domingo, 2 de março de 2014

Igreja devia revelar mais de Deus e falar menos de estruturas, poder e conceitos

 Anselm Grün*
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Deus pode responder aos anseios dos homens. Assim, o homem transforma-se inteiramente em homem quando se abre na procura de Deus, quando ele próprio sobe até Deus. Procurar Deus é algo diferente de acreditar naquilo que a Igreja transmite. Procurar Deus é uma vivência. A palavra alemã «procurar» (suchen) vem do jargão dos caçadores. Eu procuro o vestígio que sinto. Eu sigo o rasto, a pista, o cheiro que sinto no nariz. E ponho-me a caminho. Saio de mim e do meu conforto. Lanço-me ao caminho através de matagais, de paisagens montanhosas intransitáveis, através do deserto, através da floresta. Não me desvio, porque a ideia de Deus me mantém no caminho.

Hoje reparo que há um desejo enorme de Deus. Muitos cristãos têm pena de ter, sempre e só, de falar de problemas que têm a ver com a estrutura e o poder da Igreja. Eles querem aquele que lhes preenche o desejo mais profundo. S. Bento põe bem alto o primado de Deus. Para ele trata-se de Deus acima de tudo. Monge é aquele que procura Deus verdadeiramente. Os muitos hóspedes que vêm ao nosso mosteiro querem participar na procura de Deus. Não é suficiente para ele ouvir uma teologia saudável. Eles querem experimentar Deus. Anseiam por misticismo na experiência de Deus. Não seríamos justos com as pessoas se só as brindássemos com teologia moderna. Elas não querem ouvir doutrinas e opiniões, mas sentir experiências. Querem participar na experiência divina de outros.

A Igreja perdeu competência espiritual. Ela já não é para muitos o local onde se procura Deus, onde se pode experimentar Deus. Há outros problemas, postos em primeiro plano, que dirigem para ela toda a atenção: a questão do aborto, da estrutura da Igreja, do celibato, do pontificado, do sacerdócio, entre outros. Mas não devíamos defraudar as pessoas com Deus. Deus é o seu desejo mais profundo. 

(...)

Quem é este Deus para mim? Como posso experimentar este Deus? Quando persigo estas perguntas, logo a seguir encontro outra: quem sou eu? A questão do Homem depende da questão de Deus. A identidade do Homem tornou-se hoje tão questionável como o segredo de Deus. O que quer dizer vida humana? Como lido com isso? Está ao meu alcance? Posso terminá-la como eu quiser e quando eu quiser? Estas questões não podem ser respondidas de forma teórica, tal como a questão de Deus. Trata-se da experiência das pessoas. Como é que eu entro em contracto comigo e com o meu próprio mistério? Como é que eu entro em contacto com Deus?

Só quem se percebe, pode perceber Deus. Apenas quem se encontra, poderá encontrar Deus. Quando eu encontro Deus e, nele, a mim próprio, é que então sei o que é a vida humana. Então não me envolverei em mais discussões teóricas, sobre o que posso e o que não posso fazer, sobre o que é ou não é permitido. Então viverei como Homem. E num tempo como o de hoje, em que todas as medidas são postas em causa, isso é para nós profundamente necessário. As medidas são questionadas, porque as pessoas já não estão em contacto consigo mesmas. Aqueles que perderam o contacto consigo, põem tudo em questão.

Manter a questão de Deus em aberto não significa dar respostas prontas sobre a essência de Deus e do Homem. Trata-se muito mais de se pôr ao caminho e de reconhecer onde está o segredo da vida humana. Quando penso nas pessoas cabalmente, encontro Deus. Hoje é frequente ver que quem mantém em aberto a questão de Deus não são as Igrejas mas a psicoterapia e a arte. As jornadas de psicoterapia de 2001, em Basileia, tinham como título "Psicoterapia e Religião - Dois caminhos possíveis para a busca do sentido?". Os psicoterapeutas descobriram que as pessoas vão para a terapia com questões religiosas. A questão de Deus perturba muitos daqueles que procuram o significado da vida. Eles percebem que tem de haver uma outra dimensão na sua vida que não a cura de feridas antigas. A psicologia transpessoal reconheceu que o desejo religioso pertence de forma tão essencial à Humanidade como a sexualidade. E só quando a psicologia se preocupa também com a dimensão espiritual do Homem é que pode tocar a alma.

Muitos poetas colocam a questão da transcendência. Eles não falam diretamente de Deus. Mas descrevem as pessoas de tal forma que, sem Deus, elas não seriam percebidas. Escultores e pintores retratam o homem que se dirige a Deus. Os realizadores de cinema inspiram-se recorrentemente em motivos religiosos. Eles não querem dar uma resposta final à questão de Deus. Mas, nas suas imagens, remetem para o invisível aquilo que é visível. Eles revoltam-se contra a superficialidade demasiado trivial. Os realizadores de cinema mais sensíveis deixam um espaço aberto, que não é ocupado por afirmações inequívocas, para o Deus invisível e enigmático. Deus paira sobre tudo sem se tornar visível, sem que a sua face mostre contornos claros. E é impossível ver alguns filmes sem nos sentirmos tocados pelo mistério.

A teologia devia aprender a falar de Deus com a arte e a psicologia, para que as pessoas desejassem a experiência de Deus, para que fossem tocadas no seu coração. A questão de Deus é uma questão central para o Homem de hoje. Pois aí reside a questão de o Homem ser saudável e puro. Deus - como diz C.C. Jung - é o arquétipo mais forte. Se este arquétipo for silenciado, o Homem não consegue encontrar a sua própria essência. Sem Deus, a vida humana não resulta. Muitas vezes o discurso da Igreja é banal, julga saber tudo melhor que os outros, sem indícios do mistério, do indizível. S. Bento convida-nos não só a falar de Deus, mas a dar a entender que a nossa vida sem Deus se torna incompreensível. Convida-nos a fazer com que a nossa vida mostre aos outros a existência de Deus.
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* É monge beneditino alemão, doutor em Teologia e administra a abadia beneditina de Münsterschwarzach. 
Fonte: http://www.snpcultura.org/igreja_devia_revelar_mais_Deus.html 01.03.14

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