Luiz Felipe Pondé*
E se o livro do Eclesiastes estiver certo e não existir
nada de novo sob o Sol?
Você lembra do filme com Jack Nicholson chamado "Melhor É Impossível"?
Há uma cena em que ele, um obsessivo-compulsivo (diríamos, um caso grave
de TOC), de repente, saindo do analista, se dá conta: "E se melhor do
que isso for impossível?". Referia-se a seu quadro tenso, cheio de
rituais obsessivos, mas rasgado por um esforço cotidiano de enfrentá-lo.
Pois bem, outro dia, em meio a uma aula com alunos de graduação,
discutindo se é melhor ser religioso ou não, essa questão apareceu: "E
se a vida não puder ser melhor do que isso?". Ou: "E se uma vida melhor
for impossível de se conseguir?". Que vida é essa da qual falávamos? O
que pensa um jovem de 20 anos acerca do que seja qualidade de vida?
A questão se apresentou quando ouvíamos uma menina, religiosa, dizer o
quanto melhor era a qualidade de vida que se tinha vivendo dentro de uma
comunidade religiosa. Melhores amizades, melhor namoro, meninos mais
honestos, melhores férias, melhor convívio com os pais, enfim, melhor
tudo que importa, apesar de nunca ser perfeito.
Os semiletrados pensam que jovens gostam de ser "livres".
Risadas? Jovens querem famílias estáveis, casa com segurança, futuro
garantido, um grupo para dizer que é seu, códigos que os definam de
forma clara e distinta, enfim, de um quadro de referências que torne o
mundo significativo e seu.
Quando encontram, aderem de forma muito mais direta do que pessoas com
mais de 30. Estas já começam a entrar no desgaste cético que a vida
impõe a todos nós. Da louça que lavamos, do sexo meia boca que fazemos à
arte que cultivamos.
Basta ver o caráter dogmático do movimento estudantil pra ver esse tipo
de adesão direta e sem medo dos jovens. Às vezes temo que mais
atrapalhamos os jovens do que os ajudamos com o conjunto de exigências
que fazemos a eles: sejam diferentes, mudem o mundo, rompam com tudo,
inventem-se.
Woodstock foi um surto do qual eles já se curaram, mas nós
não.
Mas, de volta a: "E se a vida não puder ser melhor do que isso?".
O problema era: É melhor viver sem religião ou viver aceitando um código religioso claro?
E vejam: no dia a dia, os poucos jovens religiosos que conheço no meio
que frequento costumam ser melhores alunos, mais atentos ao que se fala
em sala de aula, menos inseguros com relação a temas como sexo, drogas e
rock and roll, assim como também quando se fala de futuros
relacionamentos. Enfim, parecem saber mais o que querem e serem menos
permeáveis às modinhas bobas que existem por aí.
A conclusão parece ser que uma adesão a uma vida religiosa sem exageros
de contenção de comportamento nutre mais esses meninos e meninas ao
redor dos 20 anos do que a parafernália de teorias que a filosofia ou as
ciências humanas produziram nos últimos séculos.
É como se as religiões tradicionais (como digo sempre, se você quiser
uma religião, pegue uma com mais de mil anos...) carregassem uma
sabedoria mais instalada, apesar de silenciosa, com relação ao que de
fato eles precisam.
E se tivermos alcançado algum limite nas utopias propostas para a
modernidade? E se o surto do século 18 pra cá tiver se esgotado como
fórmula e chegarmos à conclusão que, como pequenos ajustes aqui e ali,
pequenas correções de percurso (um cuidado com os recursos do meio
ambiente, uma sensibilidade maior aos riscos de um materialismo
extremado, maior longevidade, beijo gay na novela das nove), a vida se
impõe em seu ritmo como sempre se impôs aos nossos ancestrais?
E se o velho ritmo de nascer, crescer, plantar, colher, reproduzir e
morrer, com variações criadas pela Apple, for tudo o que temos? E se for
justamente essa "perenidade do esforço" impermeável às modas de
comportamento a realidade silenciosa da vida?
E se o Eclesiastes, livro que compõe o conjunto de quatro textos da
Bíblia hebraica (que os cristãos chamam de Velho Testamento) conhecidos
como Sabedoria Israelita (Provérbios, Eclesiastes, Livro de Jó e Cântico
dos Cânticos) estiver certo, e não existir nada de novo sob o Sol? E se
tudo for, como diz o sábio bíblico, vaidade e vento que passa?
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* Filósofo. Escritor.
Fonte: Folha online, 31/03/2014
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