Henrique Raposo*
Como todos seres vivos da minha geração, vi e chorei com Clube dos Poetas Mortos. Até há poucos dias, oh captain, my captain ainda me causava aquele erupção cutânea de felicidade que alguém com um péssimo sentido de humor resolveu apelidar de pele de galinha.
Mas deixem-me frisar a parte do "até há poucos dias". É que cometi o
erro de rever o filme no velhinho VHS que os meus pais mantêm no meu
antigo quarto. Sim, foi um erro. Lamento, mas tenho de informar as
massas que Clube dos Poetas Mortos é uma xaropada. Nem o aspecto vintage
emprestado pela cassete VHS salva o filme.
A obra de Peter Weir labora em dois equívocos. Em
primeiro lugar, dá a entender que a poesia é apenas emoção, uma emoção
anti-razão, uma emoção não filtrada pelo intelecto. É como se a poesia
fosse sinónimo de sinceridade, de pureza, de mera inspiração não
conspurcada pelo trabalho intelectual. É como se escrever consistisse apenas no abrir da corrente de pensamento, é como se escrever
não fosse um lento garimpar das palavras. No fundo, Clube dos Poetas
Mortos aproxima a escrita do confessionalismo que abole qualquer
distância irónica ou crítica entre o autor e aquilo que o autor escreve.
É como se o pseudo-lirismo de Eugénio de Andrade fosse melhor do que as
lâminas de Larkin.
Em segundo lugar, o professor John Keating (a
personagem de Robin Williams) proclama o império da criatividade sobre o
trabalho disciplinado, sobre a memória, sobre o conhecimento. Eu sou um
grande partizan da criatividade, sim senhora, mas sei que a agilidade
linguística está a jusante. A montante, é preciso um trabalho de
apreensão de conhecimento, de memorização, um trabalho que requer
humildade perante o mundo exterior ao eu. Ou seja, a criatividade é um meio, não é um fim; é um meio que dá forma à matéria-prima que é anterior à criatividade. Se não existir esta humildade, o eu
criativo será apenas uma máquina de palavras vazias e entrará num
torvelinho em redor do seu próprio umbigo formalista. Escrever não pode
ser um mero exercício estético desligado de pulsões históricas,
religiosas, políticas ou morais (não confundir morais com moralistas, sff).
Se quiserem manter aquela pele de galinha, joguem a
cassete no lixo. Rever coisas do nosso estendal emotivo pode ser um
tormento.
DO BLOG: Mas ironicamente é o poema mais denso e inesquecível de todo o longa.
Ele é declamado pelo Sr. Anderson, numa das sessões da Sociedade dos Poetas Mortos, brilhantemente ambientada numa caverna, um ode a teoria de Platão.:
“Sonhamos com o amanhã e o amanhã não vem
Sonhamos com a glória que não desejamos
Sonhamos com um novo dia, quando este já chegou
E fugimos da batalha, uma que deve ser enfrentada
Mesmo assim dormimos
Ouvimos a chamada, mas não escutamos
Esperamos pelo futuro, quando não passa de planos.
Sonhamos com a sabedoria da qual fugimos diariamente
Oramos por um salvador quando a salvação esta nas nossas mãos
mesmo assim dormimos,
mesmo assim sonhamos,
mesmo assim tememos,
mesmo assim oramos,
mesmo assim dormimos.”
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