sexta-feira, 7 de março de 2014

NUS E PELADOS

 Diana Corso*
Lembro do dia em que descobri o que era a nudez. Era Carnaval e não havia baile infantil de clube ou de rua naquela cidade uruguaia, a folia era simples e sem graça: circular pelas ruas mais povoadas do balneário, esperando e temendo ser atingida por uma bombinha dágua ou um jato. Era isso o que os garotos faziam, e eram eles que me interessavam. Com sorte, o banho seria de confetes ou serpentinas, mas eu não conseguia decidir se isso era um mérito em relação a ser atingida pela água, mais incômoda, ou um descaso.

Não sei que idade tinha, mas acho que não havia atingido os dois dígitos. Minha fantasia era composta de um sarongue e um colar daqueles de flores de plástico, usados sobre a parte de baixo do biquíni. A parte de cima, naqueles tempos mais ingênuos, sequer era usada na praia. Sarongue, colar e flores para a cabeça, saí toda primaveril para a rua, disposta a brincar de temer ser molhada.

Foi quando notei a presença dos meus seios. Não me refiro aos reais, que nem sugeridos estavam naquela ocasião, mas, sim, àqueles que um dia apareceriam. Foi naquele dia em que pela primeira vez me senti nua. O fim da infância chegou, sem anunciar-se, em pleno Carnaval.

Meia quadra depois, corri para casa de volta, completei a fantasia com o resto do biquíni, mas já era tarde: mesmo oculto, meu corpo de criança já tinha o que mostrar. A nudez é um sentimento que pode atingir a pessoa mesmo quando não há nada para ser visto, assim como pode estar ausente quando tudo está explícito. O que me expôs a um olhar cuja existência eu ignorava até aquele Carnaval foi o desejo que senti de ser alvo das brincadeiras dos meninos.

O Carnaval está aí para que a sensualidade possa se exibida, enfeitada, fantasiada, desnudada ou travestida, numa festa civilizada. A exposição dos corpos de passistas e destaques carnavalescos é, no fim das contas, tão educada quanto uma praia de nudismo, onde se pode andar sem roupas sem ser incomodado.

Já o desejo que a nudez revela é diferente do direito de andar pelado e rebolar em público, ele se alimenta daquilo que quando visto produz algum efeito, algum rubor, algum frisson nos envolvidos. Pode e costuma ser controlado, mas move montanhas. No começo da vida de todos há esse divisor de águas: aquele momento do surgimento da nudez, no qual o corpo se torna desejável. A partir daí, a intimidade é necessária e a porta do banheiro se fecha para os olhos da família.

O momento carnavalesco dessa história de infância foi dado pela oportunidade de parecer uma havaiana. A diversão estava garantida se tivesse continuado o passeio sem ficar envergonhada, mas fui atropelada por um desejo que ainda desconhecia e toda nudez tem algo a ver com ele: a ideia de que o que pode ser visto denunciará as mais recônditas fantasias do portador. Essas fantasias não desfilam, elas costumam sair na calada do sexo, na intimidade dos casais. Os pelados da avenida são lindos, exuberantes, vistosos e sejam bem-vindos. Mas nudez, meus amigos, essa é outra coisa e, por sorte, não ocorre somente no Carnaval.
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*Psicanalista
Fonte: ZH online, 07/03/2014
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