LULA MIRANDA*
Tenho a impressão que a maior parte das pessoas,
por vezes eu inclusive, vive sem perceber;
sem prestar atenção à vida
"Aproveite bem a vida, porque ela passa depressa" – teriam sido estas
as últimas palavras do ator Paulo Goulart, recém-falecido aos 82 anos,
ditas à sua esposa, a atriz Nicette Bruno, com quem foi casado por mais
de 60 anos.
Difícil compreender a força que têm essas palavras, notadamente
considerando o contexto, o momento e a quem foram direcionadas, como uma
espécie de conselho ou "legado": sua companheira de tantos anos
vividos.
É muito difícil entender/aquilatar o desprendimento e generosidade, de quem proferiu tais palavras. Seu sentido. Seu alcance.
É mesmo difícil apreender todo o significado de uma frase assim, dita
como se fora o último suspiro da vida de um homem, um homem bom e
virtuoso.
É difícil, mas tentemos. Façamos esse pequeno exercício, aqui e
agora, com as minhas/nossas tortas e mal traçadas linhas e conjecturas.
Hannah Arendt, em meio a seus textos de instigante conteúdo político e
sociológico, não deixou de tratar daquilo que chamou de "milagre da
vida".
Oscar Niemeyer, que faleceu com quase 105 anos, teria dito que a vida
passou como que "num piscar de olhos" – como se ele, um tanto
desprevenido, não tivesse se apercebido; como se tudo tivesse se dado
rápido, breve demais. Veja bem, isto dito por um homem que viveu muito e
intensamente a vida; leu muitos livros; exercitou vários e diversos
talentos; realizou uma obra invejável, monumental; viajou por todos os
lugares; conheceu diversas personalidades importantes no mundo inteiro.
Cabe perguntar: nós nos apercebemos da vida?
Algo que tem me incomodado bastante ultimamente, agora que chegou,
para mim, a chamada "maturidade", é que tenho a impressão que a maior
parte das pessoas, por vezes eu inclusive, vive sem perceber; sem
prestar atenção à vida. Parece que vivemos, muitas vezes, no piloto
automático, sem nos darmos conta da experiência extraordinária que é
viver.
Vamos abrir aqui o indispensável parêntesis: (Considero aqui, para
efeito desta minha digressão, por suposto, preferencialmente o universo
dos indivíduos "afortunados", aqueles que não foram colocados à margem
da sociedade, mas apenas aqueles que têm comida à mesa e um teto sob o
qual se abrigar; aqueles que não vivem em favelas, palafitas ou na
sarjeta; que se alimentam duas ou três vezes ao dia; têm um emprego
decente etc. Os que, portanto, têm algumas das suas necessidades básicas
atendidas).
Isto posto, fecha parêntesis.
O que estou querendo dizer é que existem milhões de indivíduos, não
só aqui no Brasil, mas em todo o globo, que, a despeito de terem as suas
necessidades básicas atendidas, vivem sem se dar conta do quanto são
"abençoados", digamos assim, por usufruírem desse verdadeiro milagre que
é estar vivo.
Já havia pensado nisso? Você deve estar achando que isso tudo é papo de alienado. Não é não? Mas não é não. Vejamos.
Tem muita gente que olha, mas não enxerga; convive, namora e casa,
mas não ama; ouve, mas não escuta; lê, mas não aprende; tem a Graça, mas
não sorri.
Conheço inúmeras pessoas que frequentam bons restaurantes, comem boas
comidas, bebem boas bebidas, mas fazem-no de modo maquinal, autômato e
não usufruem, em sua inteireza, do gozo e magnitude desses pequenos
prazeres.
São pessoas para as quais a fortuna lhe sorri, diariamente, mas
inutilmente. Pois só sabem reconhecer a face do infortúnio, quando este
vem, inadvertidamente, bater à sua porta.
Tem muita gente, não são poucos, que assiste a um concerto de uma boa
orquestra executando, por exemplo, a 9ª sinfonia de Beethoven e sequer
presta atenção ao que está ali ao inteiro dispor de seus olhos e
ouvidos. Não percebe a "gramática" e/ou a "sintaxe" daquela sinfonia,
sequer o virtuosismo de cada músico, esforçando-se ao máximo para estar à
altura de executar tamanha obra-prima. Ou seja, não dá o devido valor
ao trabalho, dedicação e talento de cada músico; não se dá conta do
trabalho genial daquele homem que criou aquela extraordinária sinfonia.
Portanto, meu prezado leitor, que esta crônica sirva-lhe, não como
tola e inútil advertência, mas como um gentil conselho. Procure prestar
um pouco mais de atenção nas palavras e "recados" de Paulo Goulart,
Niemeyer e Hannah Arendt, e tantos outros provectos senhores e senhoras
em suas derradeiras horas.
Derradeiras palavras. Derradeiras lições.
Procure aproveitar mais e melhor todos os sentidos; procure estar mais atento à vida.
Aproveite o pôr do sol de cada dia, a lua cheia de cada mês, o
marulho molhado sussurrado pelas ondas, os sentidos que se insinuam por
entre os dias, o canto de um pássaro, o sorriso de uma criança, ou mesmo
de um (a) estranho (a), que apenas passa, passo a passo; passos por
vezes firmes, por vezes alquebrados, titubeantes nas franjas do destino.
Não insista em desperdiçar a beleza da rosa que floresceu em pleno
asfalto e, vez em quando, desabrocha impávida e ignorada nos inúmeros
canteiros pelos quais você passa, quase sempre à margem de sua/nossa
indiferença.
Procure aproveitar, cada vez mais e melhor, a vida que, de modo
inexorável, passa, e se torna, de modo célere, passado - como as
alegrias que escorrem fugidias entre os dedos de eternas crianças.
Vista-se, adequadamente, para a vida.
Vista a sua mais vistosa fantasia.
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*Poeta, cronista e economista. Publica artigos em veículos da chamada
imprensa alternativa, tais como Carta Maior, Caros Amigos, Observatório
da Imprensa e Fazendo Média
Fonte: http://www.brasil247.com
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