Montserrat Martins*
“O registro completo representa dignidade e identidade ao indivíduo. A
ausência do pai gera insegurança e fragilidade na família. Pelo menos
metade dos internos da Fase desconhecem seu pai e sofreram essa
influência em seu comportamento”. Perfeita a fala da Defensora Pública
Adriana Schefer, em evento em parceria com a Secretaria de Justiça e
Direitos Humanos do RS que entregou equipamentos de informática para
cerca de 80 maternidades no Estado, a fim de facilitar o registro civil
dos recém-nascidos – que agora, já irão para casa registrados.
A cada mês, a Defensoria atua em média em 500 pedidos extrajudiciais
de exame de DNA para reconhecimento da paternidade. Muitos desses
pedidos são tardios, quando danos emocionais da ausência paterna já
deixaram marcas no psiquismo das crianças, até então sem sequer o nome
do pai, quanto mais o convívio com o mesmo. Já existe há mais de duas
décadas a legislação específica que prevê o registro do nome do pai por
indicação da mãe, mas essa lei nunca havia sido colocada em prática,
porque ficava a cargo dos cartórios. Na prática, os cartórios não
costumam cumprir essa lei, não se interessam em indagar o nome do pai
quando omitido nem em notificar o indicado, pois estes serviços não são
lucrativos.
Claro que não se resolve a questão da paternidade com o simples
registro, mas ele tem muita influência na realidade da vida de todas as
pessoas envolvidas. Várias barreiras são rompidas, de ambos os lados,
com o simples fato do registro. Existe uma espécie de “pacto cultural da
omissão” em milhares de famílias “monoparentais” em que os filhos são
criados apenas pela mãe, por um “acordo tácito” entre os genitores com
motivações emocionais não muito nobres. Vários fatores estão envolvidos
nessa trama emocional perversa: mágoa da relação amorosa interrompida,
constituição de novas parcerias amorosas, ciúmes, possessividades.
Meu trabalho inclui atender situações que envolvem estas pessoas. No
dia a dia, ouço coisas incríveis, mães admitindo abertamente que querem
os filhos para si, possessivamente, para “não dividir” com o pai. Contam
que não querem registro, nem pensão, para não correr o risco do pai
pedir visitação. Os motivos incluem mágoas do ex-companheiro ou então
interesse num novo companheiro. É comum padrastos registrarem como se
fossem pais e depois, numa nova separação, os filhos sofrerem um novo
abandono.
Há uma clara confusão entre papéis de mãe e pai com os de mulher e
homem. Mães acham que pai é o homem que está com ela no momento, ou
então que elas são “pai e mãe” ao mesmo tempo. Homens acham que são seus
filhos apenas aqueles da mulher com quem está vivendo. Madrastas e
padrastos ciumentos incentivam essas distorções, é claro. Homens com
medo da nova companheira abandonam os filhos, muitas vezes se
arrependendo tardiamente. Mulheres com novo relacionamento tem medo que o
padrasto tenha ciúmes e forçam situações para que eles se sintam pais
de seus filhos.
Homens abandonando filhos e mulheres estimulando essa alienação do
pai biológico são uma conjugação perversa e que costuma andar junto,
dificilmente um fator é isolado num caso “bem sucedido” de alienação
parental. Uma aliança vitoriosa de egoísmos e imaturidades muito mais
comum, na nossa cultura, do que se imagina. É mais a regra do que a
exceção, em muitos casos de separação. Em pleno século XXI, está na hora
de mudar essa regra, que é nociva para os filhos e para todos nós.
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* Colunista do Portal EcoDebate, é Psiquiatra.
Fonte: EcoDebate, 10/03/2014
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