sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Nuvens no horizonte neoliberal

Frei Betto*

 
Passei agradável fim de semana de novembro em companhia de Boaventura de Sousa  Santos e outros amigos. Em sua fecunda reflexão, o cientista social português  apontou as carregadas nuvens que pesam sobre a conjuntura  mundial.

      Há uma flagrante desconstrução  da democracia. Desde o século XVI a Europa tem a sua história manchada de  sangue, devido à incidência de guerras. Nos últimos 50 anos,  acreditou  ter conquistado a paz consolidada pela democracia fundada em direitos  econômicos e sociais. 

      De fato, tais  conquistas funcionavam como antídoto à ameaça representada pelo socialismo que  abarcara a metade leste do continente europeu. Com a queda do Muro de Berlim,  o capitalismo rasgou a fantasia e mostrou sua face diabólica  (etimologicamente, desagregadora). 

      Os  direitos sociais passaram a ser eliminados, e os países, antes administrados  por políticos democraticamente eleitos, são governados, agora, pela troika  FMI, BCE (Banco Central Europeu) e agências de risco  estadunidenses.

      Nenhum dirigente dessas  instituições foi eleito democraticamente. E qual a credibilidade das agências  de risco se na véspera da quebra do banco Lehman Brothers, a 15 de setembro de  2008, as agências atribuíram a seus papéis a nota mais alta – triplo  A?

      Hoje, o único espaço ainda não  controlado  é a rua. Mesmo  assim, há crescente criminalização das  manifestações populares. A TV exibe, todos os dias, multidões inconformadas  reprimidas violentamente pela polícia.

       Dos dois lados do Mediterrâneo o povo protesta. As mobilizações, contudo, têm  efeito limitado. A indignação não resulta em proposição. O grito não se  consubstancia em projeto. Wall Street (Rua do Muro) é ocupada, não derrubada,  como o Muro de Berlim. Não são sinalizados “outros mundos possíveis”.  

      O bem estar que se procura assegurar,  hoje, é o do mercado financeiro. O Estado deixou de ser financiado somente  pelos impostos pagos por empresas e cidadãos. Outrora os mais ricos pagavam  mais impostos (nos países nórdicos, ainda hoje chegam a 75% dos ganhos), de  modo a redistribuir a renda através dos serviços oferecidos pelo Estado à população. 

      A  partir do momento em que a elite começou a grita pelo Estado mínimo e por  pagar cada vez menos impostos (como vimos proposto na campanha presidencial  dos EUA), os Estados viram crescer suas dívidas e se socorreram junto aos  bancos que, fartos em liquidez, emprestavam a juros reduzidos. Assim, muitos  países se tornaram reféns dos bancos.

       Caso típico é a relação da Alemanha com seus pares na União Europeia. Os  bancos alemães emprestavam dinheiro à Espanha – desde que ela adquirisse  produtos alemães. Agora, a Alemanha é credora de metade da Europa.  

      Isso dissemina uma nova onda de  antigermanismo no continente europeu. No século XX, duas vezes a Alemanha  tentou dominar a Europa, o que resultou em duas grandes guerras, nas quais foi  derrotada. Agora, no entanto, ela ameaça consegui-lo por meio da guerra  econômica. Mais uma vez a pedra no sapato é a França de Hollande que,  contrariando todas as expectativas, escapou este ano da maré recessiva que  assola a Europa. 

      Países da América  Latina e da África resistem à crise através da exploração e exportação da  natureza – minérios, produtos agrícolas, combustíveis fosseis etc. Porém, quem  fixa o preço das commodities são os EUA, a China e a Europa. Cada vez pagam  menos dinheiro por maior volume de mercadorias. O mercado futuro já fixa  preços para as colheitas de 2016! Tal especulação fez subir, nos últimos anos,  o número de famintos crônicos, de 800 milhões para 1,2  bilhão!

      Infla, assustadoramente, o preço  de mercado dos dois principais bens da natureza: terra e água. Empresas  transnacionais investem pesado na compra de terra e fontes de água potável na  América Latina, Ásia e África. Nossos países se desnacionalizam pela  desapropriação de nossos territórios. A grilagem é desenfreada. O curioso é  que as terras são adquiridas com os habitantes que nela se encontram... como  se fizessem parte da paisagem.

       Há  uma progressiva desmaterialização do trabalho. A atividade humana cede lugar à  robotização. Nos setores em que não há robotização, campeiam a terceirização e  o trabalho escravo, como a mão de obra boliviana e asiática usadas em  confecções brasileiras.

      Já não há  distinção entre trabalho pago e não pago. Quem remunera o trabalho que você  faz via equipamentos eletrônicos ao deixar o local físico em que está  empregado? 

      Outrora se brigava pela  remuneração de horas extras e do tempo gasto entre o local de trabalho e a  moradia. Hoje, via computador, o trabalho invade o lar e sonega o espaço  familiar. A relação das pessoas com a máquina tende a superar o contato   com seus semelhantes. O real cede lugar ao virtual. Suprime-se a fronteira  entre trabalho e domicílio. 

      O  conhecimento é mercantilizado. Nas universidades tem importância a pesquisa  capaz de gerar patentes com valor comercial. O conhecimento é aferido por seu  valor de mercado, como nas áreas de biologia e engenharia genética. O  professor trancado em seu laboratório não está preocupado com o avanço da  ciência, e sim com seu saldo bancário a ser engordado pela empresa que lhe  banca a pesquisa. 

      Essa mercantilização  do conhecimento reduz, nas universidades, os departamentos considerados não  produtivos, como os de ciências humanas. Decreta-se, assim, o fim do  pensamento crítico. E, de quebra, o do conhecimento científico inventivo, que  nasce da curiosidade de desvendar os mistérios da natureza, e não da sua  manipulação lucrativa, como é o caso dos  transgênicos.

      A esperança reside, pois,  nas ruas, na mobilização organizada de todos aqueles que, de olho nas nuvens,  são capazes de evitar a borrasca por transformar a esperança em projetos  viáveis.
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* Frade dominicano. Teólogo. Escritor.
Fonte:  http://amaivos.uol.com.br/amaivos09/noticia/noticia.asp?cod_noticia=22370&cod_canal=53
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