domingo, 23 de março de 2014

Aproveite bem a vida

 LULA MIRANDA*
 
Tenho a impressão que a maior parte das pessoas, 
por vezes eu inclusive, vive sem perceber; 
sem prestar atenção à vida

"Aproveite bem a vida, porque ela passa depressa" – teriam sido estas as últimas palavras do ator Paulo Goulart, recém-falecido aos 82 anos, ditas à sua esposa, a atriz Nicette Bruno, com quem foi casado por mais de 60 anos.

Difícil compreender a força que têm essas palavras, notadamente considerando o contexto, o momento e a quem foram direcionadas, como uma espécie de conselho ou "legado": sua companheira de tantos anos vividos.

É muito difícil entender/aquilatar o desprendimento e generosidade, de quem proferiu tais palavras. Seu sentido. Seu alcance.

É mesmo difícil apreender todo o significado de uma frase assim, dita como se fora o último suspiro da vida de um homem, um homem bom e virtuoso.

É difícil, mas tentemos. Façamos esse pequeno exercício, aqui e agora, com as minhas/nossas tortas e mal traçadas linhas e conjecturas.

Hannah Arendt, em meio a seus textos de instigante conteúdo político e sociológico, não deixou de tratar daquilo que chamou de "milagre da vida".

Oscar Niemeyer, que faleceu com quase 105 anos, teria dito que a vida passou como que "num piscar de olhos" – como se ele, um tanto desprevenido, não tivesse se apercebido; como se tudo tivesse se dado rápido, breve demais. Veja bem, isto dito por um homem que viveu muito e intensamente a vida; leu muitos livros; exercitou vários e diversos talentos; realizou uma obra invejável, monumental; viajou por todos os lugares; conheceu diversas personalidades importantes no mundo inteiro.

Cabe perguntar: nós nos apercebemos da vida?

Algo que tem me incomodado bastante ultimamente, agora que chegou, para mim, a chamada "maturidade", é que tenho a impressão que a maior parte das pessoas, por vezes eu inclusive, vive sem perceber; sem prestar atenção à vida. Parece que vivemos, muitas vezes, no piloto automático, sem nos darmos conta da experiência extraordinária que é viver.

Vamos abrir aqui o indispensável parêntesis: (Considero aqui, para efeito desta minha digressão, por suposto, preferencialmente o universo dos indivíduos "afortunados", aqueles que não foram colocados à margem da sociedade, mas apenas aqueles que têm comida à mesa e um teto sob o qual se abrigar; aqueles que não vivem em favelas, palafitas ou na sarjeta; que se alimentam duas ou três vezes ao dia; têm um emprego decente etc. Os que, portanto, têm algumas das suas necessidades básicas atendidas).

Isto posto, fecha parêntesis.

O que estou querendo dizer é que existem milhões de indivíduos, não só aqui no Brasil, mas em todo o globo, que, a despeito de terem as suas necessidades básicas atendidas, vivem sem se dar conta do quanto são "abençoados", digamos assim, por usufruírem desse verdadeiro milagre que é estar vivo.

Já havia pensado nisso? Você deve estar achando que isso tudo é papo de alienado. Não é não? Mas não é não. Vejamos.

Tem muita gente que olha, mas não enxerga; convive, namora e casa, mas não ama; ouve, mas não escuta; lê, mas não aprende; tem a Graça, mas não sorri.

Conheço inúmeras pessoas que frequentam bons restaurantes, comem boas comidas, bebem boas bebidas, mas fazem-no de modo maquinal, autômato e não usufruem, em sua inteireza, do gozo e magnitude desses pequenos prazeres.

São pessoas para as quais a fortuna lhe sorri, diariamente, mas inutilmente. Pois só sabem reconhecer a face do infortúnio, quando este vem, inadvertidamente, bater à sua porta.

Tem muita gente, não são poucos, que assiste a um concerto de uma boa orquestra executando, por exemplo, a 9ª sinfonia de Beethoven e sequer presta atenção ao que está ali ao inteiro dispor de seus olhos e ouvidos. Não percebe a "gramática" e/ou a "sintaxe" daquela sinfonia, sequer o virtuosismo de cada músico, esforçando-se ao máximo para estar à altura de executar tamanha obra-prima. Ou seja, não dá o devido valor ao trabalho, dedicação e talento de cada músico; não se dá conta do trabalho genial daquele homem que criou aquela extraordinária sinfonia.

Portanto, meu prezado leitor, que esta crônica sirva-lhe, não como tola e inútil advertência, mas como um gentil conselho. Procure prestar um pouco mais de atenção nas palavras e "recados" de Paulo Goulart, Niemeyer e Hannah Arendt, e tantos outros provectos senhores e senhoras em suas derradeiras horas.

Derradeiras palavras. Derradeiras lições.

Procure aproveitar mais e melhor todos os sentidos; procure estar mais atento à vida.

Aproveite o pôr do sol de cada dia, a lua cheia de cada mês, o marulho molhado sussurrado pelas ondas, os sentidos que se insinuam por entre os dias, o canto de um pássaro, o sorriso de uma criança, ou mesmo de um (a) estranho (a), que apenas passa, passo a passo; passos por vezes firmes, por vezes alquebrados, titubeantes nas franjas do destino.

Não insista em desperdiçar a beleza da rosa que floresceu em pleno asfalto e, vez em quando, desabrocha impávida e ignorada nos inúmeros canteiros pelos quais você passa, quase sempre à margem de sua/nossa indiferença.

Procure aproveitar, cada vez mais e melhor, a vida que, de modo inexorável, passa, e se torna, de modo célere, passado - como as alegrias que escorrem fugidias entre os dedos de eternas crianças.

Vista-se, adequadamente, para a vida.
Vista a sua mais vistosa fantasia.
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*Poeta, cronista e economista. Publica artigos em veículos da chamada imprensa alternativa, tais como Carta Maior, Caros Amigos, Observatório da Imprensa e Fazendo Média
Fonte: http://www.brasil247.com
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