O carnaval
de 2014 expõe novamente um hábito bastante comum entre os homens,
durante bailes e desfiles que festejam a data: usar fantasias de mulher.
Na avaliação da socióloga Silvia Ramos, coordenadora do Centro de
Estudo de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, o
costume poderia surpreender nos anos de 1940, no Rio de Janeiro, mas
atualmente “já se tornou quase um lugar comum”.
Ela explicou hoje (2) que a preferência dos rapazes
por usar roupas femininas no carnaval revela uma vontade de
transgredir. “Esse atravessamento de gênero, justamente de homens fortes
vestidos com roupas de mulher, com salto alto, se tornou uma marca do
carnaval, que acentua, na cultura brasileira, esse momento de
transgredir com uma série de coisas”.
Segundo a socióloga, a
transgressão de gênero é a mais simples de ser produzida com uma
fantasia. “Por outro lado, é a mais surpreendente. Virou uma marca,
realmente, do carnaval carioca”.
O antropólogo da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Roberto DaMatta, disse que o costume
de homens se fantasiarem de mulher sempre existiu. “É permanente em
todos os carnavais. E digo mais, até em carnavais na Rússia de Catarina
II, em 1700”.
Para DaMatta, como para os demais antropólogos, o ritual carnavalesco
ocorre na maioria das sociedades do mundo, “senão em todas”. Trata-se
do ritual da inversão. “É o ritual da licença, onde os opostos da
sociedade rotineiros se invertem. As mulheres podem se comportar como
homens, caso dos destaques das escolas de samba. São as supermulheres
que os homens têm medo de chegar perto. Elas são castradoras de tão
bonitas e agressivamente eróticas”. Essas mulheres se transformam nos
'dom Juan' (conquistador) de outrora, comparou. DaMatta argumenta que
nos próprios blocos de rua, as mulheres apresentam agora um
comportamento sexual mais agressivo.
Em relação aos
homens, de forma específica, indicou que é muito comum, sobretudo em
cidades de menor porte, no interior brasileiro, a juventude de classe
média e alta se vestir com as roupas
de suas mães e irmãs e saírem às ruas, “fazendo sátira de comportamento
feminino, porque é carnaval”. Outra interpretação que pode ser feita é
que esse costume poderia traduzir uma vontade oculta de esses homens
serem mulheres, admitiu.
De modo geral, DaMatta avaliou que
quando os homens brasileiros se vestem de mulheres, isso revela "o
poder que as mulheres têm na vida rotineira brasileira, que não é,
obviamente, discutido e reconhecido nem mesmo pelas mulheres”.
A
antropóloga Yvonne Maggie, também da UFRJ, concorda integralmente com
Roberto DaMatta. Na sua opinião, a inversão de comportamento é uma
característica estrutural do carnaval. “É uma estrutura de festa na qual
as pessoas invertem sua posição no cotidiano”. Não se trata de uma
forma de transgressão, observou, porque, “no dia a dia, na vida comum,
os homens são machistas, homofóbicos. E só durante os dias de carnaval,
as pessoas se permitem inverter a sua posição. É um ritual de inversão”,
reiterou.
O que chama a atenção, acrescentou, é que ao contrário
dos anos de 1940, quando os blocos eram mais restritos, hoje são
milhares de pessoas pelas ruas durante o carnaval. Destacou que não se
deve interpretar o uso de fantasias femininas por homens como uma
postura rebelde em relação à visão de gênero. “É o reforço do cotidiano,
porque você só pode fazer isso no carnaval. Ou seja, durante 362 dias
da vida, as pessoas têm que agir como homem e como mulher. E no
carnaval, elas são liberadas”, disse.
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Fonte: Jornal do Brasil online, 02/03/2014
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