domingo, 23 de março de 2014

"Os idosos não produzem e são fonte de despesa"



 Esta sexta-feira, o site do Expresso publica o último excerto dos dois novos livros de Maria Filomena Mónica, que olham para o interior de uma sala de aula. 
Amanhã, há entrevista na "Atual".
 
 
Maria Filomena Mónica pediu a oito professoras e quatro alunas que a ajudassem a espreitar pelo buraco da fechadura para dentro de uma sala da aula. Daqui resultaram dois livros: "A Sala de Aula", análise da socióloga a partir do material que lhe foi chegando às mãos, e "Diários de Uma Sala de Aula", edição da coleção dos diários que as professoras, alunas e também uma mãe foram escrevendo. As duas obras foram lançadas ontem no Centro Cultural de Belém, pela Fundação Francisco Manuel dos Santos. Amanhã publicamos, na edição do suplemento "Atual", uma entrevista com a socióloga. Hoje, avançamos uma passagem do diário de uma das professoras.  

EXCERTO:

"Se, por um lado, elogiavam e enalteciam os avanços da ciência, o esforço de médicos e cientistas para prolongar com qualidade a vida humana, por outro, consideravam que, em termos económicos, isto constituía uma fatalidade. Segundo as suas palavras, os "idosos" não produzem e são fonte de despesa porque necessitam de cuidados médicos contínuos. Acrescendo o facto de se verificar um enorme desvio de verbas do orçamento geral do Estado para as suas reformas, talvez a morte fosse a melhor solução para todos aqueles que sentem que já não são úteis para a sociedade a que pertencem. Em suma, os idosos contribuíam, decisivamente, para a falência do sistema de Segurança Social. De acordo com os pontos de vista enunciados, também não parecia justo deixar viver quem já não encontrava um sentido para a sua própria existência, reconhecendo a sua perda de capacidades. A maior parte dos idosos que conheciam eram pessoas deprimidas. Porquê viver com semelhante angústia? Confessei que não esperava tanta insensibilidade. Compreendia que nesta fase das suas vidas, plena de força e de sonhos, seria difícil conceber uma existência diferente. Perguntei-lhes se, em algum momento, tinham imaginado o seu próprio futuro. Como seria a sua vida em 2072? Estariam preparados para aceitar, estoicamente, a morte?

"Quem pensa nisso, professora? Não se tem esses pensamentos aos 17 anos" - sentenciou o Daniel. A Maria reconheceu que talvez houvesse alguma frieza, um pouco de crueldade no tratamento da temática. Mas esta era a verdade partilhada por todos. Era do conhecimento geral que a maior parte das famílias coloca os avós num lar, onde quase nunca os vão visitar. Para quê viver assim, à espera da morte? Ela preferia não vir a conhecer essa realidade. Viver com pouca qualidade de vida não lhe parecia justo. Havia toda uma sorte de doenças motivadas por estados de demência, que nenhum ser humano merece conhecer por experiência própria. A ciência deve ajudá-los a morrer com dignidade... Meu Deus, e é a Maria uma forte candidata a Medicina. A Daniela achou que eu tinha reagido negativamente aos argumentos apresentados porque, aos 50 anos, eu também já estava muito perto de atingir os anos dourados da terceira idade."
Catarina, professora, em ""Diários de Uma Sala de Aula" (Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2014)"

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Fonte:  http://expresso.sapo.pt/

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