Foto: Lulu
“Se há um problema que me
preocupa sobre a juventude de hoje é que muitos dos jovens parecem viver
sob a sombra da minha geração”, afirma o antropólogo.
“A ideia de que nós, os Boomers,
criávamos, inventávamos e éramos definidos por nossa ‘juventude’ era
tão pervasiva, que nos tornamos a primeira geração que nunca lidou bem
com o envelhecimento.” A declaração é do antropólogo Ted Polhemus, em entrevista concedida à IHU On-Line,
por e-mail, e faz parte de sua análise em compreender o mito da
juventude presente na sociedade. Segundo ele, diante da “inabilidade de
crescer e envelhecer, os Boomers tentaram colar em si mesmos uma etiqueta de ‘Jovens para sempre’ que, em certo sentido, nega a juventude àqueles que realmente são jovens”.
Autor do livro BOOM! A Baby Boom Memoir, Polhemus
evidencia um processo de “juvenilização”, ou seja, “a transferência da
cultura da juventude do domínio estrito dos jovens para a penetração em
todos os grupos etários e na cultura em seu sentido mais amplo”.
E explica: “não é que simplesmente um
novo mercado foi criado dentro da indústria da moda para lidar com
aqueles que eram jovens, mas que jovens modelos e criações apropriadas
apenas para corpos jovens empurraram tudo o mais para a indústria da
moda”.
O resultado desse processo, adverte, são “‘adultos-infantis’,
que vão envelhecendo e que tentam desesperadamente ‘enturmar-se com as
crianças’. Minha esperança é de que assim que a minha geração for —
finalmente — para aquele grande Festival de Rock no
céu, o mundo possa voltar a ter uma percepção mais normal e sensível de
que a criatividade e os valores não estão limitados a nenhuma faixa
etária”. E dispara: “Hoje — diferentemente dos anos 1950 e 1960 — apenas
os velhos estão presos no modelo de juvenilização”.
Ted Polhemus é antropólogo com formação pela Temple University, Filadélfia.
Foto: Urban Fieldnotes |
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Por que há um mito em torno da juventude?
Ted Polhemus - A partir
das décadas de 1950 e 1960, surgiu o mito de que é na juventude que
tudo acontece — que todos os avanços criativos vêm dos jovens. Isso
derrubou o (também absurdo) mito de que a juventude nada tem a
contribuir. O verdadeiro mito (e perigo) é a presunção de que a
criatividade é definida pela idade. No fundo, somos mais importantes que
nossa idade.
IHU On-Line - Que entendimento
os Boomers tinham da juventude? Em que medida a cultura que os envolvia
contribuiu para sua compreensão de juventude?
Ted Polhemus – Nós, Baby Boomers, crescemos em um mundo (logo após a Segunda Guerra Mundial) no qual nos diziam constantemente que éramos a "juventude" e, como tal, éramos especiais. A coisa realmente interessante é que toda a criatividade associada ao rock n’roll, ao Swinging London Fashion (expressão comumente utilizada para descrever a efervescência cultural dos anos 1960 na Inglaterra), veio de uma geração ligeiramente mais velha, que havia nascido durante ou mesmo antes da Segunda Guerra. Os primeiros Baby Boomers, como eu (nascido em 1947), não tinham se tornado adolescentes até 1960, enquanto o rock n’roll, os primeiros estilos de rua, o jazz moderno, os poetas beats,
haviam todos sido criados por adultos jovens que já não eram mais
adolescentes há tempos. Mas a ideia de que nós, os Boomers, criávamos,
inventávamos e éramos definidos por nossa "juventude" era tão pervasiva, que nos tornamos a primeira geração que nunca lidou bem com o envelhecimento.
IHU On-Line - O senhor diz que
essa geração afetou “como um tsunami” as outras gerações, “distorcendo e
metamorfoseando toda a cultura ocidental”. Como e em que medida isso
aconteceu? Quais são os reflexos nas gerações futuras?
Ted Polhemus - Uma vez firmada a ideia de que a juventude, e apenas a juventude, tinha a chave mágica para onde tudo acontece, todas as gerações mais velhas passaram a ser vistas como "quadrados",
velhos, sem esperança e que não compreendiam nada, e todas as gerações
subsequentes (ou, ainda mais importante, os homens e mulheres da
publicidade, que desejavam atingi-los) aceitaram sem questionar a
presunção de que a vida termina quando sua juventude acaba. Veja a moda,
por exemplo: estilistas como Dior, cujo "new look" tomou o mundo de assalto em 1947,
criava para mulheres, não garotas (que tradicionalmente seguiriam as
tendências estabelecidas por suas mães). De fato, a moda sempre focou
nas mulheres e não nas garotas, nos homens e não nos meninos. Mas os
estilistas dos anos 1960 (que, ironicamente, não eram eles mesmos
adolescentes), como Mary Quant, criaram moda focando
nas garotas adolescentes. Hoje existem grandes debates sobre modelos
tamanho zero e assim por diante, mas a essência dessa preocupação não
são as medidas corporais — é a idade. "Tamanho zero" denota garotas, não mulheres. Pessoalmente, penso que é hora de dissociar a moda e o estilo dessa restrição centrada na idade.
“Tenho 67 anos e não faço a menor ideia sobre os jovens de hoje” |
IHU On-Line - A geração atual de jovens ainda sofre os efeitos da geração Boomers? Em que aspectos?
Ted Polhemus - Em sua inabilidade de crescer e envelhecer, os Boomers tentaram colar em si mesmos uma etiqueta de "Jovens para sempre"
que, em certo sentido, nega a juventude àqueles que realmente são
jovens. Quando isso aconteceu, nos anos 1970 — todos aqueles velhos
hippies controlando a indústria da música —, o triunfo final da
juventude e da geração que era realmente jovem foi o punk. Mas o
problema, hoje, é mais insidioso na medida em que iguala "onde as coisas acontecem" com "juventude"
e procura aprisionar aqueles que são jovens numa categoria que é
dominada puramente pela idade. De fato, a partir do que eu vejo, a
juventude de hoje tem tido a sensibilidade de se apartar desse modelo
etário — nos processos de escolhas de estilo, música, ideologia, padrões
de consumo, etc., estão os indicadores de identidade realmente
significativos, e estes cruzam a passos largos as fronteiras de idade.
IHU On-Line - Existe um processo generalizado de conflito de gerações na sociedade ocidental? Se sim, em que termos?
Ted Polhemus - Havia nos anos 1970, quando os jovens rebeldes do punk miravam os "velhos chatos".
O que me impressiona é como o conflito geracional parece ser tão
pequeno hoje. E é preciso ser mais do que jovem para responsabilizar a
nós, os velhos, por estragar o mundo. Apontou-se estatisticamente que a
geração Boomer teve seu próprio modo de fazer as coisas: iam sorrindo aos bancos e destruíam o planeta como ninguém antes deles havia feito.
De fato, se me é permitido dizer, penso
que esse tipo de argumento (como tem sido exposto em um grande número de
livros campeões de vendas recentemente) recai na mesma absurdidade de
centrar-se na idade.
Havia Boomers que dirigiam ônibus e ganhavam salários muito baixos, enquanto outros — como Mark Zuckerberg — que não são Boomers,
mas têm feito dinheiro suficiente para manter uma pequena nação
funcionando. É absolutamente verdade que foi durante o tempo de vida dos
Boomers que a destruição de nosso planeta conheceu uma
aceleração. Mas, novamente, não acho que seja justo colar este juízo em
cada um dos Baby Boomers.
Contudo, a despeito dessas retratações, eu consigo entender facilmente
que as gerações mais jovens ressintam o fato de que tantos Boomers
estão gozando de rendas confortáveis (para não dizer que estão
usufruindo de todas as vantagens da medicina), enquanto muitos de sua
geração não conseguem nem arrumar emprego.
IHU On-Line - Em que consiste esse processo de “juvenilização” de que o senhor fala?
Ted Polhemus - Por "juvenilização"
eu entendo a transferência da cultura da juventude do domínio estrito
dos jovens para a penetração em todos os grupos etários e na cultura em
seu sentido mais amplo. Por exemplo, como mencionei antes, não é que
simplesmente um novo mercado foi criado dentro da indústria da moda para
lidar com aqueles que eram jovens, mas que jovens modelos e criações
apropriadas apenas para corpos jovens empurraram tudo o mais para a
indústria da moda; veja a música pop.
Nós esquecemos que este não é um
fenômeno natural: durante 99,9% da sua história, nossos ancestrais
humanos reverenciaram o antigo por sua sabedoria. Hoje, o resultado
final são os "adultos-infantis", que vão envelhecendo e
que tentam desesperadamente "enturmar-se com as crianças". Minha
esperança é que assim que a minha geração for — finalmente — para aquele
grande Festival de Rock no céu, o mundo possa voltar a
ter uma percepção mais normal e sensível de que a criatividade e os
valores não estão limitados a nenhuma faixa etária.
IHU On-Line - É possível romper
com esse processo de juvenilização inaugurado com os Boomers? Qual seria
o mito social subsequente?
Ted Polhemus - É só
parar, como eu digo, de pensar que quem nós somos é definido pela nossa
idade. O principal personagem e narrador do romance do final dos anos
1950, Absolute Beginners, teme que ao fazer 19 anos ele
ultrapassaria o seu prazo de validade. Que tamanha bobagem — não o
romance, que é ótimo, mas a noção de que a certa idade você está
passado.
“Nunca antes na história humana o Homo Sapiens teve tal possibilidade de se inventar a si mesmo” |
IHU On-Line - Como se dá o processo identitário de jovens hoje em dia, e
como este processo se difere do conceito de "juventude" originado a
partir dos Boomers?
Ted Polhemus - Isso é exatamente o que alguém tem que começar a perguntar aos jovens. Eu tenho 67 anos e não faço a menor ideia sobre os jovens de hoje.
É isso que quero que alguém faça: algum tipo de pesquisa que peça aos
jovens para listarem o significado de vários fatores (idade,
nacionalidade, classes, marcas, música, estilo, religião, raça, valores,
etc.), do mais importante para o menos importante. Aqui vai uma
observação que fiz por mim mesmo: na cidade de Hastings, no Reino Unido,
onde eu vivo, quando o tempo melhora (se é que melhora), há um monte de
crianças, predominantemente novas, andando de patins e skates no
calçadão à beira da praia. Eu digo crianças predominantemente novas — e
aqui está o meu ponto —, mas noto que, quando chega alguma pessoa mais
velha que é boa nos patins ou no skate, ela é bem-vinda e respeitada, ao
passo que algumas crianças que não têm habilidade são ignoradas.
Compare com a minha geração que dizia "Nunca".
IHU On-Line - Essa
autocompreensão de “juvenilização” faz com que os jovens não desenvolvam
características próprias da idade adulta? Quais, por exemplo? Como a
“juvenilização” afeta a vida adulta?
Ted Polhemus - Eu penso que o outro lado dessa moeda seja mais significativo: como aqueles que não são jovens
se esforçam para viver suas vidas como se fossem jovens, quando na
verdade não o são. Meu palpite seria de que hoje — diferentemente dos
anos 1950 e 1960 — apenas os velhos estão presos no modelo de juvenilização.
Novamente, penso que a juventude de hoje
lida bem, enquanto o problema de envelhecer é dos velhos. Se há um
problema que me preocupa sobre a juventude de hoje é que muitos desses
jovens parecem viver sob a sombra da minha geração. Estudantes dizem
para mim: "deve ter sido tão legal viver nos anos 1960". Bem, sim e não.
A história tem uma mania de ignorar todas as coisas chatas e repetir em
um "loop" infinito aquele clipe de Woodstock
no qual a mágica acontecia. Nos anos 1950 quando, na minha visão, as
reais revoluções aconteceram, tratava-se ainda mais da questão de uma
pequena minoria estatisticamente inundada por uma corrente extremamente
tediosa. E não nos esqueçamos de que Jack Kerouack e Neal Cassidy, de On the road,
desperdiçaram muito de suas vidas — e estragaram a vida de muitos
outros ao seu redor, especialmente das mulheres que passaram por suas
vidas. O que é tão significativo e excitante é que o que era a
preocupação de uma maioria, hoje tornou-se a preocupação da massa.
Muitas pessoas hoje — de todas as idades — se esforçam para criar uma
identidade única para si e expressam essa identidade em seus estilos ou
palavras, música, ou seja lá o que for. E isso é global.
Lembre-se que lá atrás, nos anos 1950 e 1960, a maioria se conformava muito mais do que se expressava a si mesma, e mesmo os Beats, Hippies, Bikers eram conformes às demandas de suas subculturas. A moda dizia às pessoas o que era in ou out. Nunca antes na história humana o Homo Sapiens teve tal possibilidade de se inventar a si mesmo.
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Fonte: IHU online, 03/03/2014
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