Imagem de “First light”, uma das cinco partes da videoinstalação “Going forth by day” (2002) Divulgação
As cerca de 40 telas que compõem as videoinstalações, com projeções
de sete a 35 minutos, são um mergulho no universo visual, místico e
metafísico do artista
PARIS - Acomodado em um banco nos corredores do Grand Palais, em
Paris, o artista americano Bill Viola, de 63 anos, relembra uma história
de infância que costuma contar. Aos 6 anos de idade, em férias com a
família nas montanhas, ele por pouco não morreu afogado ao cair
acidentalmente em um lago. Foi salvo por seu tio, que de pronto
mergulhou em seu socorro e o resgatou das profundezas. Os segundos em
que permaneceu tragado pelas águas não lhe provocaram medo, mas, ao
contrário, uma sensação de bem-estar e a fascinação pela descoberta de
um mundo novo na lentidão submersa:
— Eu me deparei com aquele incrível espaço que nunca antes havia visto. Esse tipo de experiência, de choque, é algo que você nunca esquece, e hoje não tenho medo da morte. Se alguém viesse agora aqui neste corredor tentar me matar, não teria medo, pois isso já me aconteceu antes, já cheguei perto da morte.
Hoje ele define seu “trauma positivo” da infância como uma forte experiência espiritual, com marcada influência em sua criação artística. Considerado um dos maiores videoartistas contemporâneos, Bill Viola é atualmente celebrado pelo Grand Palais com uma de suas maiores retrospectivas, por meio de 20 obras das últimas quatro décadas, até 21 de julho. As cerca de 40 telas que compõem videoinstalações, com projeções de sete a 35 minutos, são um mergulho no universo visual, místico e metafísico do artista, em uma desapressada viagem guiada pelas questões: “Quem eu sou? Onde estou? Para onde vou?”.
Viola aprecia dizer que nasceu ao mesmo tempo em que o vídeo, e os dois cresceram juntos. Em 1969, entrou para a Universidade de Syracuse, no estado de Nova York, logo se viu atraído por pintura e música eletrônica, no recém-fundado Departamento de Estudos Experimentais, e conheceu o vídeo pela primeira vez no centro acadêmico local. A estreia com uma câmera na mão aconteceu em 1970. Em 1971, fundou o Centro de Mídia Synapse e, no ano seguinte, já era assistente do sul-coreano Nam June Paik (1932-2006), reputado como pioneiro da videoarte. Em sua trajetória, Viola experimentou todos os formatos, instrumentos e as variadas possibilidades do vídeo, dos tubos catódicos à mais sofisticada tecnologia plasma:
— Eu tive muita sorte de estar no início de um verdadeiro novo meio, que era o vídeo. Estávamos sempre olhando para a frente, e a cada dois ou três anos surgiam coisas novas. Guardei todos os meus antigos equipamentos, que hoje quase já não funcionam. Mas posso empregar em meus novos trabalhos também a velha tecnologia, o que é maravilhoso.
Para Jérôme Neutres, curador da exposição junto a Kira Perov, mulher e colaboradora do artista, Viola é o “inventor permanente”:
— Nam June Paik foi incontestavelmente o primeiro a propor a videoarte, mas permaneceu numa certa materialidade do objeto de arte quase escultural. Viola nunca parou de se desenvolver, de se reinventar e ir além. Por isso, fiz questão de convencê-lo a mostrar os diferentes gêneros de sua obra, e hoje temos aqui a sua maior retrospectiva já realizada, segundo ele mesmo diz.
“Choque estético”
Autodefinido como um “escultor do tempo”, Bill Viola se interroga em suas criações sobre vida, morte, transcendência, sonho e espaço, usando a água, o fogo, o céu ou o deserto, em obras como “The sleep of reason”, de 1988, e “Transfigurations (Three women)”, de 2008.
— Em sua obra há recorrências temáticas. Ele está na busca permanente do questionamento sobre a percepção, a verdadeira realidade do que vemos. É uma arte muito profunda, sensível, que toca todo mundo. Mas há um primeiro nível de encontro que é o choque estético, com as formas plásticas, a beleza, o que é muito importante — define o curador.
Em “Going forth by day” (2002), inspirada nos afrescos do pintor italiano Giotto (1266-1337) na Basílica de São Francisco de Assis, imagens digitais são projetadas simultaneamente nos muros de uma grande sala, em cinco partes, cada uma com uma narração: “Fire birth”, “The path”, “The deluge”, “The voyage” e “First light”, que tratam de sociedade e individualidade, morte e ressurreição.
— Viola não é representante de nenhum círculo, nenhuma igreja ou cultura. Ele é um grande humanista. Não é um cidadão do mundo, como se diz hoje, mas um cidadão da Humanidade. Suas obras veiculam um mundo que faz as pessoas sonharem, um mundo também de paz e serenidade — acrescenta Neutres.
Nos dez minutos de “Tristan’s ascension” (2005), parte de seu projeto maior baseado na ópera “Tristão e Isolda”, do compositor alemão Richard Wagner (1813-1883), um corpo se eleva no espaço no mesmo sentido da água que sobe, primeiro em gotas até se transformar em uma torrente invertida, simbolizando a ascensão da alma após a morte. Em “The reflecting pool” (1977-79), o próprio artista protagoniza o vídeo em um salto sobre uma piscina, numa manipulação do tempo — sua assumida principal matéria-prima —, de imagens e reflexos. “Heaven and earth” (1994) revela dois monitores catódicos face a face, num jogo de imagens em preto e branco de um velho à beira da morte e de um bebê recém-nascido, que são vistas em interação de acordo com o movimento de quem observa. Em “Fire woman” (2005), uma silhueta feminina afronta um muro de chamas de oito metros de altura, e ao final o fogo se transmuda em água. “The quintet of the astonished” (2000), inspirado na tela “Coroação de espinhos”, do renascentista flamengo Hieronymus Bosch (1450-1516), é uma projeção em câmera lenta na qual cinco pessoas agrupadas exprimem as mais diferentes emoções:
— Estamos todos juntos nisso, e cada pessoa tem a capacidade de uma vida interior, espiritual. Isso não tem nada a ver com religião, é um poder que temos, e como artista procuro usá-lo. Desde criança fui muito emotivo, mesmo antes do acidente. E o que tento fazer hoje é conectar a cabeça e a emoção, para que se tenha o ser humano completo. É preciso conectar as emoções — defende Bill Viola.
— Eu me deparei com aquele incrível espaço que nunca antes havia visto. Esse tipo de experiência, de choque, é algo que você nunca esquece, e hoje não tenho medo da morte. Se alguém viesse agora aqui neste corredor tentar me matar, não teria medo, pois isso já me aconteceu antes, já cheguei perto da morte.
Hoje ele define seu “trauma positivo” da infância como uma forte experiência espiritual, com marcada influência em sua criação artística. Considerado um dos maiores videoartistas contemporâneos, Bill Viola é atualmente celebrado pelo Grand Palais com uma de suas maiores retrospectivas, por meio de 20 obras das últimas quatro décadas, até 21 de julho. As cerca de 40 telas que compõem videoinstalações, com projeções de sete a 35 minutos, são um mergulho no universo visual, místico e metafísico do artista, em uma desapressada viagem guiada pelas questões: “Quem eu sou? Onde estou? Para onde vou?”.
Viola aprecia dizer que nasceu ao mesmo tempo em que o vídeo, e os dois cresceram juntos. Em 1969, entrou para a Universidade de Syracuse, no estado de Nova York, logo se viu atraído por pintura e música eletrônica, no recém-fundado Departamento de Estudos Experimentais, e conheceu o vídeo pela primeira vez no centro acadêmico local. A estreia com uma câmera na mão aconteceu em 1970. Em 1971, fundou o Centro de Mídia Synapse e, no ano seguinte, já era assistente do sul-coreano Nam June Paik (1932-2006), reputado como pioneiro da videoarte. Em sua trajetória, Viola experimentou todos os formatos, instrumentos e as variadas possibilidades do vídeo, dos tubos catódicos à mais sofisticada tecnologia plasma:
— Eu tive muita sorte de estar no início de um verdadeiro novo meio, que era o vídeo. Estávamos sempre olhando para a frente, e a cada dois ou três anos surgiam coisas novas. Guardei todos os meus antigos equipamentos, que hoje quase já não funcionam. Mas posso empregar em meus novos trabalhos também a velha tecnologia, o que é maravilhoso.
Para Jérôme Neutres, curador da exposição junto a Kira Perov, mulher e colaboradora do artista, Viola é o “inventor permanente”:
— Nam June Paik foi incontestavelmente o primeiro a propor a videoarte, mas permaneceu numa certa materialidade do objeto de arte quase escultural. Viola nunca parou de se desenvolver, de se reinventar e ir além. Por isso, fiz questão de convencê-lo a mostrar os diferentes gêneros de sua obra, e hoje temos aqui a sua maior retrospectiva já realizada, segundo ele mesmo diz.
“Choque estético”
Autodefinido como um “escultor do tempo”, Bill Viola se interroga em suas criações sobre vida, morte, transcendência, sonho e espaço, usando a água, o fogo, o céu ou o deserto, em obras como “The sleep of reason”, de 1988, e “Transfigurations (Three women)”, de 2008.
— Em sua obra há recorrências temáticas. Ele está na busca permanente do questionamento sobre a percepção, a verdadeira realidade do que vemos. É uma arte muito profunda, sensível, que toca todo mundo. Mas há um primeiro nível de encontro que é o choque estético, com as formas plásticas, a beleza, o que é muito importante — define o curador.
Em “Going forth by day” (2002), inspirada nos afrescos do pintor italiano Giotto (1266-1337) na Basílica de São Francisco de Assis, imagens digitais são projetadas simultaneamente nos muros de uma grande sala, em cinco partes, cada uma com uma narração: “Fire birth”, “The path”, “The deluge”, “The voyage” e “First light”, que tratam de sociedade e individualidade, morte e ressurreição.
— Viola não é representante de nenhum círculo, nenhuma igreja ou cultura. Ele é um grande humanista. Não é um cidadão do mundo, como se diz hoje, mas um cidadão da Humanidade. Suas obras veiculam um mundo que faz as pessoas sonharem, um mundo também de paz e serenidade — acrescenta Neutres.
Nos dez minutos de “Tristan’s ascension” (2005), parte de seu projeto maior baseado na ópera “Tristão e Isolda”, do compositor alemão Richard Wagner (1813-1883), um corpo se eleva no espaço no mesmo sentido da água que sobe, primeiro em gotas até se transformar em uma torrente invertida, simbolizando a ascensão da alma após a morte. Em “The reflecting pool” (1977-79), o próprio artista protagoniza o vídeo em um salto sobre uma piscina, numa manipulação do tempo — sua assumida principal matéria-prima —, de imagens e reflexos. “Heaven and earth” (1994) revela dois monitores catódicos face a face, num jogo de imagens em preto e branco de um velho à beira da morte e de um bebê recém-nascido, que são vistas em interação de acordo com o movimento de quem observa. Em “Fire woman” (2005), uma silhueta feminina afronta um muro de chamas de oito metros de altura, e ao final o fogo se transmuda em água. “The quintet of the astonished” (2000), inspirado na tela “Coroação de espinhos”, do renascentista flamengo Hieronymus Bosch (1450-1516), é uma projeção em câmera lenta na qual cinco pessoas agrupadas exprimem as mais diferentes emoções:
— Estamos todos juntos nisso, e cada pessoa tem a capacidade de uma vida interior, espiritual. Isso não tem nada a ver com religião, é um poder que temos, e como artista procuro usá-lo. Desde criança fui muito emotivo, mesmo antes do acidente. E o que tento fazer hoje é conectar a cabeça e a emoção, para que se tenha o ser humano completo. É preciso conectar as emoções — defende Bill Viola.
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Reportagem por Fernando Eichenberg (Email)
Fonte: Jornal o GLOBO online, acesso 17/03/2014
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