Diana Corso*
O garoto, lápis na mão, pergunta à mãe: “O que é sexo?”. Ela larga o
que fazia e começa uma delicada explicação, que envolve amor,
sementinhas, talvez algum detalhe anatômico. Entre divertido e surpreso
ele acrescenta: “Mas o que devo marcar aqui, masculino ou feminino?”. É
quando ela percebe que ele só queria ajuda para preencher um
formulário... Essa piada é clássica, revela que sempre pensamos além do
que se diz e em geral sobre sexo. Só que hoje ela está deixando de fazer
sentido.
O termo “gênero” surgiu na esteira das pesquisas da antropóloga Margareth Mead, que fez o levantamento de impressionantes diferenças culturais na construção dos papéis feminino e masculino. Elas tornaram inquestionável a posição de Simone de Beauvoir de que ser mulher é algo que não se nasce, torna-se. O que ambas queriam ressaltar é que a resposta para o formulário do garoto é mais complexa e ainda mais complicada do que sua mãe supunha. Diante desses novos debates, as sementinhas ficaram obsoletas.
Se um formulário tivesse que se ater a dois campos, hoje seriam talvez assim: ( ) Cisgênero – que você deve assinalar caso sua identidade esteja em consonância com o gênero que lhe foi atribuído ao nascer – ou ( ) Transgênero – assinalando uma discordância entre o sexo biológico e a sua forma de ser.
Na verdade, a divulgação e até mesmo a oficialização dessas múltiplas alternativas levanta um dos maiores tabus da nossa cultura: a falsidade da dualidade e oposição entre masculinidade e feminilidade. Essas identidades estão a léguas de qualquer obviedade, tampouco representam tudo o que somos e sentimos. Por que temos tanto medo da queda da máscara dos dois sexos opostos? Porque é uma das raras certezas que temos cultivado sobre como se deve ser, fora delas, a liberdade de opções apavora. A mediocridade se alimenta de parâmetros binários.
Longe de temer essas inovações, deveríamos entender que elas carregam uma utopia, um sonho: o de que a identidade sexual não seja uma sina, um peso insuportável de ser carregado. Crescemos inquietos, envergonhados e sempre inseguros de estar à altura de ser verdadeiramente homens ou mulheres. Já está na hora de mudar esse desafio. A certeza nunca virá, mas a violência contra aqueles que abalam as estruturas jamais falta.
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*PSICANALISTA
Fonte; ZH online, 16/03/2014
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