Anselm Grün*
Só Deus pode responder aos anseios dos homens. Assim, o
homem transforma-se inteiramente em homem quando se abre na procura de
Deus, quando ele próprio sobe até Deus. Procurar Deus é algo diferente
de acreditar naquilo que a Igreja transmite. Procurar Deus é uma
vivência. A palavra alemã «procurar» (suchen) vem do jargão
dos caçadores. Eu procuro o vestígio que sinto. Eu sigo o rasto, a
pista, o cheiro que sinto no nariz. E ponho-me a caminho. Saio de mim e
do meu conforto. Lanço-me ao caminho através de matagais, de paisagens
montanhosas intransitáveis, através do deserto, através da floresta.
Não me desvio, porque a ideia de Deus me mantém no caminho.
Hoje reparo que há um desejo enorme de Deus. Muitos
cristãos têm pena de ter, sempre e só, de falar de problemas que têm a
ver com a estrutura e o poder da Igreja. Eles querem aquele que lhes
preenche o desejo mais profundo. S. Bento põe bem alto o primado de
Deus. Para ele trata-se de Deus acima de tudo. Monge é aquele que
procura Deus verdadeiramente. Os muitos hóspedes que vêm ao nosso
mosteiro querem participar na procura de Deus. Não é suficiente para
ele ouvir uma teologia saudável. Eles querem experimentar Deus. Anseiam
por misticismo na experiência de Deus. Não seríamos justos com as
pessoas se só as brindássemos com teologia moderna. Elas não querem
ouvir doutrinas e opiniões, mas sentir experiências. Querem participar
na experiência divina de outros.
A Igreja perdeu competência espiritual. Ela já não é
para muitos o local onde se procura Deus, onde se pode experimentar
Deus. Há outros problemas, postos em primeiro plano, que dirigem para
ela toda a atenção: a questão do aborto, da estrutura da Igreja, do
celibato, do pontificado, do sacerdócio, entre outros. Mas não devíamos
defraudar as pessoas com Deus. Deus é o seu desejo mais profundo.
(...)
Quem é este Deus para mim? Como posso experimentar este
Deus? Quando persigo estas perguntas, logo a seguir encontro outra:
quem sou eu? A questão do Homem depende da questão de Deus. A
identidade do Homem tornou-se hoje tão questionável como o segredo de
Deus. O que quer dizer vida humana? Como lido com isso? Está ao meu
alcance? Posso terminá-la como eu quiser e quando eu quiser? Estas
questões não podem ser respondidas de forma teórica, tal como a questão
de Deus. Trata-se da experiência das pessoas. Como é que eu entro em
contracto comigo e com o meu próprio mistério? Como é que eu entro em
contacto com Deus?
Só quem se percebe, pode perceber Deus. Apenas quem se
encontra, poderá encontrar Deus. Quando eu encontro Deus e, nele, a mim
próprio, é que então sei o que é a vida humana. Então não me
envolverei em mais discussões teóricas, sobre o que posso e o que não
posso fazer, sobre o que é ou não é permitido. Então viverei como
Homem. E num tempo como o de hoje, em que todas as medidas são postas
em causa, isso é para nós profundamente necessário. As medidas são
questionadas, porque as pessoas já não estão em contacto consigo
mesmas. Aqueles que perderam o contacto consigo, põem tudo em questão.
Manter a questão de Deus em aberto não significa dar
respostas prontas sobre a essência de Deus e do Homem. Trata-se muito
mais de se pôr ao caminho e de reconhecer onde está o segredo da vida
humana. Quando penso nas pessoas cabalmente, encontro Deus. Hoje é
frequente ver que quem mantém em aberto a questão de Deus não são as
Igrejas mas a psicoterapia e a arte. As jornadas de psicoterapia de
2001, em Basileia, tinham como título "Psicoterapia e Religião - Dois
caminhos possíveis para a busca do sentido?". Os psicoterapeutas
descobriram que as pessoas vão para a terapia com questões religiosas. A
questão de Deus perturba muitos daqueles que procuram o significado da
vida. Eles percebem que tem de haver uma outra dimensão na sua vida
que não a cura de feridas antigas. A psicologia transpessoal reconheceu
que o desejo religioso pertence de forma tão essencial à Humanidade
como a sexualidade. E só quando a psicologia se preocupa também com a
dimensão espiritual do Homem é que pode tocar a alma.
Muitos poetas colocam a questão da transcendência. Eles
não falam diretamente de Deus. Mas descrevem as pessoas de tal forma
que, sem Deus, elas não seriam percebidas. Escultores e pintores
retratam o homem que se dirige a Deus. Os realizadores de cinema
inspiram-se recorrentemente em motivos religiosos. Eles não querem dar
uma resposta final à questão de Deus. Mas, nas suas imagens, remetem
para o invisível aquilo que é visível. Eles revoltam-se contra a
superficialidade demasiado trivial. Os realizadores de cinema mais
sensíveis deixam um espaço aberto, que não é ocupado por afirmações
inequívocas, para o Deus invisível e enigmático. Deus paira sobre tudo
sem se tornar visível, sem que a sua face mostre contornos claros. E é
impossível ver alguns filmes sem nos sentirmos tocados pelo mistério.
A teologia devia aprender a falar de Deus com a arte e a
psicologia, para que as pessoas desejassem a experiência de Deus, para
que fossem tocadas no seu coração. A questão de Deus é uma questão
central para o Homem de hoje. Pois aí reside a questão de o Homem ser
saudável e puro. Deus - como diz C.C. Jung - é o arquétipo mais forte.
Se este arquétipo for silenciado, o Homem não consegue encontrar a sua
própria essência. Sem Deus, a vida humana não resulta. Muitas vezes o
discurso da Igreja é banal, julga saber tudo melhor que os outros, sem
indícios do mistério, do indizível. S. Bento convida-nos não só a falar
de Deus, mas a dar a entender que a nossa vida sem Deus se torna
incompreensível. Convida-nos a fazer com que a nossa vida mostre aos
outros a existência de Deus.
-------------------------* É monge beneditino alemão, doutor em Teologia e administra a abadia beneditina de Münsterschwarzach.
Fonte: http://www.snpcultura.org/igreja_devia_revelar_mais_Deus.html 01.03.14
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