Entrevista Tina Brown
Diretora da "Newsweek" vem ao Brasil para a conferência Women in the World, que desde 2010 debate direitos igualitários
Lendária editora das revistas "Vanity Fair" e "New Yorker", atual
diretora da "Newsweek" e criadora do site Daily Beast, a jornalista Tina
Brown chega ao Brasil pelo seu lado ativista.
Ela vem para realizar a conferência Women in the World [Mulheres no
mundo], que lançou em 2010 para debater desafios de direitos
igualitários e educação para mulheres no planeta.
Desde a primeira conferência, Brown reuniu de ativistas africanas e
asiáticas a celebridades amigas, como Hillary Clinton, Meryl Streep e
Angelina Jolie.
"Fico muito estimulada quando escuto as mulheres de países onde cada
direito ainda precisa ser batalhado. Acho que as americanas ficaram
complacentes, mais passivas, já não marcham mais", diz a britânica
naturalizada americana.
Ela recebeu a Folha na sede do conglomerado IAC, o icônico primeiro prédio do arquiteto Frank Gehry em Nova York, atrás do High Line.
Folha - Um dos temas na campanha presidencial americana foi a chamada
"guerra contra as mulheres" de alguns candidatos conservadores. Ainda é
guerra?
Tina Brown - Esta eleição se tornou muito importante porque a
Corte Suprema está a apenas um juiz de mudar a maioria que sustenta a
aprovação do aborto. Mais um juiz conservador e a lei pode ser
revertida.
Mulheres podem achar os EUA uma terra de oportunidades, de abertura, de
se vestir como quiser, falar o que quiser, mas havia esse risco de um
grande salto para trás na política reprodutiva.
Nós nem marchamos mais sobre políticas contraceptivas. Liberdades podem ser demolidas e desaparecer muito rapidamente.
Ainda temos talebans texanos tentando interferir na saúde da mulher.
As mulheres ocidentais estão lutando menos?
Nunca me vi como feminista, mas vendo o que acontece aqui e no Egito
penso que deveríamos estar fazendo muito mais. Uma ativista liberiana
riu de nós, perguntando, "onde estão as mulheres americanas, que não
estão marchando para a Casa Branca?".
De Angela Merkel a Dilma Rousseff, é comum subordinados e mesmo a
mídia se referirem a elas como mulheres duras ou "damas de ferro". As
mulheres se endurecem muito nesses cargos?
Thatcher era uma mulher muito calorosa pessoalmente, sexy, sedutora, eu a conheci. Mas os adjetivos são sempre pejorativos.
Demos uma capa sobre trabalhos militares pesados e a estrela da
reportagem era uma mulher que descia de um helicóptero em operações de
risco de resgate.
Ela é divorciada, tem um filho de dez anos. Ela me contou que, quando a
reportagem saiu, seu ex-marido ligou para ela e disse que ainda bem que
não eram mais casados. Disse que sentia que seu 'órgão' pareceria menor
depois disso. O sucesso dela encolhia sua masculinidade. Incrível como
os homens ainda se sentem ameaçados diante de mulheres fortes.
Mas os homens não estão mudando?
Olha, precisamos de aliados e normalmente eles são bons pais. O pai da
[paquistanesa que sofreu um atentado] Malala a apoiou para estudar.
Parte do movimento é de pais mais iluminados, homens que lutam pelos
direitos femininos. As mães nesses países não têm direitos.
Ainda há resistência a uma mulher presidente nos EUA? Ou Hillary pode ser?
Vocês já têm a sua, incrível, nós nada ainda. Trágico que não tenhamos.
Foi mais fácil eleger um afroamericano que uma mulher. E ela deveria ter
sido antes dele, era a hora dela. Ela teria sido uma grande presidente.
Os EUA deveriam exigir mais respeito aos direitos das mulheres de aliados como Arábia Saudita e Egito?
O mais importante é não ser culturalmente desastrado, como foi o governo
Bush. E nisso os EUA vão muito mal. Chegar em um país e tentar impor,
sai tudo errado.
As americanas são obcecadas com a ideia de que as sauditas não possam
dirigir. Mas, para elas, o acesso à educação é muito importante. Não
poder usar um tailleur não é tão relevante para elas. Não dá pra
consertar de fora, nós não conseguimos consertar nem nosso próprio país.
A redação do "New York Times" é dirigida por uma mulher e Arianna
Huffington e você estão entre as mais poderosas mulheres da mídia. Há
menos machismo?
Está um pouquinho mais equilibrado, mas onde estão as mulheres na
presidência dos meios de comunicação? Só lembro da Marissa Meyer, do
Yahoo. Mulheres recebem muito mais escrutínio que homens. Hillary foi
atirada no lixo pela mídia, foi muito maltratada. Somos muito
analisadas, criticadas.
Michelle Obama precisa ser muito cuidadosa e evitar qualquer polêmica.
Ela só pode cuidar da sua horta, fazer campanha para que as pessoas se
exercitem mais.
Ela deve ficar louca por não poder falar de nada mais substantivo, mas seria uma gritaria se ela falasse.
O que espera ver no Brasil?
Essa conferência que estamos fazendo é bem internacional, tem grandes
mulheres e todo o mundo compartilhando histórias. As mulheres saem dali
querendo fazer revoluções. Nizan Guanaes me ajudou a levar a conferência
para o Brasil. E vocês têm mulheres incríveis.
Em tempos que, com qualquer probleminha, as pessoas vão chorar no sofá
da Oprah, acho incrível mulheres que sofreram tanto, como Dilma e
Michelle Bachelet, virarem presidentes na América do Sul.
Negócios no Brasil à vista?
Adoraria ter o Daily Beast em português. Farei contatos. A 'Newsweek'
tem uma marca forte no Brasil e já decidimos que, das três sucursais que
manteremos no mundo, a do Rio é uma delas. Mac Margolis é um grande
correspondente.
Com o fim da versão impressa da "Newsweek", quais são seus planos para o digital?
Agora o que queremos é ter mais e mais assinantes no tablet e no
celular. É um tempo de muitos desafios para a mídia. Decidimos que não
dava para continuar no impresso. Custava US$ 40 milhões só para imprimir
a "Newsweek". Era um atraso gastar todo esse dinheiro quando as pessoas
queriam ler online.
Vivemos um período muito turbulento, a mídia foi atingida duramente por todos os lados.
Todo mundo quer saber como fazer dinheiro, como fazer o negócio ser sólido financeiramente.
Sou otimista aqui em casa, a audiência do Daily Beast cresceu 85% em um
ano e esperamos ter um público de 400, 500 mil usuários pagos na
"Newsweek" digital.
A "Newsweek" é mais global, mais reflexiva, analítica, o Daily Beast é mais imediatista, rápido, divertido.
Como vai pagar essa operação?
Teremos patrocínio para a "Newsweek" no iPad e teremos um medidor de
acesso. Quem ler diversas reportagens vai poder pagar pelo que consumir.
Não dá para distribuir seu trabalho de graça. É um erro que a imprensa
já cometeu antes.
Raio-X Tina Brown
Cargo: Editora-chefe da "Newsweek" e do site "The Daily Beast"
Obra: "Diana - Crônicas Íntimas" (Ediouro, 2007)
Iniciativa: Conferências "Women in the World" (Mulheres no Mundo)
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REPORTAGEM POR RAUL JUSTE LORESDE NOVA YORK
Fonte: Folha on line, 02/12/2012
Imagem da Internet
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