quinta-feira, 1 de maio de 2014

'SOMOS TODOS PRIMATAS': sobre a cência, a polêmica e o racismo.


Charge mostra o rosto de Charles Darwin em corpo de macaco
Foto: Reprodução
Charge mostra o rosto de Charles Darwin em corpo de macaco Reprodução 
 Homens e macacos são diferentes, explicam cientistas a respeito de campanha que ganhou redes sociais
A confusão entre primatas, homens e macacos é tão antiga quanto a própria Teoria da Evolução, de Charles Darwin. Embora muitas vezes ela ocorra por falta de conhecimento científico, outras tantas ela é evocada com o simples intuito de causar confusão e polêmica. Há casos também em que a ideia é apenas ser racista mesmo, como no caso do torcedor que jogou uma banana para o jogador Daniel Alves.

A campanha “Somos todos macacos”, criada por uma agência de publicidade justamente para que os jogadores de futebol respondessem aos repetidos casos de racismo em campo, foi lançada, aparentemente, em defesa de uma boa causa. “Somos todos iguais”, “não há diferença entre negros e brancos”, parecia evocar o seu slogan, que foi imediatamente apropriado por várias celebridades posando com bananas e replicado pelas mídias sociais.

Muita gente, no entanto, logo protestou. “Somos todos humanos”, bradou a colunista do GLOBO, Flávia Oliveira, em seu blog. “Eu não sou macaco”, muitos contestaram nas redes sociais. E eles têm razão. E, não, não se trata de uma filigrana.

Os homens e os macacos (chimpanzés, orangotangos, gorilas e bonobos) são mamíferos pertencentes à ordem dos primatas, que, por sinal, inclui ainda os lêmures. Somos, portanto, todos primatas. Mas nem todos são macacos, alguns de nós somos humanos. E há ainda os lêmures, não se esqueçam. A despeito das boas intenções da campanha, argumentam muitos, quem sempre foi chamado de macaco da forma mais pejorativa e racista possível, prefere não fazer eco à uma campanha que pode acabar por confundir mais do que esclarecer.

Outra coisa: homens tampouco descendem de macacos, como se costuma dizer por ai, de forma equivocada. De acordo com a Teoria da Evolução de Charles Darwin, homens e macacos compartilharam um ancestral comum em algum momento de sua história evolutiva, por volta dos 6 ou 7 milhões de anos atrás, a partir do qual foram se diferenciando.

Mas desde quando a teoria de Darwin foi apresentada pela primeira vez, a provocação esteve presente. “O senhor descende do macaco por parte de mãe ou de pai?”, teria disparado o bispo Samuel Wilberforce para o biólogo Thomas Henry Huxley, que apresentava as ideias de Darwin na Universidade de Oxford, em 1860. Conhecido na época como “o buldogue de Darwin” (embora não fosse um cachorro), Huxley teria rebatido: “preferia ser descendente de um macaco que de um homem educado que usa sua cultura e eloquência a serviço do preconceito e da mentira.”

O alvoroço provocado pela teoria, na época, é explicado pelo fato de ela apresentar, pela primeira vez, o homem como um animal qualquer, não um ser especial, e tirar o papel divino da criação. Além disso, ela desmontou um dos principais argumentos do racismo.

A relação de negros com macacos foi muito utilizada no passado para, inclusive, justificar a escravidão. Tirar a humanidade de uma pessoa (comparando-a a um animal) é uma forma clássica de subjugá-la. Mais um bom motivo para bradarmos “somos todos humanos”, não macacos.

Muito depois de Darwin, a genética veio corroborar as suas ideias, mostrando que, a despeito dos fenótipos diferentes, não há diferença entre os seres humanos. Somos todos iguais mesmo. Geneticamente falando, nem mesmo o conceito de raça se sustenta. Não há diferenças.

Já entre seres humanos e macacos há diferenças genéticas, ainda que surpreendentemente pequenas. Homens e chimpanzés compartilham cerca de 99% de seu material genético. Em relação aos demais primates, o percentual é um pouco menor, mas, ainda assim, bastante alto. Entretanto, nessa mínima diferença reside aquilo que nos torna humanos: a capacidade de raciocínio, e, portanto, entre tantas outras coisas, a de não sermos racistas.
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Reportagem por Roberta Jansen (Email · Twitter)
Fonte: Jornal O Globo online, 01/05/2014

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