Rubem Alves*
As razões pelas quais se torce por um time de futebol continuam a
ser um mistério para mim. Por que esse time e não aquele? Por que o
Flamengo? Por que o Palmeiras? Por que o Corínthians? Minha busca foi
infrutífera. Não consegui descobrir as razões que levam uma pessoa a se
apaixonar por um time. Parafraseando o místico Ângelo Silésius eu
escrevo: “O torcedor não tem porquês. Ele torce porque torce...”
Torcedores são seres apaixonados. Por sua paixão eles gritam,
choram, brigam, matam, morrem do coração. Ao ponto de as torcidas com
frequência se tornarem hordas assassinas.
Ao se torcer por um time o que é que se está amando? Os jogadores
do time? Não. Jogadores não são torcedores. Os torcedores são
apaixonados puros que jamais trocam de time, ainda que seu time esteja
em último lugar na classificação.
Os jogadores, ao contrário, trocam de time pela vil razão do
dinheiro. Se um outro time lhes oferecer um salário maior eles trocarão o
time pobre pelo time rico. O que prova que eles não jogavam por amor ao
time em que jogavam. Apenas vendiam as suas habilidades pelo salário
que recebiam. Um torcedor mudaria de time por dinheiro? A psicologia do
torcedor nada tem a ver com a psicologia do jogador. A psicologia do
torcedor é o oposto da psicologia do jogador.
O torcedor é um amante fiel. Jamais trai. O jogador, ao contrário, é
um traidor em potencial. Está sempre de olho num outro “caso amoroso”.
Então, ao se torcer por um time não é pelos seus jogadores que se está
torcendo. Eles não são seres confiáveis. Será que o objeto da paixão do
torcedor são os cartolas, os donos do time? Mas é claro que não.
Frequentemente a paixão por um time vai lado a lado com uma raiva pelos
seus cartolas.
Torce-se, então, por quais razões? A única razão que resta é o
nome. Torce-se pelo nome do time. Da mesma forma como se vicia com
cocaína, vicia-se com um nome. O nome é o gatilho que dispara o êxtase. A
torcida grita o nome, o nome entra na veia, a adrenalina circula no
sangue, o coração dispara, os pulmões gritam, e no céu estouram os fogos
de artifício.
Mas esse nome tão poderoso é como um bolso vazio. As coisas que
estão dentro do bolso, jogadores, cartolas, o técnico, podem ser
trocadas à vontade. Esses entes nada têm a ver com a paixão do torcedor.
O torcedor torce por um simples nome...
Você não acredita. Refuga. Recusa-se a acreditar que torce apenas
por um nome. Um nome, ora... Vou lhe contar um estória verdadeira,
acontecida com meu sogro, alemão recém chegado ao Brasil como imigrante.
Era filho de um pastor adventista. Como você deve saber os adventistas
são gente que leva a Bíblia a sério e por causa disso abstém-se de comer
os alimentos que as Sagradas Escrituras proíbem. Pois o meu sogro, além
de obedecer a todos os tabus alimentares da sua religião, tinha um tabu
particular: não comia miolo, detestava miolo, embora nunca tivesse
comido miolo. Pois um dia ele foi convidado a jantar numa casa de
cerimônia.
O prato mais delicioso do jantar foi couve-flor empanada, que
estava deliciosa. Comeu e repetiu com prazer. Ao final, barriga cheia,
ele dirigiu um elogio à anfitriã: “Essa couve-flor empanada estava
divina!” A anfitriã o corrigiu: “Não é couve-flor empanada... É miolo
empanado...”.
Muito embora boca e estômago tivessem aprovado a “coisa” com o nome
de “couve-flor”, ao ouvir a palavra “miolo” boca e estômago reagiram
imediatamente: ele teve de correr para o banheiro e vomitou tudo...
O que é que ele vomitou? O que o fez vomitar não foi a “coisa”, foi
a palavra... Ele vomitou palavras. Bem disse Jesus que não nos
alimentamos apenas com comida; nós nos alimentamos com palavras...
Isso vale para tudo. Vale também por amor. Milan Kundera, no seu
livro 'A insustentável leveza do ser' diz que o amor começa quando
ligamos uma metáfora poética ao nome de uma mulher. Então, não é a
mulher que amamos; amamos a metáfora poética que ela carrega.
Isso que escrevi tem a ver com poesia... Você nunca pensou nisso,
que ao gritar o nome do seu time você estivesse gritando uma metáfora
poética. É por isso que você ri, é por isso que você chora ao ouvir esse
nome... Sem saber você torce pela poesia...
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* Teólogo. Filósofo. Escritor.
Fonte: Correio Popular online, acesso 02/03/2014
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