quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Éden, utopia e inferno

Kenneth Maxwell* 
 
O Brasil era visto inicialmente como o Jardim do Éden. Sérgio Buarque de Holanda o definiu como "uma visão do paraíso", no qual as pessoas viviam inocentemente, em um clima perfeito, cercadas de pássaros exóticos e ani-mais estranhos. 

Américo Vespúcio, em sua famosa carta a Lorenzo di Pierfrancesco de Medici, escrita de Lisboa em 1502, falava de um povo que vivia sem dinheiro, propriedade ou comércio, em completa liberdade social e moral, sem reis ou religião. A "Utopia", publicada por Thomas More em 1516, foi em parte inspirada pela vívida descrição do Brasil por Vespúcio. 

Mas o mito demoníaco, com seu medo do atraso e do canibalismo, não demorou muito a se manifestar. A primeira xilogravura colorida a mão surgiu em Augsburgo em 1505, mostrando homens e mulheres marrons, usando chapéus de penas e mastigando braços e pernas humanos, defumando outras partes de corpos humanos em uma fogueira, em preparação para um festim. A legenda aproveitava o relato de Vespúcio: "Eles lutam uns contra os outros e devoram uns aos outros... Vivem por 150 anos. E não têm governo". 

Mesmo os sempre pacientes jesuítas, que chegaram em 1549 em sua primeira missão ao Novo Mundo, às vezes se desesperavam quanto à capacidade dos indígenas de trabalhar seriamente. 

O padre Anchieta observou, em 1586, que tampouco a natureza da terra ajuda, sendo relaxante, preguiçosa e melancólica, e, por isso, todo o tempo é dedicado a "festas, cantos e diversão". 

As aspirações bíblicas para a América portuguesa como a "Terra de Santa Cruz" não se realizaram, claro. Em lugar disso, o comércio triunfou. A nova terra recebeu o nome do prosaico pau-brasil. Os portugueses logo passaram a recorrer à coerção, às safras de exportação e aos escravos africanos. O jesuíta Antônio Vieira descreveu os caldeirões fervilhantes das usinas de açúcar como "um espelho do inferno". 

Os habitantes originais do Brasil haviam, nesse meio tempo, se tornado "índios", ainda que Pedro Álvares Cabral já soubesse que isso não era fato -ao contrário de Colombo, que persistiu em acreditar que estava na Ásia mesmo depois de passar um ano encalhado na Jamaica, em 1503/1504. Cabral, afinal, estava a caminho da verdadeira Índia ao avistar inadvertidamente a costa brasileira. 

Cabral ficou pouco mais de uma semana. Mas Pero Vaz de Caminha escreveu a Lisboa em 1º de maio de 1500 descrevendo a beleza, a nudez e a inocência dos povos indígenas que os portugueses haviam encontrado nas praias de areia branca, e que tanto os havia chocado e deliciado. 
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* Historiador britânico. É especialista em História Ibérica e no estudo das relações entre Brasil e Portugal no século XVIII, sendo um dos mais importantes brasilianistas da atualidade.

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