domingo, 2 de março de 2014

SELO DIVINO

 Célia Farjalatt*
Para Machado de Assis, o tolo possuía um dom, espécie de selo divino, e a toleima era penhor seguro de triunfo. Era mesmo paradoxal o autor de ‘Memórias Póstumas de Brás Cubas’!
Quando se poderia esperar dele a louvação do talento, da lucidez e da perspicácia, o mestre da ironia faz justamente o contrário e elogia os tolos, com segundas intenções, já se vê.

Aliás, não foi o único. Erasmo de Rotterdam escreveu o ‘Elogio da Loucura’, obra que se tornou clássica e que levou o autor a sofrer na carne os resultados de suas sátiras. O nosso Machado, em sua curiosa e pouco divulgada ‘Queda que as mulheres tem para os tolos’, enalteceu as vantagens da toleima, exaltando os tolos e criticando sutilmente os homens dotados de espírito, para quem todas as coisas são difíceis.

A primeira vantagem do homem tolo, segundo Machado de Assis, é a de ser preferido pelas mulheres. O criador de Quincas Borba achava que, desde a primeira escolha de um companheiro de brincadeiras na infância até a de um marido, prevalecia o signo da toleima. E exemplificando : Sócrates, Alcebíades e Platão tinham sido sacrificados aos presumidos de seu povo. E Turenne, La Rochefoucauld e Moliére não haviam sido traídos em favor de notoriedades medíocres ?

O axioma machadiano baseava-se em algo curioso: a toleima era penhor seguro de triunfo, portanto, um dom precioso, um selo divino. Aprofundando a análise, distinguia a toleima inata da adquirida, apontando como aquela se fortificava pelo uso, embora ficasse estacionária no pobre diabo, impossibilitado de aplicá-la com freqüência.

A combinação de ambas resultava na mais terrível espécie de tolos, aqueles chamados por Troublet de “”tolos completos, tolos integrais, tolos no apogeu da toleima.”

A análise dos tolos, para que possam ser imitados, traz resultados compensadores. Foi assim no tempo de Platão, como no de Machado de Assis, e nos tormentosos dias de hoje. Mesmo porque quantos indivíduos, tidos como geniais, em especial nos círculos políticos, são justamente o oposto disso e, além de promoções, mordomias, vantagens mil, ganham comissões extras, férias milionárias e muita grana no bolso.

Mais ainda: analisando-se aspectos da política de ontem e de hoje, chega-se à conclusão de que muitos altos cargos são ocupados por indivíduos escolhidos entre os menos dotados intelectualmente, os de menor tino administrativo. Eis um enigma intrigante em todos os tempos.
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* É jornalista e atualmente cronista do Correio Popular.
e-mail: correiopontocom@rac.com.br
Fonte: Correio do Povo online, acesso 02/03/2014
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