Ahas*
Através de diversos depoimentos ao redor do mundo,
o projeto If I Could abre uma
intrigante reflexão
É uma pergunta simples, mas que faz pensar. Muito provavelmente sua
vida seria completamente outra se suas escolhas tivessem sido
diferentes. O que somos é a soma das opções que adotamos ao longo de
nossa trajetória. Afinal, não há nada que diz mais sobre nós que nossas
próprias decisões. Por isso, uma das grandes angústias da humanidade é a
variedade de possibilidades e rumos que nosso destino pode tomar em
busca da tão sonhada felicidade. Essa abundância gera ansiedade, nos faz
criar mais expectativas, dá margem a diversas possibilidades. E se você
escolhesse outra profissão? E se você morasse em outro bairro? E se
resolvesse pedir demissão do seu emprego? Você seria mais feliz se suas
escolhas fossem outras?
Em meio a esses devaneios nasceu o projeto If I Could (se eu
pudesse) do Filipe, que estava cansado do seu cotidiano. A vida de
publicitário que levava em São Paulo estava esgotando todas suas
vontades e motivações. Morava confortavelmente com a família e tinha um
futuro promissor, trabalhando em uma agência de médio porte com
possibilidades de crescimento, no ápice da juventude dos seus 26 anos;
mesmo assim, pediu demissão. Estava insatisfeito, gastava energia demais
com o trabalho que demandava dias e noites de dedicação com questões
que não lhe davam retorno pessoal. Foi levando a situação até a
exaustão, quando não aguentou mais e juntou dinheiro para viajar por
três meses em uma aventura que mudaria sua vida. Fez um mochilão pela
Europa, visitando diversos países e foi se perder pelo mundo para
encontrar a si mesmo. Filipe queria tornar sua experiência em algo
tangível, e o projeto If I Could foi a maneira que ele pensou para
tornar sua viagem em algo “relevante” e passar uma mensagem com sua
escolha. Ele conheceria vários lugares e pessoas diferentes, então, quis
saber dos outros o que, se pudessem, mudariam em suas vidas. Veja o
resultado.
If I Could
(O vídeo tem legenda em português, basta ativá-la)
Engraçado pensar que a possibilidade de mudar é uma simples escolha.
Aponte um ser humano que não queira mudar algo na própria realidade.
Claro que na simplicidade de dizer sim ou não há diversas complexidades,
porém, ainda assim, decidir é o mais simples e o mais importante dos
passos, é o primeiro de uma longa caminhada. Depois desses três meses
fora, Filipe decidiu que sairia de vez do Brasil para morar na Alemanha,
Berlim. Largar emprego, família e amigos para se aventurar em um
terreno desconhecido e totalmente novo, com uma língua estranha da sua e
costumes diferentes. “Vou ser feliz”, argumentou quando questionado, e
não há fato que enfraqueça este argumento. Na Alemanha, Filipe se
apaixonou por Berlim e por uma alemã e esses motivos foram a engrenagem
de suas decisões. No vídeo que vimos, um dos entrevistados (Frederik –
Bélgica) se arrepende justamente de não ter feito o que Filipe fez. Em
nome da estabilidade e segurança, Frederik não largou mão de tudo para
viver uma história que o tornaria outra pessoa, agora a angústia desta
possibilidade o atormenta.
Certo ou errado? Não importa. Afinal, julgamos de acordo com nossos
valores e isso cai fácil na subjetividade. O importante é que em nossas
escolhas somos. No sentido de identidade, e somos muito mais em
nossos erros. Em certo ponto de vista, o erro é o desvio de um padrão
dito como correto, é uma particularidade como se fosse uma
idiossincrasia, um modo próprio. Por isso, a sabedoria na literatura de
Clarice Lispector nos alerta que “até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso”, mostrando que nossa identidade é formada mais pelos nossos erros que acertos.
“Erro, logo, sou”. Santo Agostino parafraseia a célere frase de Descartes “Penso, logo existo”
para definir bem o valor das falhas em nossas vidas. Quando olhamos
para trás, vimos que poderíamos ter agido de forma diferente em diversos
casos, mas a mesma observação nos faz concluir que o resultado do nosso
presente é essa soma de decisões que tomamos no passado. Prefiro
acreditar que se há uma justiça neste mundo, essa está contida na
fórmula física de ação e reação, em que nossas escolhas são as ações e
as consequências, reações. Isso não significa que errar é bom ou
positivo, mas que errar é também aprendizado e crescimento, e só não
ensina mais que o exemplo.
O poder da escolha dá a sensação de controle sobre determinada
situação. Mas a vida é a total improbabilidade, tanto que a incerteza do
futuro é recheada de previsões que a realidade cisma em surpreender.
Por mais que tenhamos certo controle de nossas ações, nossa liberdade é
extremamente limitada. Essa discussão é longa e entra em várias
vertentes filosóficas que abordam sobre o livre-arbítrio. Gosto muito da
abordagem de Fernando Pessoa quando afirma que “Não querer é poder”,
ao contrário do jargão mais recorrente de o verdadeiro poder é querer. O
que Pessoa quer nos dizer é que somos adaptações da realidade, viemos
ao mundo em um ambiente imposto e com diversas limitações físicas e
psíquicas. Neste cenário, o não querer tem mais força, pois é um dos
poucos momentos em que o Homem tem soberania sobre a Natureza e pode, de
fato, escolher e não simplesmente se adaptar.
Há interpretações como a do filósofo Kierkegaard que define o
livre-arbítrio como a maior angústia do Homem. Nesta visão, estamos
condenados simplesmente por existir, por estarmos no meio de forças
opostas que lutam entre si. Muitos desses conceitos são dramáticos e
pensar sobre o que poderíamos mudar pode ser bem menos torturante que
isso. A pergunta simples nos obriga a repensar nossos passos, só por
isso ela já tem grande valor, pois nos tempos atuais vivemos a febre da
opinião, e ela está sempre voltada ao próximo, um período que todo mundo
acha algo, condena algo, julga algo. Voltar para si essa autocrítica é
um exercício que fortalece os próprios valores e direcionam novas e mais
justas condutas.
Pensar no que mudaríamos é também pensar no que nos tornamos com os
impactos das experiências que acumulamos. Agiríamos de maneira diferente
se tivéssemos a bagagem atual nas experiências passadas, com certeza.
Mas pense no quanto se ganha com a ignorância. A condição básica do
aprender é o não saber, e dessa forma nossas escolhas fazem mais que
contar uma história, elas também projetam o futuro.
O projeto If I Could tem um site (http://ificouldfilm.com/)
no qual você pode enviar seu vídeo e contribuir para disseminar essa
mensagem simples e transformadora. Felizmente ou infelizmente o tempo
não volta atrás, por isso, ter em mente o que mudaríamos em nossas vidas
nos deixa alerta às oportunidades que nos são dadas, para não deixar
passar aquele momento único que muda para sempre sua sorte. Isso me faz
lembrar a poética de Mário Quintana em “O tempo”, em que ele diz que
“Quando
se vê, já são seis horas.
Quando se vê, já é sexta-feira.
Quando se
vê, já é Natal.
Quando se vê, já terminou o ano.
Quando se vê,
perdemos o amor da nossa vida.
Quando se vê, passaram-se 50 anos!
Agora, é tarde demais para ser reprovado.
Se me fosse dado, um dia,
outra oportunidade, eu nem olhava o relógio.
Seguiria sempre em frente
e iria jogando pelo caminho, a casca dourada e inútil das horas.
Eu
seguraria todos os meus amigos, que já não sei como e onde eles estão e
diria: vocês são extremamente importantes para mim.
Seguraria o amor
que está a minha frente e diria que eu o amo.
Dessa forma eu digo, não
deixe de fazer algo que gosta devido a falta de tempo.
Não deixe de
ter pessoas ao seu lado por puro medo de ser feliz.
A única falta que
terá será a desse tempo que, infelizmente, nunca mais voltará”.
Acredito nisso, e como diz o escritor Millôr Fernandes, "viver é desenhar sem borracha".
Por mais radical que tenha sido a decisão do Filipe, não foi loucura da
parte dele largar a certeza de um futuro estável para arriscar um
futuro espetacular, que ele escolheu. Eu o conheço e sei que isso
certamente ele vai conseguir, pois aqueles que acreditam e lutam para
tornar seus sonhos em realidade são os verdadeiros donos dos seus
destinos e mentores da própria felicidade. A realidade é uma questão de
postura. Eu também resolvi participar do projeto e dei minha
contribuição para o site. Fiz o vídeo que você confere abaixo e eu deixo
a pergunta para você: se pudesse mudar algo, o que seria? E por que não
começa agora?
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