"... os
modismos encaminham nossas escolhas. Um dos modismos mais comuns é o da intelectualidade."
Por ocorrência da crescente diversidade na possibilidade de escolhas,
a nossa rotina se torna mais complexa, por isso como método de
sobrevivência dividimos o mundo todo ao nosso redor, agrupamos todas as
coisas necessárias à vida rotulando-as. Como conseqüência, nós que
somos uma geração conectada, acabamos por preferir ler listas que nos
auxiliem nos momentos mais esdrúxulos da vida - como uma com a qual
topei há 5 minutos: “Nove tatuagens que homens nunca deveriam fazer” [e
se eu quiser fazê-las?] – afinal, não agüentamos mais escolher, não
queremos lidar com conseqüências, e tudo o que é pronto, mais rapidinho,
e exime da culpa nos agrada.
Nessa linha vemos ainda a ascensão das séries na decadência dos
longas e o crescimento dos contos em detrimento dos romances - há o
boato por aí de que se você deseja se tornar um escritor é melhor mandar
para a editora um livro de contos do que um romance.
É verdade que as coisas já esmagaram as pessoas e estamos acuados
por essa tal “sociedade de mercado” que criamos, de forma que já não
temos tempo nem disposição para encararmos de maneira digna uma obra de
arte. Adam Smith, que curiosamente foi um dos maiores defensores da
“sociedade de mercado” já temia que nos tornássemos bestas na busca pelo
conforto e perdêssemos nossas virtudes heróicas como coragem,
disciplina e força. Mas não acredito que ele imaginou que nos
tornássemos excessivamente bestas a ponto de não conseguirmos mais ler
um livro inteiro.
Essa nossa geração meio frágil gosta de ler Nietzsche pelos pedaços,
adora ícones, ídolos, que estabelecem função de liderança às escolhas
que nos acovardamos. Eis a grande contradição da geração que grita aos
ventos – ou aos 140 caracteres – que “deus está morto”: todos os
símbolos religiosos também servem para guiar e ausentar de culpa,
exatamente para quê servem todos esses modismos atuais. É a mesma coisa
de um jeito diferente.
Albert Camus defende que vivemos pelo personagem que criamos de nós
mesmos, como uma projeção do que realmente somos, e os modismos servem
para sustentar essa identidade em que nos admitimos, servem para
reforçarmos, para nós mesmos e para os outros, aquilo que queremos ser e
nos incluir em determinado grupo social que desejamos, assim os
modismos encaminham nossas escolhas.
Um dos modismos mais comuns é o da intelectualidade. Muita gente, por
mais jovem que seja, acredita mesmo ser intelectual imbatível, como
aquele personagem em que a máscara já não desgruda do rosto, pois
comprou a máscara barata que faz parecer intelectual, era a moda.
O adepto da aparência de intelectualidade é como um objeto à deriva, levado pelas ondas e não mergulha em nada profundamente.
Para continuar boiando esse estereótipo buscou o “manual do hipster”,
e cultuou – palavra embrionária do termo “cult” - as obras atuais que
são fragmentadas – séries, contos, etc. – e também, à sua maneira rasa,
barata, ordinária e tonta, cultuou nomes conceituados das artes,
filosofia e crítica social, como Nietzsche. Mas esse sujeito não é
intelectual, porque ele sabe pouco de muitos, mas nada na verdade. É só
um produto do meio.
‘A mais rica biblioteca, quando desorganizada, não é tão proveitosa
quanto uma bastante modesta, mas bem ordenada. Da mesma maneira, uma
grande quantidade de conhecimentos, quando não foi elaborada por um
pensamento próprio, tem muito menos valor do que uma quantidade bem mais
limitada, que, no entanto, foi devidamente assimilada. Pois é apenas
por meio da combinação ampla do que se sabe, por meio da comparação de
cada verdade com todas as outras, que uma pessoa se apropria do próprio
saber e o domina. Só é possível pensar com profundidade sobre o que se
sabe, por isso se deve aprender algo; mas também só se sabe aquilo sobre
o que se pensou com profundidade.’
Schopenhauer
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