Mazé Leite *
Hieronymus Bosch, célebre pintor do Renascimento, tem sido citado diversas vezes nos últimos dias depois que uma estudante da Universidade Cristã de Oklahoma, EUA, resolveu decifrar as notas musicais que o pintor inscreveu na bunda de uma de suas figuras contidas no célebre quadro “Jardim das Delícias”.
Amelia Hamrick (nome da estudante) resolveu analisar o
tríptico pintado por Bosch e viu que em uma das figuras dispostas no
local onde seria o “inferno” havia uma inscrição de notas musicais. Ela
resolveu transcrever essas notas e tocá-las para ver o resultado, que
pode ser ouvido num video divulgado no Youtube http://www.youtube.com/watch
Curiosidades e brincadeiras à parte, o pintor que teria pensado
numa música para o reino de Hades, era muito sério. Este quadro -
“Jardim das Delícias” - se encontra no acervo do Museu do Prado em
Madrid. Foi pintado em 1504 e descreve a história da criação e os reinos
dos céus e dos infernos. Mas essa pintura também representa
simbolicamente as angústias e superstições das pessoas que viviam na
mesma época do pintor holandês. Ele é o maior dos quadros pintados por
Bosch e o mais intrigante. É composto de três partes, por isso chamado
de tríptico.
A primeira parte representa o Paraíso, expresso em cores claras em
tons de verde, azul, amarelo e ocre. Tudo parece tranquilo, harmonioso. A
parte central é uma verdadeira explosão de cores vivas e de figuras
nuas, parecendo mostrar um paraíso um pouco mais voluptuoso. Na terceira
parte do tríptico, as cores são mais escuras como preto, azul escuro e
cinza, e diversos instrumentos musicais surgem como se fossem
instrumentos de tortura, em meio a cenas de crimes, de guerras e de
incêndio, a própria imagem do caos. Numa das figurinhas que se encontram
embaixo de uma espécie de violoncelo e de uma harpa, Bosch tatuou em
sua bunda uma anotação musical.
Vamos ver quem foi esse pintor que há 600 anos apresentava uma pintura tão intrigante.
Seu nome verdadeiro era Jeroen Anthonissen van Aeken e nasceu em
1450 na Holanda, num lugar chamado Hertogenbosch, numa família modesta,
cujo pai e avô foram também pintores. Quase todos os membros de sua
família foram pintores, incluindo seu irmão mais velho Goessen. Por isso
acredita-se que ele tenha recebido sua formação no próprio estúdio do
pai ou do avô.
Mas Bosch se casou com uma moça da rica aristocracia em 1478, e por
causa disso foi aceito como “membro notável” da Confraria de Nossa
Senhora, uma sociedade religiosa fundada em 1318, que era dedicada ao
culto da Virgem Maria. Bosch vivia então uma vida tranquila, entre sua
casa, seu ateliê e a Confraria. Logo seu nome passou a ser conhecido
longe de sua terra natal.
Desde 1490 ele passou a assinar seus quadros como “Hieronymus
Bosch”, sendo que o “Bosch” seria uma referência à sua terra de
nascimento, Hertogenbosch.
A partir de suas leituras da Bíblia e dentro da atmosfera de
misticismo que reinava em toda a Idade Média, Bosch abandonou a
iconografia tradicional desde o começo de sua pintura para buscar
representar coisas que seriam “sacrílegas” e pecaminosas. A danação
infernal era um tema de grande inspiração para ele. Mas tudo se
misturava, céus e infernos, e ele também não deixou de satirizar a moral
da época. Bosch parecia se preocupar com a ideia da condenação eterna
para a humanidade que vivia em pecado. Além do “Jardim das Delícias”,
onde ele pintou o inferno, fez também o “Os sete pecados capitais” entre
1475-1480.
No começo do século XVI, Hieronymus Bosch fez uma viagem à cidade
italiana de Veneza, que lhe influencia no sentido de passar a pintar
quadros com mais espaços e paisagens, que ele inseriu em suas telas
representando a vida de santos. Por volta de 1510 havia surgido uma nova
forma de pintar figuras nos quadros: aquelas que apareciam com somente a
metade dos corpos, inclusive em primeiro plano.
O estilo de Bosch é basicamente caracterizado por apresentar
personagens caricaturizados e figuras que pertenciam ao repertório
imaginativo da Idade Média. Seu estilo foi imitado depois por vários
artistas, incluindo Pieter Brueghel, o Velho, além de ter influenciado
até mesmo a pintura expressionista do começo do século 20, assim como os
surrealistas.
Por outro lado, pintores alemães como Martin Schongauer, Matthias Grünewald e Albrecht Dürer influenciaram a obra de Bosch.
Além de sua religiosidade voltada ao culto de Maria, especula-se
também que ele teria participado de seitas que se dedicavam à prática do
ocultismo. Mas não se tem prova disso porque pouco se conhece sobre sua
vida. Mas em alguns de seus quadros se encontram símbolos ligados à
alquimia, assim como cenas que parecem ter sido retiradas de seus sonhos
ou pesadelos. Vale lembrar também que o ano de 1500 representava para
as pessoas do século 15 o ano do fim do mundo, quando a besta do
Apocalipse seria solta sobre a terra e Deus iria julgar os bons e os
maus, enviando estes últimos para queimar eternamente nas chamas do
inferno.
O Museu do Prado possui a maior coleção das pinturas de Bosch, pelo
fato do rei Filipe II da Espanha ter sido um ávido admirador e
colecionador de obras do pintor holandês. Isso é muito curioso, pois
parece combinar muito com a cultura e o espírito espanhol que gerou um
Miguel de Cervantes e artistas como Francisco Goya, El Greco e mesmo
Salvador Dali. No Prado podem ser encontradas obras como “O carro de
feno”, “O jardim das Delícias”, “Os sete pecados capitais”. Em nosso
Masp - Museu de Arte de São Paulo - podemos ver um suposto estudo seu
para o quadro “As tentações de Santo Antão”, cujo original se encontra
em Lisboa, no Museu Nacional de Arte Antiga. Na Espanha, Boscho é também
conhecido como “El Bosco”.
Bosch entrou para a história como “criador de demônios” e pintor
satírico. Mas sua importância é particularmente importante por ter
inovado a pintura de seu tempo, criando novas composições.
Hieronymus Bosch morreu em agosto de 1516.
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* Artista plástica, bacharel em Letras-USP, membro do Ateliê Contraponto de Arte Figurativa.
Fonte: http://www.vermelho.org.br/09/03/2014
Imagem da Internet
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