Marcelo Gleiser*
A inflação do Universo ocorreu um trilionésimo de trilionésimo de trilionésimo de segundo após o "bang"
Agora que temos, pela primeira vez, alguma evidência experimental direta
de que o Cosmo passou por uma fase de expansão ultrarrápida bem após
sua origem (veja a coluna de 23/3), precisamos tentar entender o que
isso significa.
Antes, algumas palavras caucionárias: como todo resultado dramático, o
obtido pelo time do telescópio Bicep2, precisa ser analisado com cuidado
pela comunidade e confirmado por outros experimentos. Felizmente,
devemos saber algo até o final do ano. Mas vamos supor que os resultados
são válidos e explorar suas consequências.
Essa fase inflacionária ocorreu um trilionésimo de trilionésimo de
trilionésimo de segundo após o suposto "bang" que deu início ao tempo.
Como falar de tempos tão ridiculamente pequenos? A verdade é que não
temos uma teoria que descreva a física nessas condições. O que temos são
extrapolações baseadas no que conhecemos hoje. A suposição é que
podemos aplicar essencialmente a mesma física a energias que são um
trilhão de vezes maior do que as atingidas no LHC (Grande Colisor de
Hádrons), no Cern.
Não exatamente a mesma física, mas com atores parecidos: o protagonista
da inflação é um campo escalar com propriedades semelhantes ao campo de
Higgs. (O leitor deve lembrar, o campo associado a partícula conhecida,
infelizmente, como "partícula de Deus".)
Não sabemos se havia campos escalares na infância cósmica, mas é
razoável supor que sim. Tal como o campo de Higgs, que pode ter energias
diferentes, esse campo escalar (chamado de "inflaton") também pode ter o
que chamamos de energia extra, longe do seu estado básico. (Feito uma
bola que rola ladeira abaixo até atingir o ponto mais baixo.) Esse
mecanismo é a alma do processo inflacionário. Claro, se não sabemos se
existiam campos escalares, não sabemos se o mecanismo faz sentido. Mas
usamos aqui a navalha de Ockham, o princípio da simplicidade; e, de
fato, campos escalares oferecem o modo mais simples de obtermos a
expansão cósmica desejada.
Para que a inflação funcione, uma região suficientemente grande do Cosmo
precisa estar preenchida com um "inflaton" dotado de energia extra.
(Imagine uma banheira com água até certa altura e com temperatura alta.)
Aqui temos que supor que essa condição inicial foi satisfeita. Não
sabemos como isso ocorreu, mas, sem ela, fica difícil entender como a
inflação pôde começar.
Para alguns físicos, essa condição inicial é arbitrária e precisa ser
explicada. Uma explicação que acaba trazendo mais dores de cabeça é a de
que o valor da energia do "inflaton" flutua devido a efeitos quânticos.
Isso significa que regiões diferentes do espaço podem ter energias
diferentes e, portanto, ter taxas de expansão diferentes; com isso, o
Universo vira um "multiverso", pleno de regiões inflando. O nosso Cosmo
seria uma dessa regiões.
Outros universos teriam, ao menos em princípio, propriedades físicas
diferentes. O problema é que esses universos estão fora de nosso
horizonte observacional; o "multiverso" não é uma hipótese científica
testável. O que fazer? Abandoná-la? Ou será que precisamos mudar o modo
de pensar as teorias físicas? Vamos ter que retornar a essa questão na
semana que vem.
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