segunda-feira, 5 de maio de 2014

RECADO PARA COLAR NO ESPELHO

Jefferson Vasques*

 

Você não é especial,
amigo.
Te digo isso
com o carinho
- e com a corriqueira
indiferença -
de quem diz
“saúde!”
a um espirro.
Você não é especial.
Melhor que te diga isso
esta voz tranquila
dum poema
que nutre
tua solidão
clandestina
(em que
- oh, tão único! -
só você
se imagina.)
Menos, querido, menos.
Três passos atrás
e tua imagem
já se embaça
no espelho.
Insisto,
você não é especial…
Vocês todos
não são.
Haverá, talvez,
em ti, agora,
um riso irônico,
uma descrença,
ou licença que te proteja
de perceber que outros
- como você -
lêem este poema
com risos
igualmente irônicos,
similar licença
ou descrença.
Sim, é compreensÌvel…
Todos,
- absolutamente tudo e todos -
te enganaram
desde o início:
te fizeram crer
que você era único
e, oh, insubstituível.
(o mercado,
com seu olhar cínico de currículos,
sabe bem mais de você
e de teu trato…
oh, trabalho humano abstrato)
Você não é especial…
Tua mãe, pequeno,
te enganou.
Teu professor do primário
te enganou.
Tuas namoradas,
- uma a uma -
te enganaram.
(E fechaste os olhos
quando tentaram
te mostrar teu humano
e comum fracasso!)
Os comercias de TV,
os shampoos pra teu especial tipo de cabelo,
o teu gerente no banco,
os cartões de crédito,
a puta, o psicanalista, o padre, o médico,
todos te enganaram…
Você mesmo,
todo dia,
ergue seu castelo kitsch
de qualidades raras
no espelho, no trabalho,
no social das redes,
no chuveiro
enquanto repassa
solitário
(com trilha de fundo)
tua história
- oh, tão própria! -
de acertos e fracassos
(como milhares agora mesmo o fazem).
Assim, tão especialmente educado,
é normal que, de início, não aceite…
Todos,
- e você não seria diferente -
negam, a princípio, os fatos…
mas seu corpo os conhece
e vão repetidamente
te sussurrando
à hora de dormir:
você não é especial!
você não é diferente!
Aquela paixão tão ardente nos olhos dela?
Brilhará novamente
- tão ou mais ardente -
sem seus olhos.
Aquele jeito próprio de gemer teu nome,
ou a fúria com que mordia tua pele,
o gozo conjunto pralém da morte?
Se repetirão indefinidas vezes
- mais ou menos
intensamente -
com tantos outros
“especiais”
igualmente.
E as palavras
que ela – ou ele – lhe disse
num certo momento
sublime…
novamente as dirá
com mesmo frescor
- sublimente -
a quem for.
Você não é especial.
Aceite.
E o que te faria?
Mais conhecimento?
Mais beleza?
Coragem?
Consciência?
Mais dinheiro? Paz?
Tua tristeza?
Teu jeito excêntrico de fazer algo comum?
Teu desespero diante da morte e do sem sentido?
Tua revolucionária utopia?
Poesia?
Venha, querido,
me abrace..
aceite..
relaxe…
Você não é especial.
Se desfaça
dessa inútil
e pesada
couraça…
retire a
coroa de
louros…
(só te atrapalha…)
Venha,
junte-se a todos…
você não é
especial…
a vida
é.
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* Escritor. Poeta.
Fonte:  http://eupassarin.wordpress.com/2014/05/04/recado-para-colar-no-espelho/
Imagem da Internet

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