Rubem Alves*
Quer ficar calmo? Respire suavemente diante da chama leve que faz sossegadamente seu trabalho de luz.
* Um excesso de infância é um germe de poema. A criança sabe que a
lua, esse grande pássaro louro, tem seu ninho nalguma parte da floresta.
* Na idade do envelhecimento a lembrança da infância devolve-nos
aos sentimentos finos, a essa “saudade risonha” das grandes atmosferas
baudelerianas.
* A infância vê o mundo ilustrado, o mundo com suas cores primeiras, suas cores verdadeiras.
* Nos grandes infortúnios da vida cobramos coragem quando somos o
sustentáculo de uma criança. A inquietação que temos pela criança
sustenta uma coragem invencível.
* A infância não é uma coisa que morre em nós e seca uma vez
cumprido o seu ciclo. Não é uma lembrança. É o mais vivo dos tesouros e
continua a nos enriquecer sem que o saibamos. (Franz Hellens)
* A infância do homem levanta o problema de toda a sua vida; cabe à idade madura encontrar-lhe a solução.
* Parece que existe em nós cantos sombrios que toleram apenas uma luz bruxuleante. Um coração sensível gosta de valores frágeis.
* A chama é um mundo para o homem só. Se o sonhador inflamado fala com a chama, fala consigo mesmo, ei-lo poeta.
* Existe um parentesco entre a lamparina que vela e a alma que
sonha. Tanto para uma quanto para a outra o tempo é lento. Tanto no
devaneio quanto na luz fraca encontra-se a mesma paciência.
* Um ser sonhador feliz de sonhar, ativo em sua fantasia, contém uma verdade do ser, um destino do ser humano.
* A chama murmura, a chama geme. A chama é um ser que sofre.
* A vela que se apaga é um sol que morre. A vela morre mesmo mais
suavemente que o astro celeste. O pavio se curva e escurece. A chama
tomou, na escuridão que a encerra seu ópio. E a chama morre bem: ela
morre adormecendo.
* Quem confia nas fantasias da pequena luz descobrirá esta verdade
psicológica: o inconsciente tranqüilo, sem pesadelos, em equilíbrio com
suas fantasia. Imagens da pequena luz nos ensinam a gostar desse
claro-escuro da visão íntima.
* Como o lampião, entramos na morada da fantasia da noite, nas
resistências de outrora, as resistências abandonadas mas que são, em
nossos devaneios, fielmente habitadas.
* É preciso que as pessoas racionais perdoem àqueles que escutam os demônios do tinteiro.
* É necessário que se tenha vinganças a executar para imaginar o inferno.
*O leitor vigilante diante da chama não lê mais. Pensa na vida.
Pensa na morte. A chama é precária e vacilante. Essa luz, um sopro a
aniquila; uma faísca a reacende. A chama é nascimento e morte fáceis.
Vida e morte aqui podem ser justapostos.
* O sonhador sonha com aquilo que poderia ter sido. Sonha em
revolta contra si mesmo, com o que deveria ser, com o que deveria ter
feito.
* Sonhando, solitário e ocioso, diante da vela, sabe-se logo que
esta vida que brilha é também uma vida que fala. Os poetas, ainda aí,
vão nos ensinar a escutar.
* Morrer por amor, no amor, como a borboleta na chama...
* Como se comporta a Sua Solidão?
* É preciso andar depressa, pois as coisas reais não sonham por
muito tempo. Não se deve deixar a luz dormir. É preciso se apressar em
acordá-la.
* A imaginação não é, como sugere a etimologia, a faculdade de
formar imagens da realidade; ela é a faculdade de formar imagens que
ultrapassam a realidade, que cantam a realidade.
* Na ordem da filosofia não se persuade senão sugerindo sonhos
fundamentais, senão restituindo aos pensamentos suas avenidas de sonhos.
* A imagem, na sua pura simplicidade, não precisa de um saber.
* O psicanalista explica a flor pelo estrume.
* A imaginação tenta um porvir; ela é um fator de imprudência que nos destaca das pesadas estabilidades.
* Será necessário tentar compreender o passado pelo presente , longe de tentar incessantemente explicar o presente pelo passado.
* A imagem poética existe sob o signo de um ser novo: Esse ser novo é o homem feliz.
* A poesia possui uma felicidade que lhe é própria, qualquer que seja o drama que ela seja levada a ilustrar.
* O poeta nos dá uma grande alegria de palavras.
* A noite que nos toma em seu próprio sono é um oceano de águas dormentes.
* Todos nós temos um museu íntimo onde ficam guardados os grandes seres da história.
* Para um olho claro, tudo é espelho. Para um olhar sincero e grave, tudo é profundeza.
* Todos os seres são puros porque belos.
* O Paraiso é, antes de tudo, um belo quadro.
* O destino do mundo é criar mulheres. Uma mulher não nasce, por exemplo, das harmonias do vento, nos ramos de uma árvore?
* O universo tem, para além de todas as misérias, um destino de felicidade. O homem deve reencontrar o Paraíso.
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* Educador. Escritor.
Fonte: Correio Popular online, 30/03/2014
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