, apesar da ilegalidade. Produzir e
distribuir esse tipo de conteúdo também se tornou mais fácil, dando
força a artistas independentes. Para a indústria, tudo isso era uma
ameaça. Tanto a pirataria quanto os artistas que corriam por fora do
"mainstream" eram uma ameaça a um velho modelo de negócio, baseado na
produção e distribuição de conteúdo em bens físicos - na época, os CDs. A
indústria apelou para a Justiça, mas logo viu que a única saída era
rever seus conceitos. O setor agora se recupera após uma boa dose de
inovação - com salas de cinema 3D e Imax, lojas virtuais e serviços de
música e vídeo em "streaming", sob demanda. É exatamente esse ciclo de
crise e reforma que as impressoras 3D podem representar para a indústria
de manufaturas - um colosso que fatura trilhões de dólares por ano. A
brincadeira é séria mesmo.
"No modelo fordista, produzimos um milhão de objetos a partir de um
molde. Com a impressão 3D podemos produzir objetos sob medida, como
óculos para seu próprio rosto ou sapatos para a forma exata de seus
pés", diz Tomás Díez, diretor do Fab Lab de Barcelona, centro de
inovação dedicado à pesquisa e ao livre compartilhamento de informações
para explorar a nova tecnologia em todos os seus limites. Ou seja, mais
do que fazer uma caneca em casa, essa tecnologia permite fazer peças
personalizadas, no tamanho ou formato que você precisar, com seu nome ou
mesmo seu próprio rosto impresso em relevo. "Estamos mudando da época
da produção em série e padronizada para a produção personalizada, para
aplicações específicas." Enquanto a linha de produção concluiu o
conjunto de invenções que viabilizou a chamada Segunda Revolução
Industrial, a chegada dessas impressoras tem sido considerada o pontapé
inicial de uma terceira, em que o valor está mais na singularidade e
personalização de cada manufatura do que no ganho de escala.
Apesar de seu enorme potencial de inovação, as impressoras 3D são
adaptações de uma velha conhecida: a de jato de tinta. Uma diferença é
que o bico de "tinta" se movimenta em três direções em relação ao
impresso (na verdade, é o suporte que se move na maioria dos modelos).
Além de andar de um lado para o outro, ele sobe, para aplicar sucessivas
camadas de tinta, uma sobre a outra. É o que se chama de "manufatura
aditiva", em oposição à técnica tradicional, que consiste em retirar
partes de um material bruto até esculpir a forma desejada.
A outra diferença dessas impressoras para as de jato de tinta está na
"tinta", é claro. Em vez de preto, amarelo, cian e magenta, as
impressoras 3D usam uma infinidade de materiais. Os mais populares são
tipos de plástico. O ABS, polímero de petróleo, ainda é o mais comum,
mas rapidamente perde terreno para o PLA. Feito de milho, matéria-prima
renovável, é biodegradável e mais barato, além de não ter cheiro de
queimado quando aquecido. Nos dois casos, o "cartucho" da impressora é
um carretel de fio de plástico, de aproximadamente 2 mm de diâmetro, que
a máquina derrete para injetar conforme a "receita" do arquivo 3D. Ao
ser aplicado, ele esfria e se solidifica de volta. As impressoras mais
sofisticadas são capazes de usar uma infinidade de outros materiais,
incluindo vidro, metal e até tecidos biológicos. Mudando a "tinta",
abre-se um mundo de possibilidades. Hoje, as impressoras 3D são usadas
experimentalmente para replicar até órgãos e vasos sanguíneos, usando
células vivas como matéria-prima.
Impressoras 3D são usadas, em fase
experimental,
para replicar órgãos e vasos sanguíneos,
usando células
vivas como matéria-prima
Na indústria, essas impressoras já passaram da fase experimental. São
usadas em cada vez mais fábricas, na produção de protótipos, de modo
muito mais rápido e barato. "A prototipagem era muito cara, feita em
institutos especiais de tecnologia. Com essa tecnologia, as empresas
podem fazer isso in loco, nas suas próprias dependências", explica Ana
Arroio, gerente de inovação da Federação das Indústrias do Rio de
Janeiro (Firjan). Muitas vezes, o custo de produção de uma única peça
com as tecnologias tradicionais é maior do que o de uma impressora 3D,
que pode fazer centenas ou milhares de peças. Para o produto final, a
qualidade e o custo da nova técnica geralmente não se aplicam. Para
testes, no entanto, a impressão 3D é perfeita. "Por aqui, o uso ainda é
incipiente, mas os brasileiros são rápidos na adesão a novas
tecnologias", diz Ana. Ela conta que as indústrias automobilística e
aeroespacial foram as primeiras a adotar a novidade no país, mas que em
breve a tecnologia vai pegar em outros setores, a exemplo do que já
acontece lá fora. No caso de próteses ortopédicas e odontológicas, já se
imprime até mesmo o produto final.
O lado mais surpreendente dessa nova revolução industrial, no
entanto, deve ser o que acontece longe das fábricas, dentro da casa de
gente comum que decide fabricar muito mais do que canecas e
colherzinhas. As primeiras impressoras desse tipo, criadas ainda nos
anos 1980, eram caras e sua operação exigia muito conhecimento técnico.
Na década passada, isso mudou. O preço despencou e os modelos mais
baratos já saem por R$ 1.100 nos Estados Unidos e R$ 5.000 no Brasil. E
uma variedade de softwares permite que leigos criem e manipulem objetos
tridimensionais. O resultado foi um "boom" no mercado de impressoras 3D
para uso pessoal, abrindo portas para uma onda de manufaturas caseiras.
"Qualquer pessoa capaz de operar um PC consegue começar a imprimir
logo depois de tirá-la da caixa e instalar os 'drivers'. A operação é
basicamente a mesma de uma impressora normal, a não ser pelo fato de
haver mais opções de configuração de impressão, como a resolução e o
preenchimento do objeto, que pode ser oco ou sólido", diz Sam Cervantes,
CEO da americana Solidoodle, que vendeu 5 mil impressoras 3D de baixo
custo no ano passado.
Esses novos manufatureiros compartilham suas criações on-line em
sites como o Thingiverse, espécie de Napster (programa de
compartilhamento de arquivos de músicas pela internet) dos arquivos 3D. A
maioria dos conteúdos não tem restrições de direitos autorais, o que
permite que qualquer um baixe o tal arquivo da caneca, para
personalizá-lo (ou não) como quiser e imprimir. O site já tem mais de 90
mil arquivos disponíveis, com a média de 1 milhão de downloads por mês.
"Assim como o surgimento de outras ferramentas no passado permitiu
que qualquer um fizesse música e vídeos, hoje qualquer um pode criar
objetos em casa", diz o advogado americano Michael Weinberg,
especialista em inovação tecnológica na Public Knowledge, empresa
especializada em direito autoral digital. Alexandre Lopes, brasileiro de
São Bernardo (SP), é um exemplo. Com uma impressora Solidoodle,
imprimiu um conjunto de suporte e braçadeira para fixar seu celular ao
guidão da bicicleta nos passeios de fim de semana. Dono de uma pequena
empresa de comércio exterior, Lopes não tem nenhum conhecimento de
design. "Foi bem fácil. Imprimi também um suporte para minha câmera,
miniaturas de Kombi e canecas. A caneca, eu alterei para ficar mais fina
e ela acabou vazando." Acidentes acontecem.
A fatia do mercado dominada por equipamentos de uso pessoal, que
custam até US$ 5 mil, ainda é pequena, se comparada com a dos de uso
industrial. Mas é a que mais cresce. O faturamento total das impressoras
3D, no mundo, subiu 29% em 2012. O dos modelos caseiros, voltados para o
público amador, deu um salto de 46% no mesmo período, segundo o
relatório mais recente da consultoria especializada Wohlers Associates. A
MakerBot, líder nesse segmento, faturou no primeiro trimestre deste ano
70% de tudo que vendeu em 2012 em vários países. Desde 2009, suas
vendas passaram das 22 mil impressoras - mais de 300 para o Brasil.
O hobby da manufatura caseira também deve se popularizar por aqui. A
gaúcha Cliever, única empresa brasileira que fabrica e vende impressoras
3D prontas para uso, entregou a primeira há um ano. Com cerca de 100
unidades vendidas, planeja aumentar a produção de 10 para 300 unidades
por mês. "A principal demanda vem de pequenas e médias empresas, mas há
outros mercados cada vez mais interessados, como escolas e profissionais
de arquitetura e engenharia", diz Rodrigo Krug, que fundou e dirige a
empresa, enquanto estuda para concluir a graduação em engenharia.
Em seu relatório do ano passado, a Wohlers Associates publicou a
previsão de que, se a venda de impressoras de baixo custo continuar
crescendo no ritmo atual, o mercado rapidamente se tornará interessante
para investidores neste negócio que já faturou U$ 2,2 bilhões em 2012.
Para Díez, do Fab Lab de Barcelona, essa popularização será rápida. "Em
menos de três anos, teremos impressoras 3D como tínhamos as de papel no
fim dos anos 1990, começo dos 2000." Para que essa revolução atinja todo
seu potencial, no entanto, empresas tradicionais de manufaturas e novos
fabricantes caseiros vão precisar se entender sobre uma questão que já
rendeu brigas épicas à indústria de entretenimento: a dos direitos
autorais.
Em dezembro, o designer americano Fernando Sosa dedicou horas e horas
de seu tempo livre bolando um suporte para seu iPhone 5. Não era um
suporte qualquer, mas um no formato do trono da série "Guerra dos
Tronos". Ele o expôs em seu blog e o produto fez sucesso imediatamente,
com dezenas de comentários positivos de internautas. Sosa então colocou
sua criação à venda num site. Quem quisesse, poderia pagar para receber
um impresso em 3D para entrega pelo correio - a manufatura caseira em
ação. Três meses depois, a rede HBO, detentora dos direitos autorais da
série, mandou uma cartinha para o designer. Avisava que o trono tinha
dono e solicitava, gentilmente, que o autor desistisse de vendê-lo e
retirasse todas as imagens e arquivos relacionados ao produto da
internet. O rapaz devolveu o dinheiro a quem já tinha feito sua
encomenda. E fim da história.
Em outro caso, do ano passado, o designer britânico Thomas Valenty
criou novos personagens para o "Warhammer Fantasy", um "roler player
game" (em que os jogadores assumem papéis de personagens num ambiente
ficcional). Ele os imprimiu em sua MakerBot e colocou os arquivos de
graça no Thingiverse. A Games Workshop, fabricante do brinquedo, pediu
que os arquivos fossem tirados do ar. O autor do design poderia
contestar o pedido na Justiça, mas preferiu acatar o pedido. Neste caso,
a infração de direitos autorais era um pouco menos objetiva, porque o
jogo é inspirado em elfos e duendes do folclore e da mitologia medieval
europeia. "É um caso mais complicado, porque o criador dos novos
personagens poderia alegar que sua inspiração veio de elementos
universais da cultura, diretamente", diz Weinberg.
Na indústria, impressoras 3D produzem protótipos,
na própria empresa, de modo muito mais rápido
e com menores custos
É comum empresas da música e do cinema recorrerem aos tribunais para
resolver esse tipo de disputa. E os primeiros exemplos mostram que essa
deve ser a mesma atitude da poderosa indústria manufatureira, que não
deve poupar esforços para proteger o que é seu. "Inicialmente, deve
haver repressão, com a mesma estratégia de intimidação usada pela
indústria de entretenimento", acredita Matthew Simon, da Pace School of
Law, autor do artigo "When Copyright Can Kill". Empresas não fazem isso
por capricho, mas porque têm o direito de fazê-lo.
Se você pegar um bonequinho do Mickey que comprou na Disney,
colocá-lo em um scanner 3D e imprimir alguns clones, já está violando a
lei, mesmo que não venda o bonequinho nem distribua o arquivo on-line.
"Você está violando pelo menos três direitos autorais. O da Disney, o da
empresa que licenciou o design do boneco para fabricá-lo e vendê-lo,
além do direito de marca do Mickey, que é uma marca registrada", diz
Ronaldo Lemos, fundador do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de
Direito da FGV-Rio e especialista em propriedade intelectual. Na
verdade, é preciso autorização até para gerar o arquivo 3D.
"Especialmente no Brasil, que tem uma das leis de direito autoral mais
restritivas do mundo, sem exceção para qualquer tipo de uso não
comercial."
Fãs puderam remixar músicas de seus ídolos e até hoje pipocam no
Youtube versões com letras e melodias modificadas, quase sempre sem
autorização. A cultura do remix também se aplica à cultura da impressão
3D. Mas, então, e se você pegar aquele Mickey Mouse clássico e mudar
seus sapatos, o tamanho característico de suas orelhas, vesti-lo com
outra roupa e mudar a cor? "Também é uma violação de direito autoral,
neste caso de produto derivado", explica Lemos.
Não é só. Enquanto os direitos autorais protegem objetos originais do
ponto de vista artístico, geralmente por até 70 anos após a morte de
seu criador, as leis de patentes costumam proteger produtos industriais
por até 20 anos após sua criação. Se um engenheiro desenvolve uma
máquina, peça ou processo inovador que demonstre alguma utilidade, ele
pode requerer uma patente e exigir o pagamento de royalties de quem
deseja aproveitar sua invenção.
Isso protege outra gama de produtos que poderiam ser impressos em
casa. Imagine que o retrovisor de seu carro é atropelado por um
motoqueiro. Você o recupera e vê que apenas uma pequena peça do
mecanismo de encaixe se quebrou. Ligando para a loja autorizada da
montadora, fica sabendo que ela só vende o retrovisor inteiro, ao preço
de algumas centenas de reais. Então, você vai à internet e descobre que
outro motorista passou pela mesma situação. Só que, sendo designer, ele
tratou de refazer a tal peça e a tornou disponível para download. Por
algumas dezenas de centavos, você a imprime em casa ou na loja de cópias
da esquina e conserta seu retrovisor.
Se no mercado existem retrovisores "genéricos", que se encaixam no
seu carro, provavelmente a peça não está protegida por uma patente. A
mesma coisa que permite a um fabricante chinês fabricar milhões delas e
distribui-las pelo mundo permite que você faça a sua em casa,
customizada ou não. "Mas, às vezes, uma rosca ou parafuso faz o negócio
prender melhor no carro. Pode ser que uma rebimboca dessas seja
protegida por patente", explica Lemos. Se for o caso, a montadora que é
dona da patente pode processar todo mundo: quem criou o arquivo 3D, as
pessoas que o baixaram e até o site que permitiu o compartilhamento.
Exatamente como a indústria de entretenimento fez - e ainda faz - para
inibir piratas e consumidores de pirataria.
Quando Lemos aponta cada restrição legal ao uso da impressão 3D, não
está querendo estragar a festa. Ao contrário, ele se mostra preocupado
com o perigo que o excesso de proteções pode representar para a própria
indústria. "A tecnologia de impressão 3D coloca na mão do usuário a
oportunidade de aperfeiçoar produtos, o que representa uma força de
inovação gigantesca. Se não temos um sistema legal que permita aos
usuários experimentar obras e designs alternativos, perde-se uma grande
oportunidade", explica. "Às vezes, o engenheiro não sacou alguma coisa
na fábrica, mas o usuário, na prática do dia a dia, percebe que pode
fazer algo para melhorar, implementa isso e pode beneficiar toda a
sociedade. Então, é preciso criar um sistema de exceções, que permita o
uso de objetos 3D legítimos, autorizados por lei."
"Estamos, sem dúvida, numa transição
entre a sociedade de consumo
para uma de produção.
Voltar a ter o poder de produzir coisas
vai mudar
mentalidades
e atitudes",
diz Tomás Díez, do Fab Lab de Barcelona.
Os primeiros movimentos de empresas que se sentem prejudicadas
indicam que vai se repetir a estratégia de intimidação adotada pelo
setor de entretenimento. Mas Ana Arroio, da Firjan, prefere acreditar
que a indústria está mais madura, e aprendeu com o passado recente.
"Hoje, grandes conglomerados têm portais de inovação aberta e creio que
haveria mais boa-vontade de receber a pessoa que inventou algo e
negociar." O advogado Michael Weinberg também percebe bons sinais, mesmo
neste momento inicial de aplicação das impressoras 3D. "Há um mix de
reações. No geral, o que temos visto é o de sempre. No caso do trono, a
HBO não disse 'venda isso e nos dê 15%'", lembra. "Mas também há casos
positivos."
A Nokia, por exemplo, disponibilizou arquivos para impressão da capa
traseira de um de seus modelos mais modernos. O dono do telefone pode
baixá-los, para imprimir a capa e customizar seu aparelho. Uma fábrica
de sintetizadores no Reino Unido colocou todas as peças de plástico de
seus produtos disponíveis para download em seu site. Continua fazendo
reposição por correio, para quem precisar, mas também dá aos seus
clientes a opção de imprimir as peças diretamente. "Eles não ganhavam
dinheiro com isso, é claro, mas saía caro administrar os pedidos,
embrulhar e postar cada peça", diz Weinberg.
Como isso se aplica no caso do retrovisor? O que a indústria de
autopeças pode fazer para não ser prejudicada pela pirataria? "O que
essas empresas podem fazer de melhor é construir uma fantástica loja
on-line, muito fácil de usar. E se você tiver uma impressora 3D, vai
pagar para baixar e imprimir o retrovisor deles na sua casa", sugere o
advogado.
Qualquer semelhança com a iTunes Store não é mera coincidência.
Depois de passar anos em disputas judiciais - e tendo prejuízos com a
pirataria -, a indústria de entretenimento só começou a se recuperar
quando passou a investir na criação de novas plataformas para distribuir
e vender música, licenciada e protegida por direito autoral. Ou seja,
em vez de lutar com os piratas, as empresas toparam o desafio de ser
melhor do que eles. Hoje, cada vez menos pessoas usam sites como Pirate
Bay e Bit Torrent, porque é possível comprar músicas on-line com um
clique, a preços acessíveis, tendo compatibilidade total com seus
equipamentos. Se você prefere consumir vídeos em "streaming", faz uma
assinatura mensal e tem uma série de serviços à disposição, configura
legendas e recebe indicações de filmes afins. "Na verdade, eles seguiram
esse caminho porque perceberam que era impossível conter a internet. No
caso da impressão em 3D, vai ser a mesma coisa. Companhias muito
grandes e lentas terão dificuldade para trilhar novos caminhos, mas no
fim as mais rápidas e criativas vão nos oferecer um mundo de novas
possibilidades", prevê Matt Simon.
Nos próximos anos, os modos de produzir vão mudar tanto que as
questões de direito autoral serão apenas uma pequena parte da história,
acreditam especialistas em direito. Imagine que, no lugar de um
retrovisor, você imprima uma peça de bicicleta ou a engrenagem de um
velho carro fora de linha. Se ela quebrar e isso causar um acidente
grave, quem será responsável? Você, o designer da peça, o fabricante da
impressora ou o do material usado na impressão? Ou todos? Hoje, não
existe nenhuma legislação, no mundo, preparada para lidar com esse tipo
de situação, mas coisas assim já podem acontecer a qualquer momento.
Uma questão ainda mais crítica é a das pistolas que podem ser feitas
com impressoras 3D. Em maio, a Defense Distributed, empresa americana
que defende a universalização do uso de armas de fogo para defesa
pessoal, criou a primeira pistola funcional totalmente impressa. No
mesmo mês, foi obrigada pelo Departamento de Defesa a retirar todos os
arquivos para impressão da arma da internet. Simultaneamente, um
deputado propôs uma lei para proibir a impressão de armas com
impressoras 3D. Quando essas medidas foram tomadas, os arquivos da
pistola já haviam sido baixados mais de cem mil vezes. Como muitos dos
provedores que os abrigam estão fora dos Estados Unidos, os arquivos
provavelmente continuarão disponíveis para sempre, em algum lugar da
internet.
"Estamos, sem dúvida, numa transição entre a sociedade de consumo
para uma de produção. Voltar a ter o poder de produzir coisas vai mudar
mentalidades e atitudes", diz Tomás Díez, do Fab Lab de Barcelona. "E a
indústria deverá se renovar, para entrar num novo ecossistema, no qual
não é mais o agente principal, e sim uma parte de muitos outros meios de
produção."
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