Pesquisadores identificam nas tecnologias atuais componentes
responsáveis pela precarização da trabalho,
sendo o único caminho para
modificar tal
cenário as políticas de resistência
Por Marcelo Hailer. Fotos: Fora do Eixo
Aconteceu ontem (25), na
Biblioteca Mario de Andrade, o seminário “Tecnologia e Poder”, que
contou com a participação de pesquisadores das principais universidades
do Brasil. O evento foi encerrado com a mesa “Tecnologia e poder nas
sociedades informacionais: Para onde estamos indo?”, que teve como
debatedores os professores Sergio Amadeu (UFABC), Langdon Winner
(Rensselaer Polytechinic Institute – New York) e Marilena Chaui (USP).
A mesa teve mediação do editor da Fórum, Renato Rovai.
Sergio Amadeu abriu os trabalhos abordando a questão das “tecnologias
de modulação, economia da intrusão e relações de poder”. De acordo com
ele, hoje não vivemos mais na sociedade industrial. “Estamos numa fase
de transição à sociedade informacional, que gira em torno das
tecnologias cibernéticas, que são tecnologias de controle”, explicou
Amadeu.
Um dos grandes problemas na expansão das redes comunicacionais é o
fato de que “você tem dificuldade de ser visto, ser atingido. A internet
derrubou as barreiras do falar, o difícil não é falar, é ser ouvido. E
aqui a economia da atenção ganha relevância”, analisa Amadeu, a respeito
dos novos tipos de relações e economias na era das redes.
Ele também dissertou a respeito de
como o capitalismo assimilou as relações nas redes sociais ao “trabalhar
cada vez mais com a formação dos desejos”, predominando, dentro desta
lógica, dois tipos de microeconomia: a da atenção e da intrusão. “As
tecnologias da cibernética são a base da sociedade do controle, que
recai na macroeconomia da atenção”, avalia. “Tecnologias que nos
divertem, que facilitam; a liberdade e comunicabilidade dependem cada
vez mais do seu celular. Mas isso não fica apenas nessas tecnologias.
Estamos moldando as nossas vidas em torno de tecnologias cibernéticas”,
disse Amadeu.
Posteriormente, Amadeu explicou que as técnicas de intrusão e atenção
não são apenas uma onda. “Pra tudo isso funcionar é necessário a
microeconomia da atenção e da intrusão. Isso não vai parar num futuro
próximo, é uma tendência”, aponta o professor. Para dar uma dimensão de
como atuam as tecnologias de controle, ele utilizou um exemplo que, à
primeira vista, pode parecer banal, mas explica esse processo. “As
tecnologias que usamos são de controle. A geladeira nos anos 1990 não
era conectada, não gerava informação. Logo, a geladeira vai estar
conectada com o seu celular, dispositivos vão avisar que a cerveja
acabou, que o compartimento de verduras está vazio e, na sequência, vai
lhe oferecer tais produtos”, previu.
Amadeu também elaborou um esquema para demonstrar a quantidade de
dispositivos de controle que estarão interligados para que a geladeira
informacional funcione. “O celular vibra e somos informados que a
geladeira está vazia e os produtos são oferecidos e pagamos num sistema
de crédito. Empresa da geladeira, mais empresa que fabricou o
aplicativo, mais empresa que vende os produtos, mais a empresa de
créditos e, por fim, a empresa que permite o sistema que interliga todos
estes dispositivos. Será que vamos viver melhor?”. Ele mesmo
respondeu a questão dizendo que não, pois tratam-se de tecnologias que
não “vão liberar o nosso tempo e nossa mobilidade, pois são tecnologias
de controle”.
Por fim, o professor apresentou caminhos que podem levar a economia
do controle ao colapso. “Se as pessoas utilizarem navegação anônima e
criptografada vão colocar em risco a economia informacional. Isso
dificulta a biopolítica da modulação praticada pelas corporações. É
necessário que os cidadãos aprendam a usar a criptografia; se a lei não
funcionar, use a criptografia”, finalizou Sergio Amadeu.
“O sonho americano já era”
Posteriormente à fala do professor Amadeu, foi a vez do professor
Langdon Winner, da Rensselaer Polytechinic Institute (New York), que
desenvolveu a sua fala a partir da tríade política, poder e tecnologia.
Winner declarou que hoje em dia o Congresso norte-americano não aprova
mais leis e não produz mais nada de positivo ao povo, sendo o grande
exemplo disso o fato de, desde o terceiro ano do primeiro mandato de
Obama, ele “não produzir mais nada a não ser belos discursos”.
“No momento, o Congresso não aprova nada de positivo para o povo. De
acordo com as pesquisas politicas, isso é um problema, o Congresso hoje
tem uma taxa de aprovação de 5%. O líder da Casa anunciou que não está
interessado em aprovar leis, por isso, em minhas aulas, explico como a
lei é criada, e não aprovada. O que era para ser chamado de Legislativo,
deve ser chamado de ‘obstrutivo’. Ou seja, temos o Executivo, o
Obstrutivo e o Monárquico”, explicou Winner.
O professor de Nova York fez um panorama da situação econômica e
trabalhista atual dos Estados Unidos. “Houve uma grande mudança na
distribuição da riqueza. Os salários dos mais pobres foram achatados, é
só vermos o salário dos CEOs e dos trabalhadores. Hoje, eles (CEOs)
ganham 206 vezes a mais que o trabalhador comum. A desigualdade nos EUA é
pior do que no Paquistão e na Costa do Marfim”, denunciou Langdon
Winner.
Após descrever a situação precária do emprego, Winner foi enfático ao
dizer que o “sonho americano já era”. “Não há mobilidade econômica para
cima. Os sonhos acabaram: educação pública foi cortada, a universidade é
apenas para os ricos, pensões para aposentados acabaram… O que
aconteceu com o sonho americano, pessoal? A razão pela qual chamam de
sonho é por que você deve estar dormindo”, ironizou.
Para Langdon as novas tecnologias estão diretamente ligadas a
precarização da vida. “O que aconteceria com a tecnologia? Ninguém
imaginava que ela fosse afetar a vida pessoal. Alguns pensavam que
políticas industriais poderiam organizar isso, trabalhando com
sindicatos e governos. A tecnologia de computador não é de classe
neutra, é essencialmente capitalista, ela erodiu a classe trabalhadora.
Será que todas as formas de atividades de produção podem ser colocadas
de forma rápida e quase sem presença humana?”, questionou Langdon
Winner.
Em tom apocalíptico, Langdon prevê que num “futuro próximo milhares
de pessoas ficarão desempregadas por conta da criação de uma nova
inteligência, inclusive muitos de vocês que estão estudando para entrar
em uma profissão”. Por fim, Winner disse acreditar nas políticas de
resistência como maneira de evitar o futuro pessimista que traçou em sua
fala.
“Download de nossas mentes”
A filósofa e professora Marilena Chauí ficou com a missão de encerrar
a mesa e o seminário. Ele iniciou sua fala alertando que a “discussão
das novas tecnologias tem priorizado as comunicações e não as
instituições”. “Hoje vemos a diferença dos objetos tecnológicos, eles
ajudam na capacidade humana. Durante a primeira e a segunda Revolução
Industrial o corpo se estendeu num espaço. Maquinas a vapor, rádio e TV.
Agora é o nosso cérebro, sistema nervoso que se estende até abolir a
experiência do espaço do tempo. Vivemos a destruição do espaço e do
tempo pelas novas tecnologias”, refletiu.
A professora também entende que os sinais atuais nos mostram um novo
desenho do ser humano. “Os sinais são os portadores da diferença.
Estamos a caminho de redesenhar a forma humana. Uma síntese de carbono e
silício, mescla de terminais nervosos e semicondutores. No futuro
seremos ciborgues, híbridos… No futuro faremos download de nossas
mentes”, prevê Chaui.
Por fim, Marilena Chauí retomou o assunto das manifestações de junho
de 2013, em São Paulo. Para ela, apesar de toda a celebração em torno
dos atos, também existe um caráter conservador e de espetáculo nas
jornadas de luta do ano passado. “Na partida, era a redução das tarifas;
na chegada, era a política, no entanto, essas manifestações não
criticaram as instituições, aderiram à pauta da mídia conservadora de
que os partidos políticos são corruptos por excelência. Ao invés de
propor uma nova democracia, aderiram à ideia do ‘sem intermediário’, ou
seja, ditadura”, criticou a professora.
Ao contrário do que muitos colocam, Chauí entende que as redes, em
boa parte, funcionam como os meios tradicionais de comunicação. “A
convocação foi feita pela rede e muitos celebraram por que derruba o
monopólio dos meios. Mas quero colocar quatro pontos:
1) Comunicação é
indiferenciada;
2) Tem forma de evento, sem referencial com o passado e o
futuro – recusou o sócio-temporal pra se tornar espetáculo de massa;
3)
Assume a dimensão mágica. Os usuários apenas usam a rede, não têm
controle. A magia é instrumento da sociedade de consumo: satisfação
imediata do desejo;
4) Aparência de espetáculo de massa.
Fizemos supor
que o universo é homogêneo. Ou seja, a rede tem uma aparência de
ampliação da democracia, mas no fundo, a internet é uma nebulosa…
Frequentemente fechada e secreta”, finalizou Marilena Chauí.
----------------------
Fonte: http://www.revistaforum.com.br/blog/2014/03/download-de-nossas-mentes-chaui/
Nenhum comentário:
Postar um comentário